Texto em que o autor apresenta e defende suas ideias e opiniões, a partir da interpretação de fatos e dados.
'Aliança de solteiro' x apps de paquera: quais as chances de dar certo?
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A semana é dos namorados mas, como sempre, são os solteiros que não têm um minuto de paz neste país.
Como se não bastasse a pressão da tia Dalva sobre os namoradinhos no Natal, o ginecologista avisando que tem prazo pra congelar óvulos, a mãe apresentando nossos pets ou plantas como "os netos que pode ter" e a Shakira possivelmente namorando o homem mais cremoso do planeta, agora está rolando na praça um papo de "anel dos solteiros".
Apresentado ao público como "o maior experimento social do mundo", o Pear Ring é um anel de silicone desenvolvido para que solteiros sinalizem seu estado civil — e que estão dispostos a serem paquerados na vida real, como faziam os antigos fenícios sem acesso a Tinder, Bumble, Happn e similares.
O fabricante diz que as vendas do produto já estão no terceiro lote — sem explicar quantos anéis havia nos dois primeiros — e, por ora, os envios se concentram nos Estados Unidos, Reino Unido, Canadá e Austrália. Pagando 19,99 libras esterlinas (cerca de R$ 122), o cliente recebe um set de 3 anéis nos tamanhos P, M e G e pode correr pra rua ostentando sua solteirice, esperando que o mundo volte a ser como era antes do flerte ser interditado pela necessidade de matches na internet.
O primeiro e mais importante problema nisso tudo não é bem uma novidade. Sem anéis sinalizando que estão solteiras, as mulheres já se veem em apuros com assediadores, dentro e fora da internet, o tempo todo. Um anel verde que grita "quero ser xavecada" pode ser uma camada extra de aborrecimento para vidas já bastante desafiadoras.
Sempre lembro com revolta do marmanjo que me assediou num aeroporto e, quando comecei a protestar gesticulando, o querido olhou minha mão esquerda e disse "desculpa, não sabia que você era casada". Porque, aparentemente, tudo bem dizer uma baixaria qualquer a uma mulher desacompanhada.
Os outros poréns ainda são tétricos, mas não tão óbvios. Desde que alguém acordou e pensou "e se a gente inventasse um trem que você dá like no outro e pronto, já pode marcar o encontro?", parece que todo mundo se acovardou perante a possibilidade de rejeição.
Quem já tem idade suficiente para comparar a vida de solteiro antes e depois do Tinder sabe que, depois deste invento, dá tempo de fazer uma manicure completa no bar antes que algum dos envolvidos no flerte tome coragem para simplesmente se apresentar ou puxar um papo respeitoso. Por muito que uma aliança de solteiro passe o recado sobre as nossas intenções, o risco de ganhar um "não" continua ali — e não parece que um acessório descolado seja capaz de resolver esse pavor coletivo.
Aparentemente, solteiro nenhum está feliz com essa realidade, mas as novas gerações têm seus relacionamentos cada vez mais mediados por telas e cada vez menos jogo de cintura para se arriscar no famigerado ao vivaço. É estatística que você quer, @?
Um estudo conduzido pela agência britânica YouthSight e publicado no jornal Financial Times diz que 90% da geração Z se sente frustrada com os apps de encontros.
De acordo com a enquete respondida por 2.000 usuários do aplicativo Inner Circle, três em cada quatro usuários afirmam que preferem conhecer possíveis pares na vida real. Apesar disso, eles só abordam alguém por quem se interessam, fora da internet, uma vez a cada 2,4 anos. E só três em cada dez dizem ter sido paquerados em situações sociais nos últimos três meses.
A recessão sexual é real e generalizada. Mais do que uma questão de comportamento, ela é existencial, mesmo: acomodados na série de confortos e proteções que a internet oferece a quem pode pagar pelos serviços mais diversos sob demanda, ninguém está sabendo lidar com desagrados. Pra que tomar um "não" chegando numa pessoa interessante quando eu posso tomar o não sem nem tentar?
Se o anel dos solteiros vai ou não chegar ao Brasil, só o tempo dirá. Fato também é que, em coisa de dois dias, a empresa teria a infelicidade de ver o genérico dele rolando em qualquer barraquinha de vendedores ambulantes por um quinto do preço.
E, para os solteiros, seriam novos problemas a se resolver: "vou para o terceiro encontro com o Edson, devo ou não colocar o anel?", "Edson chegou com o anel no terceiro encontro, que recado ele está passando com isso?", "como assim a Daniela veio sem o anel, ela acha que estamos namorando?" e por aí vai.
Não há anel que solucione a incapacidade emocional de uma geração inteira. Nem o de solteiro, nem o de compromisso. Conversar abertamente sobre essas coisas num encontro não pega bem, então vamos de textão, indireta, memes e frustração conjugal.
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