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Matheus Pichonelli

OPINIÃO

Texto em que o autor apresenta e defende suas ideias e opiniões, a partir da interpretação de fatos e dados.

Desdém com eleições para deputados nos condena a repetir os erros de sempre

Plenário do Senado Federal - Geraldo Magela/Agência Senado
Plenário do Senado Federal Imagem: Geraldo Magela/Agência Senado

Colunista do UOL

20/09/2022 04h01

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Uma pesquisa Datafolha divulgada na sexta-feira (16) mostrou que sete em cada dez pessoas que vão às urnas em 2 de outubro ainda não decidiram em quem votar para a Câmara ou a Assembleia Legislativa de seu estado.

O índice de indecisos chega a 77% entre jovens de 16 a 24 anos e 74% entre quem estudou até o ensino fundamental.

Mais: entre quem já tem um nome favorito à Câmara dos Deputados (31% dos entrevistados), menos da metade (14%) escolhe um candidato ou candidata do mesmo partido ou coligação de seu presidenciável favorito. É como contratar, na mesma cabine de votação, uma crise certa para os meses entre uma eleição e outra.

Os números vão ao encontro de um outro levantamento, também realizado pelo Datafolha. No começo de agosto, o instituto revelou que 64% do eleitorado não se lembra em quem votou para Câmara nas últimas eleições. A amnésia sobre o voto para o Senado é numericamente ainda maior: 65%.

Tudo isso contrasta com o índice de pessoas entrevistadas que dizem ter definido, já há algum tempo, seu voto para presidente. No cômputo geral, 78% afirmam que estão totalmente decididos sobre a escolha.

Observados em perspectiva, os números reforçam a ideia de que estamos prestes a escolher não um (ou uma) chefe do Executivo, mas um(a) salvador(a) com poderes sobrenaturais.

Essa figura salvacionista é eleita com expectativa lá na lua. Mal assume e ela tem como missão resolver nossas aflições relacionadas ao preço da carne e da gasolina, da violência, da falta de creche, de estradas esburacadas e das nossas unhas encravadas.

A esperança é tanta que acreditamos até mesmo que basta escolher o nome certo para a Presidência que qualquer abacaxi pode ser descascado, inclusive os ananás produzidos em escala industrial nos corredores do Congresso. Spoiler: não tem salvador que dê conta.

Em anos recentes, foi no Congresso que atores políticos tomaram duas grandes decisões que moldaram a vida dos brasileiros hoje: quando foi aberto o impeachment contra Dilma Rousseff e quando os líderes da Câmara decidiram blindar Jair Bolsonaro dos inúmeros crimes dos quais o presidente tem sido acusado, ao longo da pandemia. As consequências desses dois momentos-chave são sentidas até hoje.

O descompasso, que extrapola a ideia de sistema de freios e contrapesos e inaugura uma relação baseada no achaque, nasce de uma desatenção básica. Ou melhor, da pressa de eleitores que desdenharam de uma escolha elementar e correram para pedir indicações, nas redes ou ao telefone, aos 45 do segundo tempo.

Isso quando não levam para as urnas o número martelado por puxadores de votos que decidiram vestir a fantasia de palhaço para confundir propaganda eleitoral com programa de entretenimento. Ganha uma vaga de suplente quem votou a reboque de algum slogan-chiclete de candidatos do tipo e hoje saiba citar algum projeto digno de nota aprovado pelo parlamentar destituído da fantasia.

Não faz muitos anos, uma pessoa próxima do círculo familiar, engajada na turma da terceira idade do bairro, fazia campanha para um certo candidato, citado toda vez que alguém telefonava na sexta para saber em quem deveria votar no domingo. A razão para o engajamento estava na pia do banheiro, onde habitava um pente com o nome do postulante.

A pessoa (digamos, a vó de um amigo) nunca soube dizer o que o parlamentar fez para merecer sua confiança. A explicação era sempre a mesma: ela gostava daquele pente e seu nome impresso no objeto era o único que ela guardava literalmente na cabeça.

Nessa brincadeira, ela conseguia uns dez votos para o camarada às vésperas de cada votação.

Já tem um tempo que a Justiça Eleitoral vetou, durante a campanha, que comitês de candidatos assim confeccionassem ou distribuíssem brindes do tipo para angariar simpatia dos eleitores.

O que não mudou de lá pra cá é a relação pautada pelo personalismo e o bairrismo entre eleitores e candidatos, que hoje conseguem seus nacos em verbas generosas em emendas de relator para estampar a fuça sorridente em outdoors, nos quais reivindicam os créditos pela distribuição de pequenos grandes "pentes" em seus redutos.

A estratégia tende a beneficiar quem já possui mandato e sonha torná-lo vitalício.

Na última legislatura, apenas 77 mulheres foram eleitas para as 513 cadeiras na Câmara dos Deputados, enquanto 125 parlamentares se declaravam negros (24,3% do total).

Entre as 36 profissões declaradas, nenhuma tinha mais representação do que a de empresários (108) na Casa.

O Congresso brasileiro é majoritariamente masculino, branco, rico e sexagenário. Daí a importância de campanhas para levar diversidade às esferas de decisão.

É a chance de pensar em abordagens novas, com novos olhares e vivências, sobre os mesmos problemas históricos.