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Matheus Pichonelli

OPINIÃO

Texto em que o autor apresenta e defende suas ideias e opiniões, a partir da interpretação de fatos e dados.

Bolacha e pizza sem ketchup: dicas para quem não conhece e quer governar SP

Tarcísio de Freitas durante entrevista à Rede Vanguarda, filiada da Globo - O Antagonista
Tarcísio de Freitas durante entrevista à Rede Vanguarda, filiada da Globo Imagem: O Antagonista

Colunista do UOL

25/09/2022 04h01

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Ouça um bom conselho que eu lhe dou de graça: se vier a São Paulo e tiver alguma pretensão de ficar um pouco mais do que um fim de semana, é preciso cuidado para não se perder na contramão.

Se a pretensão envolve governar o estado pelos próximos quatro anos, a tarefa é um tanto mais complexa.

Foi o que percebeu o carioca Tarcísio de Freitas (Republicanos) ao chegar por aqui e mostrar que nada entendeu da dura poesia concreta de suas esquinas e suas localizações.

Era questão de tempo que isso acontecesse. Em algum momento da pré-campanha, os idealizadores de sua candidatura certamente pensaram: "O presidente precisa de um palanque no maior estado do país. Não temos candidato competitivo lá, mas sabemos que paulistas adoram estradas e têm fetiche por quem diz não ser político, e sim gestor. Que tal mudar o domicílio eleitoral do nosso ministro da Infraestrutura e tentar a sorte? A gente diz que ele tem uma ligação afetiva com o estado e vai que vai".

Não foi exatamente uma má ideia, já que o candidato hoje aparece à frente do atual governador do estado nas pesquisas. O problema é que a conversa sobre a relação afetiva com os habitantes locais não sobreviveu a uma pergunta aparentemente despretensiosa de uma apresentadora de TV: "Onde o senhor vota, candidato?"

Tarcísio até tentou disfarçar, dizendo que o bairro onde viveu dias felizes de sua vida e onde por acaso fica o "colégio" em que vota lhe fugiu à memória. Era mais um ato falho do que um ensaio de resposta: em São Paulo pouca gente fala "colégio".

Naquele momento, Tarcísio contratava uma crise que não estava nos planos nessa reta final de campanha. O vídeo viralizou e fez uma multidão se perguntar se fazia sentido dar as chaves do cofre do estado para quem, aparentemente, não conseguiria chegar sozinho na rua Augusta se desembarcasse na estação Brigadeiro.

A gafe fez o candidato de Jair Bolsonaro em São Paulo ser trolado até por Alexandre Frota, candidato a deputado que gravou um vídeo para apresentar, em tom de ironia e sotaque carioca, alguns cartões-postais da capital paulista.

Para evitar novos tropeços, ofereço ao candidato uma lista de cuidados que precisa tomar para seguir firme na fantasia de paulista de coração.

Primeiro: biscoito, por aqui, é só um emoji que recebemos quando sensualizamos nas redes sociais. Sua derivação gastronômica é bolacha. Sempre. Em qualquer ocasião. E isso não está em discussão.

A boa notícia é que não tem briga nem reconciliação por essas terras que não comecem nem terminem numa mesa, de bar ou restaurante. Mas há sempre o risco de que a maionese azede de vez. Por tudo isso, tenha sempre em mente: ketchup na pizza é uma ofensa, pizza de calabresa quase nunca tem queijo, e cachorro quente sem purê de batata não é cachorro quente, é cozinha de guerrilha. O pão pode ser francês ou de água, a depender da localidade.

Bauru é lanche. E também uma cidade. Saber disso pode evitar engasgos culinários e geográficos. Outro dia um oponente seu confundiu Heliópolis com Paraisópolis e deu ruim. Em tempo: o shopping chique não fica em nenhum dos dois, mas em Higienópolis.

Ainda no campo gastronômico, há uma confusão por esses lados sobre as variedades do nosso feijão com arroz. Por exemplo: é preciso dizer que você quer um feijão carioca se quiser um feijão que você não come no Rio. Sim, pois é.

E dobradinha não é estratégia eleitoral, mas um jeito mais bonito de servir buchada. Macaxeira e aipim não são acompanhamentos. Os locais chamam de mandioca. E bergamota não existe em mercado algum. O "certo" é mexerica.

Feita a lição, é bom guardar os cardápios do PF (não confundir com a delegacia) para cada dia da semana. Eles podem ser servidos nas cumbucas de uma padoca (nunca padaria) ou um boteco: segunda é dia de virado à paulista (uma variação do tutu mineiro e talvez a única iguaria que São Paulo reivindicou no nome), terça é bife à rolê, quarta é feijoada, quinta é massa (com arroz, não estranhe) e sexta é peixe.

Dica 1: leve um jornal e os fones de ouvido para almoçar num enlameado balcão de granito e ganhe alguns pontos na cartela de paulistanice.

Dica 2: não precisa chamar o garçom de "meu consagrado".

Dia 3: não se esqueça, para evitar frustrações, que da calçada para fora da padoca Bela Vista é só nome de bairro, não uma paisagem. Vista para o mar, sem prédio ou fumaça, é privilégio de outras terras.

Ainda na capital, é preciso cuidado com palavras de duplo sentido. Bexiga é um bairro. E também aquilo que os aniversariantes de outras terras chamam de "balão". Na hora do parabéns, grita-se "pique", não "big". E farol não é uma torre de luz localizada no oceano, mas o que em outros lugares chamam de "semáforo", "sinaleira" ou "sinal".

"Irado" não é legal. É, geralmente, um paulistaner típico à beira de um ataque de nervos na frente do computador. E não se deve chamar os bombeiros para desentupir os ralos de casa. Prefira um encanador.

"Roleta" só em jogos de azar (e na surdina) ou item de programa de auditório; na dúvida, nunca pule a "catraca". Ela é um dos símbolos do estado, principalmente na capital — que ninguém além do Caetano Veloso chama de "Sampa", só pra constar.

Bandeirantes é uma emissora. E também um estado de espírito. Ele está materializado em nomes de estrada, ruas, estátuas e monumentos.

Feitas as apresentações, vale ficar atento para não se perder por aí. Se for seguir os hábitos do seu ex-chefe e aparecer a cada dia com uma camisa de time diferente, é bom tomar cuidado. Não pega bem andar com camisa do Corinthians na Pompeia nem com a do Palmeiras em Itaquera. O time do Morumbi é o São Paulo e não adianta procurar reduto santista na capital. Santos não é bairro, mas uma cidade da Baixada.

Outra coisa: Campinas não é capital, embora seus habitantes digam sempre que viajam para o interior aos finais de semana. É preciso ter cuidado também para não confundir os santos. São José é um só, mas dá nome a mais de uma cidade. Se você vota em São José dos Campos, cuidado para não pegar na véspera alguma estrada que dê em São José do Rio Pardo ou do Rio Preto — os rios também são muitos.

Ribeirão Pires e Ribeirão Preto são cidades diferentes, e uma não é distrito da outra — embora a última fique na área de influência da grande Araraquara, onde nasceu este que vos escreve. A cidade era conhecida como a terra da laranja e do Ignácio de Loyola Brandão antes de um hacker local resolver colocar a política brasileira de ponta-cabeça.

Ainda no interior, valer dobrar a atenção com algumas rixas locais. Não diga em Mogi Guaçu que você é fã do time da cidade por causa do Rivaldo. Ele jogava na equipe homônima da cidade vizinha, Mogi Mirim. Favor não confundir com Mogi das Cruzes, que fica do outro lado. Embu é outro prefixo que costuma causar confusão. Estude porque vai cair no debate.

Por fim, evite cumprimentar as pessoas com mais de um beijinho e tenha sempre em mente que, a partir de agora, "meu" não é pronome possessivo: é como chamamos qualquer pessoa de quem não sabemos o nome — são 12,3 milhões de habitantes só na capital, não é mesmo fácil de guardar.

Ah, sim: se vir uma fila no caminho de casa para a praia (spoiler: não temos), entre. Não tem nada mais o paulistano do que passar horas em uma fila no domingo, seja para o restaurante, seja para fazer selfie em redutos conhecidos por histórias macabras. Por falar nisso, já ouviu o podcast "A Mulher da Casa Abandonada"?