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Voz de hit de Lula faz jingle de Marçal e critica PT: 'Fui jogado no lixo'

"Tá na hora do Jair já ir embora" foi o hino da vitória apertada de Lula em 2022.

O sucesso, parceria de Tiago Doidão com Juliano Maderada, chegou ao nº 1 geral no Spotify Brasil no dia seguinte ao segundo turno — feito inédito para um jingle político.

Dois anos depois, a euforia virou mágoa. Tiago diz que a música foi a melhor e a pior coisa de sua carreira.

Boicotado por empresários e prefeitos bolsonaristas, não conseguia mais fazer shows. Procurou petistas e foi ignorado.

"Me senti como um copo descartável. Fui usado, amassado e jogado no lixo."
Tiago Doidão, cantor

Só agora a carreira voltou aos eixos. Tiago trabalha atualmente 16 horas por dia e já gravou mais de 130 jingles, que custaram de R$ 2.000 a R$ 5.000.

Mas isso dependeu de uma decisão do cantor de 42 anos: desapegar da esquerda que o decepcionou.

A voz da vitória de Lula agora canta o jingle "Foguete não tem ré", exaltando Pablo Marçal.

Para explicar a virada, Tiago conta ao UOL o que viveu entre 2022 e 2024: "É a primeira vez que vou contar o que realmente aconteceu comigo depois da música do Jair".

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Tiago Doidão com Lula em 2022
Tiago Doidão com Lula em 2022 Imagem: Acervo pessoal

'Viraram as costas'

"Passou a eleição, fui voltar à vida real, trabalhar, e começou a perseguição. O lado do Bolsonaro não gostou, porque eu cantei aquele sucesso que ajudou na vitória do Lula. Tive muito show cancelado. Eles diziam: 'O menino da música do Jair não entra aqui'."

Se não eram contratantes, era parte do público: "Diziam: 'Vamos jogar tomate, escorraçar para fora da cidade.' Sou pai de família, precisava trabalhar. O jeito foi procurar o pessoal do PT, que me ignorou. Um lado me olhava torto e outro fechou a porta."

Segundo ele, foram cem emails e 300 ligações atrás de uma oportunidade.

"Um dia fomos até Salvador, disseram que a ministra Margareth Menezes ia nos receber, mas não recebeu. Foi nesse dia que me senti mais descartável."
Tiago Doidão, cantor

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Tiago Doidão ainda é fã de Lula e acredita que os apelos não chegaram ao nível do presidente. A mágoa é com os apoiadores.

"O PT é muito forte no Nordeste", ele diz. "Mas eles viraram as costas. A impressão é que pensaram: 'Já ganhamos, não precisamos mais dele.'"

"Foi quando decidi trabalhar sem olhar partido, gostando ou não do político. Ser profissional."

Mesmo assim, buscou figuras que admira. "Procurei Boulos e Tabata, mas as equipes não responderam. Entendo. Mas o Marçal me pediu e eu gravei. Seguidores do PT vieram me chamar de 'prostituta'. Mas sou pai de família, preciso trabalhar."

Juliano Maderada (esquerda) e Tiago Doidão no clipe de 'Tá na hora do Jair já ir embora'
Juliano Maderada (esquerda) e Tiago Doidão no clipe de 'Tá na hora do Jair já ir embora' Imagem: Reprodução/ Youtube

O sucesso do 'arrastão' eleitoral

Os clientes de Tiago Doidão, da esquerda à direita, buscavam o som no qual ele se mostrou especialista: o jingle "de paredão".

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São músicas para serem tocadas em caixas de som automotivo nos "arrastões", uma espécie de bloco eleitoral ou passeata musical.

O estilo musical é o do pop eletrônico nordestino que bate de frente com o sertanejo e o funk na preferência nacional: lambadão, pisadinha, bregadeira e pagodão baiano.

"É o que anima o eleitor hoje", Tiago explica. "Às vezes tem dois arrastões, o eleitor que está indeciso, subindo num arrastão, vê aquela multidão bonita e animada descendo em outro e fala: 'Ah, vou pular para o lado de lá'."

As letras têm duas vertentes. A primeira, exaltação, é quase um grito de vitória antecipado. Um sucesso dessa linha é "O Homem Disparou", fenômeno da eleição municipal de 2020.

A outra linha é a "pirraça". São jingles que provocam os opositores. "'Tá na hora do Jair já ir embora' é um exemplo de pirraça. Ela nem fala de Lula. Ainda me pedem muito esse tipo de música", Tiago ensina sobre a lambada que foi seu maior hit.

E o Juliano Maderada?

Lulista ferrenho, o colega de Tiago no hit de 2022 tem um canal no YouTube só para exaltar a esquerda e provocar a direita.

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"Tá na hora do Jair já ir embora" foi fruto desse canal e da militância espontânea de Juliano Maderada. A música não foi encomendada nem paga pelo PT, mas virou hino da vitória mesmo assim.

Juliano coloca o orgulho político de ter participado da vitória de Lula acima da ambição musical.

Ele diz que fez "trabalhos pequenos" para o partido neste meio-tempo, mas o sustento vem mesmo da renda das visualizações do canal do YouTube.

Ele aprova o governo de Lula, mas critica a comunicação e a falta de apoio à militância.

"Não abraçam muito nossa causa, nossos canais. O bolsonarismo tem uma união maior. É muito fácil crescer na rede social de direita."

O músico também ampliou seus trabalhos, mas não foi tão longe quanto o colega que fez jingle para Pablo Marçal. Fez jingles genéricos com os números do PSB, PSOL, PDT e Solidariedade.

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Com um ritmo industrial de criação de vídeos para o canal, Juliano diz que conseguiu produzir 500 jingles para a eleição de 2024, pelos quais calcula ter ganhado R$ 450 mil.

"Eu trabalho na eleição para viver os dois anos seguintes", descreve.

Outro lado: abraçado pelo agro

Mateus e Cristiano cantam 'Capitão do Povo' em live com Bolsonaro
Mateus e Cristiano cantam 'Capitão do Povo' em live com Bolsonaro Imagem: Reprodução

Mateus e Cristiano foi a dupla rival de Doidão e Maderada em 2022. Os irmãos gêmeos de Taquarituba (SP) gravaram "Capitão do Povo", jingle de Bolsonaro, encomendado pelo publicitário Duda Lima — atual marqueteiro do prefeito Ricardo Nunes.

A música era um "gospelnejo", tinha cara de balada sertaneja anos 1990 com melodia cristã e toque militar.

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Foi de longe o jingle mais forte da campanha de Bolsonaro, e também chegou a entrar nas paradas gerais de streaming.

Já acostumada ao circuito de festas de interior, a dupla não viveu o drama pós-eleição de Tiago Doidão.

"O agro abraçou a dupla. A gente tinha que cantar 'Capitão do Povo' até em casamento", diz Cristiano.

Em 2024, eles fizeram mais de 30 jingles para prefeitos ou vereadores, mas não revelam valores. Os pedidos chegavam por uma agência e eles não escolhiam partido.

Mas, por conta do estilo e do sucesso de 2022, os clientes eram naturalmente mais bolsonaristas. O maior foi Bruno Engler (PL), de Belo Horizonte.

A maior parte dos pedidos foi de recriações de "Capitão do Povo". Foi uma espécie de multiplicação do personagem da música para capitães municipais. "A gente percebe que a grande maioria dos candidatos que pediu quis se conectar com o público do Bolsonaro."

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