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Matheus Pichonelli

OPINIÃO

Texto em que o autor apresenta e defende suas ideias e opiniões, a partir da interpretação de fatos e dados.

De Joaquim Barbosa a justiceiro do Leblon: inimigo do 'Batman' hoje é outro

Um dos "personagens" em manifestações no Rio desde 2013, o Batman Eron Moraes aderiu ao movimento contra Bolsonaro em Copacabana em 2021 - Carolina Farias/UOL
Um dos 'personagens' em manifestações no Rio desde 2013, o Batman Eron Moraes aderiu ao movimento contra Bolsonaro em Copacabana em 2021
Imagem: Carolina Farias/UOL

Colunista do UOL

28/09/2022 04h01

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Relator do chamado "mensalão", o ex-ministro do Supremo Tribunal Federal (STF) Joaquim Barbosa anunciou, com uma série de vídeos, o seu apoio ao ex-presidente Lula (PT) na corrida presidencial.

Nas mensagens, ele afirma que Jair Bolsonaro (PL) é inapto para presidir o país e representa um risco à democracia.

A posição do magistrado não é exatamente nova. Em 2018, ele declarou voto a Fernando Haddad (PT). E, até pouco tempo, era filiado ao PSB, partido para o qual migrou o ex-governador paulista Geraldo Alckmin, vice na chapa do candidato petista.

O anúncio dessa vez tem outro peso. Nas últimas eleições, Lula foi impedido de concorrer em razão de suas condenações no âmbito da Lava Jato.

Barbosa já não fazia parte do STF quando a corte negou um pedido da defesa do petista, condenado em segunda instância no caso do triplex, do Guarujá (SP), para evitar sua prisão.

Para quem assiste aos vídeos, é difícil não se lembrar dos tempos em que o então ministro era chamado de "Batman" — uma referência a uma cena em que, no julgamento do "mensalão", ele foi fotografado de costas, com a toga posicionada à imagem e semelhança da capa escura do super-herói.

"Batman é para os fracos. O meu herói usa toga preta e está em Brasília lutando contra os maiores vilões da história do Brasil", dizia uma postagem à época publicada na página "Joaquim Barbosa Presidente no Facebook".

Naquele tempo, não era difícil encontrar quem estivesse convicto de que o Brasil havia sido assaltado pelos vilões da classe política e que só mesmo um justiceiro, de preferência vindo do Judiciário, do Exército ou dos movimentos de rua, poderia trazer segurança a Gotham City.

Barbosa até aventou a possibilidade, mas resistiu como pode ao canto da sereia que o levaria até Brasília.

Não demorou para que outro magistrado, o então juiz da 13ª Vara Federal de Curitiba, Sergio Moro, fosse alçado ao posto. Ele era retratado como herói em bonecos infláveis, capas de revistas e até produtos audiovisuais.

Como seu boneco, a projeção inflável de sua alegoria foi furada com alfinete assim que Moro trocou a toga pelo mundo político — num case do que não fazer com a própria carreira. A quarta temporada dessa série mostra o seu protagonista como um errático candidato ao Senado que mendiga pelo apoio de quem o enviou para o lixo da História.

Entre um momento e outro, porém, esse espírito da luta antipolítica já perambulava pelas ruas no rescaldo das manifestações de junho de 2013. Ninguém representava melhor esse espírito do que Eron Moraes de Melo, um protético dentário que nas horas vagas se fantasiava de Homem Morcego e saía por aí combatendo os gastos com a Copa no Brasil, o governo Dilma Rousseff e o que mais estivesse em pauta.

De vez em quando me perguntava por onde andaria o Batman do Leblon — que, na verdade, é de Marechal Hermes — e o que diria dos novos personagens saídos daquela Caixa de Pandora aberta em 2013, entre monarcas guardados em formol, sósias de Viking do Capitólio, deputados marombados, terraplanistas de toda ordem, cosplay de Caco Antibes, adictos em Viagra comprados com dinheiro público e fãs declarados de movimento fascista.

Soube então que o Batman dos protestos foi um dos muitos personagens ouvidos pelo repórter e apresentador Rodrigo Vizeu para o podcast Passado a Quente.

Na conversa, o ativista lembrou quando perdeu o posto de justiceiro para o então deputado Jair Bolsonaro — mais ou menos na época em que as ruas paravam de pedir transporte público acessível e de qualidade para reivindicar intervenção militar, a morte de partidos políticos, o fechamento do Congresso, do Supremo e outras paradas golpistas. O cosplay de Batman é um dos muitos eleitores que agora rejeitam o capitão.

Eron Moraes hoje avalia que na época era um analfabeto político que mal sabia o que era direita e esquerda e admite que serviu como "massa de manobra". "É a maior vergonha que tenho na vida", disse ao podcast.

O episódio resgatou das profundezas de um país que ainda existia por aqui o momento em que a versão carioca do herói da DC enfrentou um cineasta rico mas atrapalhado na fantasia de progressista numa via pública do Rio. A troca de xingamento foi registrada por uma equipe de cinegrafistas franceses e viralizou.

A certa altura, como se fosse um esquete gravado para o Zorra Total, uma mulher tomou a cena para profetizar que estava em curso um plano de ocupação comunista e totalitarista no país. "Será que ninguém vê isso?", perguntou.

Parecia loucura que alguém pensasse (e manifestasse) algo do tipo sem corar. Hoje quase não franzimos a testa quando o próprio presidente sai por aí espalhando conversas do tipo em lives e Assembleia Geral da ONU.

Voltar àquela esquina do Rio, onde todo mundo tinha a sua fórmula para a salvação nacional, é uma oportunidade de rever e compreender como chegamos até aqui e pavimentamos uma década praticamente perdida.

Aquela esquina, se falasse, ecoaria a sentença de Bertolt Brecht: "Miserável país aquele que não tem heróis. Miserável país aquele que precisa de heróis".