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'Esse é branco mesmo': ato pró-Silveira tem sósia de 'viking do Capitólio'

Daniel Silveira, ao lado de homem travestido de "viking do Capitólio", em Niterói (RJ) - Matheus de Moura/UOL
Daniel Silveira, ao lado de homem travestido de 'viking do Capitólio', em Niterói (RJ)
Imagem: Matheus de Moura/UOL

Matheus de Moura

Colaboração para o TAB, de Niterói (RJ)

01/05/2022 13h36

Frente à reitoria da UFF (Universidade Federal Fluminense), em Niterói (RJ), sob o céu limpo e 26ºC, um grupo que variava entre 2.000 e 3.000 pessoas — quase todas brancas e acima dos 50 anos de idade —, clamava pela eleição do deputado federal Daniel Silveira (PTB) ao Senado, por um retorno aos valores morais cristãos e pelo fim de "socialismo, marxismo cultural e ideologia de gênero" ("Menino veste azul e menina veste rosa", proferiu um dos locutores do carro de som). Os números são da PM.

Bandeiras do Brasil combinavam com os trajes da maioria, numa variação das cores da bandeira (azul, verde e amarelo) com frases de ordem típicas da extrema-direita bolsonarista, sempre aludindo à família, ao cristianismo e à ordem. A razão de estarem desde as 9h, frente à praia de Icaraí era a chegada do deputado Daniel Silveira ao local. Após muita muvuca de fãs esticando-lhe a mão, numa tentativa de tocá-lo, Silveira conseguiu subir ao carro de som por volta das 10h15 — na dianteira, o deputado federal Carlos Jordy (PL) guiava o caminho.

Daniel Silveira e apoiadores cantam o hino nacional, entre bandeiras de 'Ame-o o Deixe-o' - Matheus de Moura/UOL - Matheus de Moura/UOL
Daniel Silveira e apoiadores cantam o hino nacional, entre bandeiras de 'Ame-o o Deixe-o'
Imagem: Matheus de Moura/UOL

Minutos antes da subida do deputado, alvo de uma intensa discussão jurídica por ter escapado de uma condenação do STF por uma graça (um tipo de indulto individualizado) concedida pelo presidente Jair Bolsonaro (PL), o locutor fizera um apelo à massa que acompanhava a manifestação: "Chequem o título de eleitor de vocês, veja se está tudo em dia, vamos votar, porque eles não querem isso". O discurso seguiu no sentido de pintar a oposição ao bolsonarismo como desdenhosa do eleitor da terceira idade.

Ao lado dos deputados, no topo do carro de som, um homem branco fantasiado de viking, idêntico a Jacob Chansley — o extremista que invadiu o Capitólio em 6 de janeiro e está preso —, segurava uma placa de rua com o nome de Daniel Silveira, em alusão à placa Marielle Franco quebrada pelo próprio deputado com Rodrigo Amorim (PTB). "Esse aqui é branco mesmo, não é como uns aí que fingem ser de verdade", proferiu o locutor sobre Julio Monteiro, o viking brasileiro. O ato alavancou a presença midiática de Daniel e o alçou ao cargo atual na Câmara de Deputados.

Nem meia hora depois da aparição no carro de som, Silveira desceu do carro, junto da esposa, a advogada Paola Daniel, e foi engolido por uma horda de fãs. O parlamentar estava rodeado de seguranças com crachás escritos "staff". Jovens e idosos se acotovelavam para tirar uma selfie ou passar a mão no deputado bombado e careca. Os fanáticos por Daniel avançaram junto dele pelas ruas de Icaraí até chegar ao ponto final, o prédio Residence Mix, na rua Dr. Tavares de Macedo, 41, onde ele entrou acenando uma última vez, preparando-se para as manifestações de Copacabana e São Paulo, como anunciara no microfone.

Carlos Jordy, por outro lado, ao descer do carro para seguir sua agenda política de domingo, viu-se rodeado por um número duas vezes menor de pessoas que o colega e foi alvo de comentários sobre sua estatura: "Ele é baixinho, né?", afirmava uma transeunte à amiga.

Daniel Silveira no 1º de maio em Niterói (RJ) - Matheus de Moura/UOL - Matheus de Moura/UOL
Imagem: Matheus de Moura/UOL

'Símbolo de resistência'

O apelo de Silveira, segundo J.P.B, niteroiense de 17 anos de idade, está na luta pela liberdade. Trajando uma camiseta azulada com os dizeres "Deus, Pátria e Família", o rapaz faz parte do movimento "Endireitando Brasil" e acompanhou Silveira do carro de som ao prédio. "Comecei a acompanhá-lo tem um ano e meio ou dois? Foi depois que ele foi preso. Vi que prenderam um inocente. Eu só queria conseguir tirar foto com ele [conseguiu], que pra mim é um símbolo de resistência", explicou o garoto, que voltava à praia acompanhado de outros amigos adolescentes e empunhando uma bandeira do Brasil nas costas.

Um dos líderes do movimento "Endireitando Brasil" na Região dos Lagos, Matheus Araguez França, 20, explica que o tripé deles (Deus, Pátria e família) equivale ao que eles querem para religião, política e cultura, respectivamente. Ele conta que conheceu Silveira quando o então candidato quebrou a placa de rua com o nome de Marielle Franco, vereadora assassinada em 2018. França acredita que o deputado teria exagerado nas críticas ao STF que o levaram à condenação, mas pondera que, mesmo assim, não crê que ele deveria ter pedido desculpas. O jovem, que trabalha com turismo na Região dos Lagos, declara-se um protestante em migração para o catolicismo. "Isso vai acontecer muito", explica ele.

Manifestante em ato pró-Daniel Silveira carrega cartaz pela liberadade de Protógenes Queiroz - Matheus de Moura/UOL - Matheus de Moura/UOL
Manifestante em ato pró-Daniel Silveira carrega cartaz em menção à Protógenes Queiroz
Imagem: Matheus de Moura/UOL

A alguns metros, com a dissipação de manifestantes que migravam das ruas para os restaurantes icaraenses, um senhor de 62 anos, Afonso — preferiu não dar o sobrenome — carregava um banner com o rosto de Protógenes Queiroz, delegado da Polícia Federal condenado em decorrência da Operação Satiagraha (2008), e uma frase de pedido de anistia para ele.

Questionado sobre o significado daquela manifestação que pouco dialogava com o tema principal, Afonso só soube dizer que não sabia explicar. "Eu o conheci, estudamos juntos no 2º grau [ensino médio], mas não acompanho muito o caso. Sei que ele tá exilado em algum lugar da Europa desde que aconteceu o negócio, né", referenciando o fato de que o então delegado, exonerado em 2015, se encontra exilado na Suíça desde 2015, um ano após condenação por vazar informações da operação Satiagraha.

Com o marasmo do almoço de domingo, bolsonaristas se despediam entre si e abandonavam os arredores do carro de som em busca de um rango para a família no bairro da zona sul de Niterói. Perto do meio-dia, apesar da dispersão, buzinas de motos e paródias sexistas de funks populares ecoavam pelas ruas da região nobre da cidade.

Errata: este conteúdo foi atualizado
A primeira versão desta reportagem afirmava que Matheus Araguez França era fã de Silveira desde que o então candidato a deputado federal quebrou a placa de Marielle Franco, em 2018. Na realidade, França apenas conheceu Silveira neste episódio. O trecho foi alterado.