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Estação de trem inaugurada por Bolsonaro segue sem funcionar após 1 mês

Trabalhadores realizam serviço na estação Cajupiranga, em Parnamirim (RN): a obra foi inaugurada pelo presidente Bolsonaro em 30 de março - Valcidney Soares/UOL
Trabalhadores realizam serviço na estação Cajupiranga, em Parnamirim (RN): a obra foi inaugurada pelo presidente Bolsonaro em 30 de março
Imagem: Valcidney Soares/UOL

Valcidney Soares

Colaboração para o TAB, de Natal (RN)

01/05/2022 10h12

No final de março, o presidente Jair Bolsonaro (PL) passou pelo Rio Grande do Norte. Veio para inaugurar a estação Cajupiranga, Trecho I da Linha Branca da CBTU (Companhia Brasileira de Trens Urbanos) que ligaria o bairro de Cajupiranga, em Parnamirim, Região Metropolitana de Natal, ao centro da cidade.

Recepcionado por apoiadores na chegada ao estado — o único que elegeu uma mulher governadora em 2018, a petista Fátima Bezerra —, fez piada e montou a cavalo. Sobre um equino branco que portava uma bandeira do Brasil, desfilou e em seguida partiu em uma motociata, até chegar à estação.

A festa foi grande. Contou com a presença de ministros, como os potiguares Fábio Faria, das Comunicações, e Rogério Marinho, do Desenvolvimento Regional, além de outras autoridades. A cerimônia parou a rodovia que cruza a estação, causando engarrafamento. Quem morava próximo não conseguia sequer transitar e estacionar.

"Nunca vi tanto carro na minha vida", lembra Carol Botelho, 27, que trabalha na loja de plantas ornamentais da sua família. Há 12 anos ela está em Cajupiranga, acompanhando parte das transformações do bairro e o zumzumzum de veículos que tomou conta da região em 30 de março. Mas, passado exatamente um mês, nenhum VLT (veículo leve sobre trilhos) conduziu os moradores. A estação nunca funcionou.

Estação Cajupiranga, em Parnamirim (RN): moradores reclamam da dependendência do transporte particular em área onde já deveria funcionar estação de trem - Valcidney Soares/UOL - Valcidney Soares/UOL
Estação Cajupiranga, em Parnamirim (RN): moradores reclamam da dependendência do transporte particular em área onde já deveria funcionar estação de trem
Imagem: Valcidney Soares/UOL

'Sua felicidade está aqui'

A estação Cajupiranga está no entorno da RN-313, uma área onde o que predomina é o movimento dos carros. Por lá, as casas populares não estão à vista. Logo vizinho fica um condomínio de alto padrão. Em volta, outros edifícios de mesmo porte estão em construção. Os estandes de venda dos futuros prédios elogiam as qualidades do local para os endinheirados que quiserem morar ali. Um outdoor anuncia a "elegância e bem estar das residências". Outro diz: "sua felicidade está aqui".

Fora dos condomínios na margem, outra configuração preenche o ambiente. São galpões e comércios dos mais diferentes tipos, como marmorarias, funilarias e vidraçarias. Os funcionários pouco utilizam o transporte público, justamente pela dificuldade de sair do bairro sem um veículo próprio.

Em Cajupiranga passa apenas um ônibus regular. Além dele, só um alternativo, conhecido como interbairros. Para chegar à parte populosa do bairro, que se expande para além da margem da rodovia com suas feiras, lojas e moradores, é preciso caminhar cerca de 1 km.

Na manhã de sábado (30) em que a reportagem de TAB esteve em Cajupiranga, o horário reduzido do fim de semana dificultava ainda mais a vida de quem precisava se locomover. "Se perder o ônibus das 8h, só pega o das 11h", afirmou Raíla Pereira, 26, que há 20 anos mora e trabalha ali.

Com aparelhos nos dentes e vestimenta jovial, ela fala das pessoas que trabalham no bairro mas são de outros municípios. O início da operação dos maquinários, afirma, ajudaria "principalmente os trabalhadores de São José de Mipibu, que moram lá". A cidade é outra que faz parte da Linha Branca da CBTU. A conclusão desta etapa, entretanto, só está prevista para o segundo semestre.

Raíla Pereira relata longa espera para quem depende de ônibus em Cajupiranga - Valcidney Soares/UOL - Valcidney Soares/UOL
Raíla Pereira relata longa espera para quem depende de ônibus em Cajupiranga
Imagem: Valcidney Soares/UOL

Estação fantasma

A estação Cajupiranga pretende atender o perímetro urbano de Parnamirim. Nesta etapa da obra foram gastos pouco mais de R$ 17 milhões, sob ordem do Ministério do Desenvolvimento Regional, para os 3,4 km de linha férrea. A placa do governo federal fala em R$ 551 mil para "serviço de engenharia para construção da estação ferroviária Cajupiranga".

Apesar de estar parada, a estação de fato ficou. Bolsonaro esteve no local qu serve de terminal de passageiros. As luzes estão instaladas, as roletas estão prontas, o guichê de passagem apenas à espera de quem precise comprar. Mas quem transita lá é só um homem responsável pela segurança e vistoria do local.

O real motivo dos VLTs não estarem rodando são os trilhos. Quando TAB esteve lá, 12 funcionários de uma empresa trabalhavam na soldagem das emendas dos ferros. Em outros pontos, o dormente (o concreto que fica entre os dois lados dos trilhos) também estava pendente de instalação. Procurada, a CBTU apenas informou que o funcionamento começará "em meados de maio", sem data específica. O encarregado da equipe de solda — que não quis se identificar — apontou dia 10 como "start" da operação.

Transporte público pra quem?

Glaucione Lima, 40, é dona de um mercadinho a cerca de 500 metros da estação. Segundo ela, quem não tem veículo próprio em Cajupiranga acaba andando mais em aplicativos de transporte particular. "O transporte aqui é muito precário. E hoje, para ter uma ideia, o pessoal se locomove mais através de Uber porque é bem mais rápido e prático, mas com a questão do trem vai melhorar bastante."

Apesar de crítica, ela está esperançosa: "na verdade, essas inaugurações só deveriam acontecer depois do projeto concluído, mas falta muito pouco".

Uma vendedora idosa para junto a outro senhor numa loja de equipamentos automotivos. A dupla carrega uma caixa de isopor com sacolés — "dindim", no termo regional — e é breve nas falas, sem querer se identificar. A mulher, entretanto, lamenta a falta do VLT. "O que eu posso dizer é que se estivesse funcionando eu já tinha ido dar um passeio."

Hélio Gomes critica longa distância para chegar até estação - Valcidney Soares/UOL - Valcidney Soares/UOL
Hélio Gomes critica longa distância para chegar até estação
Imagem: Valcidney Soares/UOL

O pedreiro Hélio Gomes é outro que sofre para andar em Parnamirim. Com cerca de 1,70m, camisa polo preta, barba por fazer com fios brancos que denunciam seus 58 anos e um boné vermelho que o protege do sol quente, ele critica o local de construção da estação.

"Pô, prevaleceram só eles lá [moradores dos condomínios]. Até para chegar lá, ou pega um mototáxi ou sai a pé daqui até lá, então é complicado." Ele diz que, à noite, o local só não é mais esquisito por causa das luminárias colocadas na estrada.

Em nota enviada à reportagem, o Ministério do Desenvolvimento Regional confirma o que foi informado pela CBTU. "Em 30 de março foi realizada a inauguração das obras físicas da Estação Cajupiranga, em Natal, onde também houve uma viagem experimental na via ampliada. A CBTU está realizando os testes e ajustes finais de engenharia ferroviária na via férrea. A previsão é que a Estação esteja aberta para a população até meados de maio."