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A saga da estátua de sucata que homenageia Bolsonaro em Passo Fundo (RS)

Estátua do presidente Jair Bolsonaro exposta no antigo terminal do aeroporto de Passo Fundo (RS) - Diogo Zanatta/UOL
Estátua do presidente Jair Bolsonaro exposta no antigo terminal do aeroporto de Passo Fundo (RS)
Imagem: Diogo Zanatta/UOL

Fernanda Canofre

Colaboração para o TAB, de Passo Fundo (RS)

09/04/2022 12h24

Mais de uma tonelada de sucata e ferro-velho, com aproximadamente seis metros de altura e um acabamento escuro para evitar ferrugem formam o corpo. Outros cerca de 100 kg de lâminas de aço, dispostas com base em um desenho de computador, dão cara ao rosto do presidente da República. Assim é a versão imóvel do presidente Jair Bolsonaro (PL) criada em Passo Fundo (RS). A estátua não tem pouso fixo.

Desde que veio a público, a obra esteve em duas manifestações - a dos caminhoneiros e no ato local de bolsonaristas no 7 de setembro — e em uma feira de agronegócio, até chegar à frente do terminal antigo do aeroporto da cidade. Ficou plantada ali, esperando a chance de ser apresentada a Bolsonaro.

O encontro aconteceu nesta sexta-feira (8), quando o presidente visitou Passo Fundo para inaugurar um novo terminal no aeroporto Lauro Kortz, antes de seguir viagem para o Paraná. Foi um encontro sem público, apenas com o homem que teve a ideia da obra, Volnei Dal'Maso, 55, e alguns poucos apoiadores.

"Ele ficou emocionado com a estátua. A gente disse do que ela foi feita, ele olhou toda ela, deu a volta, tirou fotos, quis saber do artista também. A gente disse que o autor não quer aparecer porque foi até ameaçado — ele se emocionou também por causa disso", conta Dal'Maso, agrônomo e vice-presidente do Sindicato Rural na cidade.

Estátua de sucata de Jair Bolsonaro exposta na avenida Brasil durante o 7 de Setembro de 2021, em Passo Fundo (RS) - Diogo Zanatta - Diogo Zanatta
Estátua de sucata de Jair Bolsonaro exposta na avenida Brasil durante o 7 de Setembro de 2021, em Passo Fundo (RS)
Imagem: Diogo Zanatta

Bolsonaro, guerreiro

A obra virou notícia nacional e meme nas redes no segundo semestre de 2021, mas Dal'Maso, que diz que as "ofensas maldosas" sobre ela não atingem seu grupo, teve a ideia do monumento no final de 2019.

Passando por uma oficina, ele viu a figura de um guerreiro feito com sucata e decidiu pedir algo parecido em homenagem a Bolsonaro - a estátua do presidente tem às costas um escudo e uma espada e usa uma espécie de capacete, em alusão à imagem de inspiração.

O artista responsável, Jorge Luiz Grigolo, que se identifica como bolsonarista, trabalhou cerca de dois anos na obra e estima um valor aproximado de R$ 40 mil, caso fosse comercializada. Ele fez o corpo, enquanto uma empresa local criou a cabeça.

Desde que a estátua ganhou fama, ele diz que vem sofrendo ataques e recebeu até ameaças de morte, por isso prefere não dar entrevistas.
Um financiamento virtual chegou a ser criado tentando levantar R$ 10 mil para pagar pela obra, mas não decolou. Grigolo diz que recebeu ajuda de custo com materiais, mas nada pelo trabalho.

Integrantes do Comitê pela Vida e Liberdade e idealizadores da estátua em homenagem a Bolsonaro posam para foto no antigo terminal do aeroporto de Passo Fundo (RS) - Diogo Zanatta/UOL - Diogo Zanatta/UOL
Integrantes do Comitê pela Vida e Liberdade e idealizadores da estátua em homenagem a Bolsonaro em Passo Fundo (RS)
Imagem: Diogo Zanatta/UOL

A jornada de um símbolo

O paradeiro da estátua abriu uma discussão no município com população de 206 mil habitantes, segundo estimativa do IBGE (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística), onde Bolsonaro obteve 63,2% dos votos no segundo turno de 2018.

O procurador-geral municipal, Adolfo de Freitas, explica que, para ser colocada em um local público, a estátua precisaria de autorização ou uma lei específica.

"Para autorização, se fosse o caso, teria que existir o que se chama de 'interesse público' e me parece que, no caso de pessoa viva e ocupando cargo político, haveria um impeditivo", diz ele.

Uma das primeiras aparições públicas dela, então, foi a participação temporária no ato dos bolsonaristas da cidade no último 7 de setembro, içada por um guincho na avenida Brasil, que corta a cidade de ponta a ponta.

Estátua de Bolsonaro exposta em indústria às margens da rodovia, durante feira Expodireto, em Passo Fundo (RS) - Diogo Zanatta/Divulgação - Diogo Zanatta/Divulgação
Estátua de Bolsonaro exposta em indústria às margens da rodovia, durante feira Expodireto, em Passo Fundo (RS)
Imagem: Diogo Zanatta/Divulgação

Em março, ela foi levada à área de empresas dentro da Expodireto, uma das maiores feiras de agronegócio do país em Não-Me-Toque. Os organizadores aguardavam uma visita presidencial.

Poucos dias antes da passagem de Bolsonaro por Passo Fundo, ela foi colocada em um canteiro em frente ao antigo terminal e chegou a virar atração local, com pessoas posando para fotos. No dia da visita, porém, o local foi isolado e teve acesso controlado pela equipe de segurança do presidente.

O advogado Jabs Paim Bandeira, idealizador da estátua e integrante do Comitê pela Vida e Liberdade, em foto no antigo terminal do aeroporto de Passo Fundo (RS) - Diogo Zanatta/UOL - Diogo Zanatta/UOL
O advogado Jabs Paim Bandeira, um dos idealizadores da estátua, em foto no antigo terminal do aeroporto de Passo Fundo (RS)
Imagem: Diogo Zanatta/UOL

Longe de casa

O Ministério da Infraestrutura, que responde pelo aeroporto onde se encontra agora a estátua, afirmou ao TAB que os responsáveis foram contatados e a obra seria retirada do local. Ela pode seguir agora a Erechim, a cerca de 80 km de Passo Fundo, segundo Dal'Maso.

"Nós vamos fazer essa estátua itinerante no Rio Grande do Sul, fazer ela passear, o pessoal que quiser, algum plano político, alguma coisa assim. Como ele [Bolsonaro] não pode estar presente, a estátua está, e com a bandeira do Brasil", afirma ele.

O advogado criminalista Jabs Paim Bandeira, 82, conta que eles avaliam ainda um plano de colocá-la na avenida principal, mas para isso teriam que encontrar um terreno privado e seguro.

"Têm aparecido diversas pessoas que querem colocar em terrenos, dentro da cidade. Nós queremos colocá-la na avenida, não conseguimos um lugar ainda. Ela tem que ser bem protegida, porque vão tentar destruí-la, vão botar bomba, por quê? Porque não deixaram entrar o Lula. Tem muita gente contrária nas redes sociais dizendo: 'como vão receber o Bolsonaro, se não deixaram entrar o Lula?'", diz ele.

Paim Bandeira conta que foi uma das pessoas na mobilização que impediu a entrada do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva na cidade, durante a caravana do petista pelo estado em 2018, antes de ser preso. Passo Fundo teve bloqueios nas estradas com tratores, fazendo Lula desistir da visita por questões de segurança.

Membro do Comitê Vida e Liberdade, aberto à sociedade e criado em 2021 em prol do uso de hidroxicloroquina e ivermectina durante a pandemia de covid-19, ele diz que o grupo é "defensor intransigente da democracia". Questionado se isso não seria uma contradição, ao impedir a entrada de um político do campo contrário na cidade, ele discorda. "Ladrão, não. Ele foi condenado por três instâncias."

O advogado convidou Bolsonaro para conhecer a estátua quando esteve com ele em 2021, em Brasília. Na sala de reuniões do escritório, em Passo Fundo, Jabs tem um porta-retrato com o registro do encontro. Ele, de máscara, mostra livros ao presidente.

Além da fama como advogado, Jabs foi fundador do grupo tradicionalista Cavaleiros do Mercosul, que faz cavalgadas, e idealizador da encenação da "Batalha do Pulador", que relembra o episódio sangrento da revolução federalista de 1893.

Jabs costumava encarnar o líder maragato, Gumercindo Saraiva. Membro da Academia de Letras local, ele diz que escreveu uma versão diferente da História para que "não ficasse monótona a batalha".

Tira blusa, tira sapato

Na visita de Bolsonaro, Jabs ficou em um setor reservado a convidados, em frente ao palco onde o presidente apareceu com a primeira-dama, Michelle, o vice, Hamilton Mourão (Republicanos), pré-candidato ao Senado pelo Rio Grande do Sul, e três pré-candidatos ao governo: o senador Luis Carlos Heinze (Progressistas), o ex-ministro Onyx Lorenzoni (PL) e o atual governador Ranolfo Vieira Jr. (PSDB), recém-empossado.

O discurso do governador quase não pode ser ouvido, em meio às vaias dos bolsonaristas. Ele começou dizendo que Bolsonaro seria sempre recebido com respeito, enquanto Bolsonaro e a primeira-dama erguiam crianças no colo - Eduardo Leite (PSDB), que deixou o governo na semana passada, já não encontrava o presidente em agendas oficiais.

A funcionária do aeroporto que foi hostilizada por usar vermelho, durante passagem de Jair Bolsonaro em Passo Fundo (RS), em 8 de abril - Diogo Zanatta/UOL - Diogo Zanatta/UOL
Funcionária do aeroporto foi hostilizada por usar vermelho
Imagem: Diogo Zanatta/UOL
Mulher hostilizada pelo público por estar usando vermelho, durante visita de Jair Bolsonaro em Passo Fundo (RS) - Diogo Zanatta/UOL - Diogo Zanatta/UOL
Imagem: Diogo Zanatta/UOL

Antes da chegada do presidente, a claque bolsonarista levantou gritos contra uma rádio local, a Uirapuru, que adotou o "fique em casa" e vaiou em peso uma funcionária do aeroporto que apareceu vestindo uma blusa vermelha.

Os gritos cessaram quando ela colocou um casaco preto mas recomeçaram logo depois, quando se deram conta da cor de seu sapato. "Tira o sapato! Tira o sapato", entoava o público.

No discurso, Bolsonaro reforçou a mensagem à base. Apoiou críticas à Globo, chamada de lixo pelo público - "me permitam discordar, lixo é reciclável" - disse ser contra o aborto, ressaltou a força do agronegócio na região, afirmando que não ocorreram invasões pelo MST (Movimento dos Trabalhadores Sem Terra) em seu governo e citando o número de licenças de armas a CACs (Colecionadores, Atiradores e Caçadores). "É o nosso maior Exército, o povo brasileiro", disse.

Enquanto falava sobre a obra do aeroporto, com custo de R$ 45 milhões, segundo o Ministério de Infraestrutura, uma apoiadora gritou "Sonhei contigo!". Em outro momento, durante uma fala sobre defesa da família brasileira, outra pediu "Bolsonaro, quero uma foto", e um homem,"Fecha o STF!".

Jair Bolsonaro recebe Antônio Ribas, que entregou ao presidente um retrato emoldurado feito por ele em lápis crayon, durante passagem do presidente por Passo Fundo (RS) - Alan Santos/PR - Alan Santos/PR
Bolsonaro recebe Jabs Paim Pereira (de chapéu) e Antônio Ribas, que entregou ao presidente um retrato em lápis crayon
Imagem: Alan Santos/PR

Outro integrante do Comitê Vida e Liberdade, o advogado Antônio Ribas entregou ao presidente um retrato emoldurado feito por ele em lápis crayon.
Sobre os indícios de corrupção envolvendo o nome do presidente, como o esquema das rachadinhas e a influência de pastores no Ministério da Educação, Jabs diz que tudo deve ser investigado e que ainda parecem "poucas coisas".

"Ele fala a língua do povo, simples, simplória, vai ali naquela cerquinha e fala com o povo. Além de ter feito coisas boas", diz o advogado.

"Com o Bolsonaro, vi a possibilidade de ver o Brasil do presente no Primeiro Mundo", diz Volnei Dal'Maso. Sobre a estátua, que agora deve procurar outro destino, diz que, como não tem como entregá-la ao presidente, deve permanecer no RS. "A saga continua", brinca.