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Matheus Pichonelli

OPINIÃO

Texto em que o autor apresenta e defende suas ideias e opiniões, a partir da interpretação de fatos e dados.

Caos no DF: difícil não é saber quando começou, mas sim quando vai terminar

Radicais apoiadores de Jair Bolsonaro provocaram caos em Brasília na tarde de domingo (8) - Divulgação/Agência Brasil
Radicais apoiadores de Jair Bolsonaro provocaram caos em Brasília na tarde de domingo (8) Imagem: Divulgação/Agência Brasil

Colunista do UOL

09/01/2023 09h55

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As cenas de violência e vandalismo protagonizadas por radicais bolsonaristas em Brasília no domingo (8), dois anos e dois dias após a invasão do Capitólio, nos EUA, não são resultado de um surto, um descontrole ou de descuido.

"Cão que ladra não morde", costumam dizer os antigos, talvez mais por força de um pensamento desejoso que por base empírica.

Os extremistas acampados em Brasília latem há muito tempo e já deram mais de uma demonstração de que sabem morder. Eles também possuem obediência canina a seus tutores e os apitos de cachorro disparados desde o último fim de semana são muitos.

Milhares deles atravessaram sem resistência a entrada das sedes dos Três Poderes, e as promessas de restabelecimento da ordem foram anunciadas em medidas diversas.

O governo federal decretou intervenção na segurança pública no Distrito Federal.

Alexandre de Moraes, ministro do Supremo Tribunal Federal, afastou o governador Ibaneis Rocha por 90 dias.

E Rocha, pouco antes, havia afastado seu secretário de Segurança, que estava em viagem aos EUA quando a bomba explodiu. Lá estava também Jair Bolsonaro, a quem Anderson Torres servia oficialmente até duas semanas atrás.

Não, os radicais não estão fora de si, a situação não saiu do controle e os prédios não foram invadidos por falta de aviso. Tudo segue bem calculado, controlado e protegido, mesmo com as prisões de peixes pequenos capturados em uma rede que não alcança os pontos de tensão para além da capital.

Esses extremistas e seus protetores não aceitam o rótulo de antidemocráticos porque, em suas cabeças alimentadas por paranoia e desinformação, já vivem numa ditadura. É isso o que diz gente perversa e despreparada como Monark e companhia, toda vez que um integrante do Judiciário precisa tomar alguma medida para conter a escalada anunciada, impondo medidas contra quem corrói a confiança na democracia, estimulando a violência e difundindo mentiras sobre urnas eletrônicas e um certo "ativismo judicial".

O espírito que move os radicais é o mesmo de homens-bomba antes da explosão: eles estão convencidos da nobreza de sua causa, guiada por uma filiação divina e armada. O bolsonarismo encarna as duas coisas.

Não adianta mostrar a imagem dos destroços para quem não reconhece o risco de querer "purificar" o país, destruindo-o. Os ditadores do século 20 fizeram o mesmo, embora os herdeiros do pensamento nazifascista rejeitem o rótulo.

Para a turma, a invasão é uma resposta a uma onda de ilegalidades que permitiu ao presidente Lula (PT) deixar a prisão e se candidatar. Aqui reside o primeiro impasse para quem jura querer restabelecer a ordem promovendo quebra-quebra por onde passa, seja no santuário de Aparecida, seja na Praça dos Três Poderes.

É preciso ser muito otimista para imaginar que as medidas tomadas já na noite de domingo pelo novo governo e por Alexandre de Moraes serão capazes de convencer a turba a recuar. Elas têm para onde correr e não se concentram apenas nas franjas da capital. Mobilizam-se em postos estratégicos de estados hoje governados por bolsonaristas e já miram a saída de refinarias para provocar uma crise de abastecimento no país.

Qualquer medida de força é um teste em diversos aspectos. Elas esbarram na insubmissão de parte do comando, tanto das polícias estaduais, das federais e das Forças Armadas. E se infiltra na base da corporação.

O bolsonarismo deu aos militares proteção contra as tesouras da reforma da Previdência, empregou milhares deles na administração pública, fez explodir o contracheque de alguns generais. Errou rude quem apostou que a derrota de Bolsonaro nas urnas seria aceita sem esperneio — terceirizado pela massa de manobra convicta de que o inimigo é o comunismo.

O bolsonarismo também deu assento de destaque a pastores e religiosos radicalizados no coração da administração.

E uma garantia de que a expansão dos planos da ala mais brucutu do agronegócio não esbarraria em terras demarcadas, fiscais ambientais ou direitos indígenas.

Lula subiu a rampa com o cacique Raoni, de 90 anos, em sua cerimônia de posse no dia 1º de janeiro.

O que, aos olhos de uma parte do país, foi lido como um aceno a um Brasil inclusivo para todos, a outros soou como uma declaração de guerra.

O governo recém-empossado está emparedado.

Os sinais de insubmissão estão por todos os lados: na troca de comando das Forças Armadas à negativa do antecessor, que ainda se declara presidente em suas redes, em passar a faixa.

A alardeada desmobilização dos acampamentos na capital, na semana passada, não era o começo do fim de um circo que saía de cena e deixava o país fadado a navegar, pelos próximos anos, pelas águas da normalidade, sem as cortinas de fumaça produzidas diariamente pelo bolsonarismo, como alguns — este autor, inclusive — chegaram a projetar.

A saída de cena era só performance; um drible nas atenções guardadas para o dia 1º.

Pós-Bolsonaro, o estado de tensão e o espírito golpista se reproduzem agora sem precisar passar por gabinetes oficiais.

Bolsonaro sai de cena; os riscos que ele sempre representou à democracia, não.

O ex-presidente e seu pendor à psicopatia envenenaram o tecido social e legaram aos sucessores um país dividido, conflagrado, armado até os dentes e, agora, sitiado.

Todo mundo — do parlamentar que teve o gabinete destruído ao jornalista da cidadezinha do interior —, acordou nesta segunda-feira com um alvo na testa.

Dizer que Bolsonaro e o núcleo mais próximo precisam ser responsabilizados por tudo o que incitaram e colheram em forma de destruição é insuficiente. O nó está em outro lugar: quem vai cumprir a ordem se quem tem as armas não quer a paz?

Vendo tudo agora em perspectiva, não é difícil dizer como tudo começou. Difícil é dizer como vai terminar.