Gangue chinesa: metanfetamina em apto de luxo muda atuação policial em SP
O Denarc (Departamento Estadual de Prevenção e Repressão ao Narcotráfico) de São Paulo trata como "um marco" a apreensão de 1,9 kg de metanfetamina em um apartamento de luxo de São Paulo, em julho, segundo o delegado da Polícia Civil Carlos Castiglioni.
A quantidade é quase a soma do que foi encontrado pelo órgão em todo o estado em 2023, quando foram apreendidos 2 kg.
A droga estava em um apartamento na Aclimação, região central da capital, em formato de cristais que podem ser liquefeitos ou esmagados para virar pó e serem consumidos.
Seis pessoas foram presas na operação — quatro homens chineses e duas mulheres brasileiras.
A apreensão é simbólica. É a primeira vez que uma ação do tipo desencadeia uma investigação mais aprofundada sobre a droga pelo estado.
Entre o grupo preso, há nomes envolvidos em apreensões anteriores. Para o Denarc, o caso está ligado a um esquema de tráfico internacional de metanfetamina.
Autoridades policiais já mapearam a circulação da droga em São Paulo em ações envolvendo mexicanos, chineses e redes de prostituição.
Diferentemente do Brasil, os EUA vivem uma crise de metanfetamina há décadas, mas o aumento no volume de apreensões por aqui tem feito soar o alerta de autoridades.
"Agora já há uma rotina", afirma Castiglioni.
Dois quilos podem parecer pouco frente às 31 toneladas de maconha e sete de cocaína apreendidas pelo Denarc em 2023.
Mas 1 g de metanfetamina (R$ 150) custa ao menos cinco vezes o valor de 1 g de cocaína.
A estimativa é que a droga apreendida na Aclimação valha, no mínimo, R$ 300 mil.
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Quero receberPorta blindada
Acostumados ao movimento calmo do bairro, vizinhos reclamavam do entra e sai no apartamento da Aclimação.
O imóvel, com mais de 110 m², estava alugado havia três meses — um apartamento no mesmo prédio chega a custar mais de R$ 2,5 milhões.
Em 90 dias, a portaria registrou 2.117 visitas ao apartamento onde a droga foi apreendida.
O dono de um bar a poucos metros do local contou ao UOL que era comum "ver chineses parando carrões" na rua e entrando no prédio.
Mas foi a denúncia de um imigrante chinês, em maio, que levou a polícia ao apartamento.
O homem afirmou ter sido enganado e forçado a trabalhar para o grupo.
Segundo o relato, o homem veio morar no Brasil atraído por uma oferta de emprego em uma empresa de conterrâneos.
Ao chegar a São Paulo, porém, descobriu que seria obrigado a participar de um esquema de entrega de metanfetamina em domicílio.
A polícia passou então a acompanhar a movimentação atípica na vizinhança e, em julho, agiu.
A operação começou perto das 16h. Os suspeitos se recusaram a abrir a porta, mesmo com mandado de busca e apreensão.
Em 20 minutos, a polícia quebrou as extremidades da parede e retirou a porta blindada para entrar.
Na cozinha foram encontrados tubos de ensaio, cachimbos de vidro e balanças de precisão.
Parte da metanfetamina estava triturada e guardada em um pacote de plástico. Outra parte, uma pedra maior, ainda seria fragmentada.
Agentes da Polícia Civil apreenderam cartões de crédito, dinheiro e uma Mercedes-Benz 2011. Também foi encontrada droga no carro.
Os chineses presos são os irmãos Lin Xiaozhe, 53, e Zhi Lin, 50, além de Wu Chang Hui, 38, e Pikang Dong, 68. Um dos homens chegou ao local enquanto ocorria a operação.
As brasileiras presas são Joyce de Oliveira, 26, e Giordanna Silva, 24. Todos respondem por tráfico de drogas e associação ao tráfico.
Chineses e brasileiros
O UOL apurou que Lin Xiaozhe, conhecido como Bruce, vinha sendo monitorado pela Polícia Civil havia pelo menos dois anos.
Em três processos judiciais aos quais a reportagem teve acesso, ele foi relacionado ao comércio de drogas sintéticas no centro de São Paulo.
Em 2020, dois garotos de programa presos na avenida 9 de Julho disseram que Lin era o fornecedor da metanfetamina que vendiam.
Em 2022, a polícia chegou a ir à casa dele, no bairro da Consolação, com mandado de busca e apreensão, mas não o encontrou.
"É comum mudarem de endereço constantemente", explica o delegado Fernando Santiago, delegado da 4ª Dise (Delegacia de Investigações Sobre Entorpecentes) de São Paulo, responsável pela ação, nos dias seguintes à apreensão.
Zhi Lin e Giordanna Silva também já foram autuados antes por porte de drogas.
Em agosto de 2023, agentes da Polícia Rodoviária Federal encontraram crack, heroína e metanfetamina no carro onde os dois estavam, em Lavrinhas (SP).
De líquido a cristal
Todos os chineses falam português, mas ficaram calados na audiência de custódia, diz o delegado do caso.
As duas brasileiras conseguiram autorização na Justiça para cumprir prisão domiciliar, pois têm filhos pequenos.
Joyce de Oliveira havia dado à luz dez dias antes, dentro do próprio apartamento da Aclimação.
Segundo seu advogado, o filho é fruto de um relacionamento com Lin Xiaozhe.
O advogado das mulheres afirma que elas são viciadas em metanfetamina, mas nega envolvimento delas com o tráfico.
Procurada pelo UOL, a defesa dos quatro chineses disse que só vai se manifestar nos autos do processo.
Consumo crescente no país
O crescimento das apreensões de metanfetamina pela Polícia Civil paulista não é isolado.
No Aeroporto Internacional de Guarulhos, o maior do país, os casos começaram a ser registrados pela Polícia Federal em 2013. Naquela época, as apreensões eram raras, e quase sempre de comprimidos.
A partir de 2020, a PF passou a registrar a droga por peso, chegando em pó e cristais. Desde então, o recorde de apreensões foi registrado em 2023 (quase 74 kg).
Esse número deve ser ultrapassado em 2024 porque, até julho, o total já havia passado de 52 kg.
"É uma droga que atende mais ao mercado interno", explica o delegado Rodrigo Weber de Jesus, chefe da PF no Aeroporto de Guarulhos.
Segundo ele, a rota da metanfetamina que entra no país geralmente tem origem na América do Norte, principalmente no México.
"Normalmente [o traficante preso] é um jovem que viaja sozinho, dentro dessa rota. É o que a gente acaba tendo como perfil mais comum desse tipo de concorrência", conta Jesus.
O entorpecente geralmente é encontrado no meio da bagagem, armazenado em pacotes.
Descoberta
A metanfetamina é uma substância de origem sintética surgida no Japão a partir da efedrina, presente na planta do gênero Ephedra.
Mais comum nos EUA, ela se popularizou com a série norte-americana "Breaking Bad", cujo protagonista, um professor de química com câncer, começa a fabricar a droga em um laboratório adaptado em um trailer.
A "meta" age no sistema nervoso central e provoca aumento da frequência cardíaca e da pressão arterial, causando euforia e alucinações.
"São efeitos mais potentes, intensos e duradouros que os da cocaína", explica Pablo Marinho, da Sociedade Brasileira de Toxicologia e professor do Centro Universitário UNA, em Minas Gerais.
Mais recentemente, seu uso passou a ser relacionado à prática do "chemsex" (na tradução livre, "sexo químico"), por causa da excitação extrema que provoca.
Ela costuma ser vendida por garotos e garotas de programa e em aplicativos de encontros e sexo. O preço varia entre R$ 150 e R$ 300 o grama.
O consumo é via oral, nasal ou intravenosa (via seringa). A versão injetável "causa efeito imediato e dependência", explica Marinho.
Apesar da popularização, a "tina" ou "crystal" — como é conhecida entre usuários — demorou a entrar no radar da Polícia Civil de São Paulo, focada no tráfico internacional de maconha e cocaína.
"Percebemos um tráfico requintado, mais centralizado, e um público consumidor mais elitista", afirma o delegado Carlos Castiglioni.
"A cocaína, por exemplo, apreendemos na estrada, em 'casas-bomba', as centrais de abastecimento das biqueiras. A metanfetamina não está nesses lugares."
Enquanto as apreensões crescem ano a ano, crescem também nas redes sociais relatos de dependência e alucinações causadas pela droga.
Segundo Pablo Marinho, o uso frequente pode causar quadros de psicose, ideações suicidas e infarto.
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