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Matheus Pichonelli

OPINIÃO

Texto em que o autor apresenta e defende suas ideias e opiniões, a partir da interpretação de fatos e dados.

Megajazida de potássio no Amazonas testa pacto do governo com indígenas

Hotel localizado em Autazes, onde foi descoberta mega jazida de potássio - Divulgação
Hotel localizado em Autazes, onde foi descoberta mega jazida de potássio Imagem: Divulgação

Colunista do UOL

07/02/2023 04h01

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Resultado direto do impacto da mineração em áreas que deveriam ser preservadas, a situação dos povos yanomamis, escancarada após a visita de uma comitiva do governo Lula a Roraima, logo no início de seu terceiro mandato, se tornou emblema e alerta sobre consequências de um modelo predatório de exploração de riquezas.

Entre o ouro, um ícone da ostentação e da ganância, e a dignidade de comunidades indígenas, doentes e desnutridas em razão da destruição de matas e da contaminação de solo e rios causada pelo mercúrio, não é difícil definir quem são os algozes e quem são as vítimas — entre elas, garimpeiros iludidos com a promessa de riqueza fácil, expostos aos mesmos dejetos e que operam quase sempre em situação análoga à escravidão.

Uma das promessas de campanha do agora presidente Lula é mostrar à comunidade internacional a capacidade do Brasil de produzir riquezas sem gerar destruição, mantendo de pé as florestas responsáveis por equilibrar o clima e o regime de chuva das áreas agricultáveis.

Essa dualidade fica um tanto mais cinzenta quando, a mais ou menos 750 km dali, em uma região de densa floresta próxima ao rio Madeira em Autazes, município do interior do Amazonas, indígenas igualmente vulneráveis da etnia mura entram na rota da exploração — dessa vez visando uma grande mina de potássio, minério essencial para produção de fertilizantes da agricultura. A megajazida atravessa a Terra Indígena Soares/Urucurituba.

O Brasil é um dos maiores importadores do minério, cuja produção e distribuição têm sido afetadas pelo conflito entre Ucrânia e Rússia, de onde vem boa parte das encomendas.

Uma reportagem publicada no domingo (5) pelo jornal O Globo detalhou a situação delicada que envolve questões como direitos indígenas, meio ambiente e negócios a partir de Autazes.

A jazida encontrada por lá tem potencial de gerar 2,2 milhões de toneladas de potássio por ano. É uma espécie de camada do pré-sal para o agronegócio a ser explorada no coração da Amazônia e que, segundo seus defensores, pode gerar cerca de 4.000 empregos diretos ou indiretos.

A bomba, que até então tinha despertado pouca atenção no noticiário, com exceção de veículos como Amazônia Real, está no colo do governo Lula, que terá de lidar em breve com um conflito aberto entre os ministros Carlos Fávaro, da Agricultura, e Marina Silva, do Meio Ambiente.

Reconhecida internacionalmente, a ex-senadora é a fiadora das promessas de Lula na área ambiental. Ela deixou o governo petista após embates entre sua ala e a ala desenvolvimentista, e só se reaproximou do presidente durante a última campanha, quando o inimigo a ser combatido era Jair Bolsonaro (PL) e sua política de desmonte ambiental.

Escolhido como interlocutor entre a gestão petista e o agronegócio, Fávaro é um defensor da exploração do minério no Amazonas, e que tem a empresa Potássio Brasil como principal interessada.

Ao Globo, o ministro defendeu o uso de tecnologias modernas para reduzir os riscos às populações indígenas que vivem a menos de 10 km da jazida. Tudo, segundo ele, em prol da "soberania nacional" — e dos produtores que hoje desembolsam anualmente cerca de R$ 72 bilhões para acessar o minério que vem de fora.

Acontece que os impactos do empreendimento, com deslocamento populacional e efeitos sobre o ecossistema hídrico, serão inevitáveis caso a empresa consiga a licença de operação.

Com um pé lá e outro cá, o novo ministro da Agricultura definiu como prioridade a transformação de áreas de pastagens degradadas do país em lavouras, o que demandaria toneladas do fertilizante a ser explorado — mais precisamente, segundo disse à reportagem, 42 milhões de toneladas ao ano, com custo estimado em R$ 109 bilhões para sanear as áreas desmatadas no país caso seja necessário seguir importando o produto.

Falta combinar com os técnicos do Meio Ambiente.

Durante o governo Bolsonaro, os órgãos federais que deveriam avaliar o impacto da atividade terceirizaram o licenciamento ao governo do Amazonas. Era uma forma de acelerar o processo de licenciamento.

A Justiça Federal do Amazonas, porém, determinou que a prospecção só deve avançar após entidades como Ibama e Funai se pronunciarem.

O imbróglio remete aos tempos em que os governos do PT colocaram para andar o projeto de construção da Usina de Belo Monte, um foco de conflito entre o partido e defensores do meio ambiente. Marina Silva, inclusive.

Dessa vez o governo tem uma ministra dos Povos Indígenas à frente das discussões. Sônia Guajajara defende que as comunidades sejam ouvidas para início da conversa.

Em outubro de 2022, Lula foi eleito com margem estreita de votos e oposição ferrenha de setores do agronegócio, que veem em suas promessas para o meio ambiente uma trava para a expansão de seus negócios.

Os setores que hoje mais demandam fertilizantes, ainda segundo O Globo, estão ligados à produção de soja, atividade-chave nos estados do centro-oeste onde Bolsonaro mais recebeu votos.

Em seu início de governo, Lula peitou os garimpeiros de Roraima, onde as atividades ilegais ou criminosamente autorizadas estão sendo asfixiadas com controle do espaço aéreo e operações policiais.

Parte dos exploradores hoje pede socorro para deixar a Terra Indígena Yanomami, num sinal de que estão prestes a perder a queda de braço.

O próximo embate tem tudo para ser mais sensível e explosivo.