Topo

Como neurociência e gadgets podem moldar nossa personalidade no futuro

Avanço da neurociência pode definir uma nova relação com o cérebro: pensamento positivo e até ajustes de personalidade - iStock
Avanço da neurociência pode definir uma nova relação com o cérebro: pensamento positivo e até ajustes de personalidade Imagem: iStock

Luiza Pollo

Agência Eder Content, colaboração para o TAB, no Rio

27/04/2019 07h01

Imagine a seguinte cena: você sai de casa atrasado ou atrasada para o trabalho. Corre até o ponto de ônibus ou a estação de metrô, mas perde o transporte por questão de segundos. Pode ser que você sinta raiva, irritação, ansiedade.

Agora imagine que, nos seus fones de ouvido, uma voz calma te ajude a lembrar que esses sentimentos não vão adiantar nada. Que o jeito é mandar uma mensagem para o chefe, esperar o próximo ônibus ou pedir um táxi. Você se acalma um pouco, segue seu dia. Quem sabe até evite um desentendimento com alguém.

Neurocientistas já vislumbram um futuro em que algo assim vai ser possível. Gadgets conectados ao nosso corpo e ao cérebro serão capazes de identificar situações problemáticas e ajudar a moldar uma resposta mais positiva, tanto em casos corriqueiros, como o descrito acima, até comportamentos mais extremos ou perigosos, como o uso de drogas.

Por enquanto, uma das grandes barreiras para que essa tecnologia seja aplicada é o conhecimento limitado sobre nosso sistema neurológico. O cérebro humano ainda é uma área bastante cinzenta, e não estamos falando apenas da cor. Não à toa, palestras sobre esse órgão estão distribuídas ao longo da intensa programação do Rio2C, conferência de criatividade que vai até domingo (28) na Cidade das Artes, no Rio de Janeiro.

Apesar dos enormes avanços da neurociência, ainda há muito a descobrir, principalmente em temas como personalidade e caráter. Até que ponto essas questões são neurobiológicas? Quanto o ambiente e a criação interferem nisso? Cientistas como Jorge Moll, diretor da unidade de Neurociência Cognitiva e Neuroinformática do Instituto D'Or, investigam o tema para compreender - e quem sabe ajudar a melhorar - o comportamento humano.

Moll foi entrevistado pelo jornalista Marcelo Leite, da "Folha de S.Paulo", no painel "O cérebro moral e o altruísmo humano" no Rio2C, e também falou ao TAB na sequência.

Jorge Moll, diretor da unidade de Neurociência Cognitiva e Neuroinformática, durante palestra no Rio2C - Cacalos Garrastazu/edercontent - Cacalos Garrastazu/edercontent
Jorge Moll, diretor da unidade de Neurociência Cognitiva e Neuroinformática, durante palestra no Rio2C
Imagem: Cacalos Garrastazu/edercontent

Social x biológico

É certo que o homem não nasceu um ser puramente moral. “Isso é produto da evolução de milhões de anos”, observa Moll, que investigou as bases neurofisiológicas da empatia e do altruísmo na nossa espécie. Muitos de nossos instintos são egoístas, mas com as ferramentas certas, ele acredita que, no futuro, poderemos atenuar comportamentos individuais prejudiciais à sociedade.

Primeiro é preciso identificar de onde vem a "falta de caráter". "Pode ser uma doença mais extrema, um distúrbio neurológico bem caracterizado, com diagnóstico. Ali você tem certas tentativas de cura, apesar de ainda ser muito difícil mexer na personalidade", explica. "E por outro lado tem a zona cinzenta para outros distúrbios de caráter. Aqui você tem uma flexibilidade enorme. Você pode pegar uma pessoa completamente normal, como eu e você, e se colocar em um ambiente completamente desestruturado, violento, os valores podem ser moldados, repaginados de alguma forma." Não que seja possível "curar" um psicopata ao colocá-lo em um ambiente bacana, diz Moll. Mas já há cientistas trabalhando para mudar comportamentos violentos e agressivos, por exemplo.

Casal se beija usando o sensor neural Open BCI, o mais usado em ações de neurohacking - Lucas Lima/UOL - Lucas Lima/UOL
Casal se beija usando o sensor neural Open BCI, o mais usado em ações de neurohacking
Imagem: Lucas Lima/UOL

Neurotecnologia

"Ainda não sabemos o shape que a tecnologia vai ter, mas pode ser que tenha wearables que possam detectar se você começa a ficar nervoso, agressivo, e pode te sinalizar: respira fundo, pensa bem", antecipa o neurocientista. No futuro, com muita gente usando esses gadgets, pode ser possível até se conectar em rede, imagina ele. "Digamos que a pessoa está numa situação e voltou a usar drogas, por exemplo. Aí um detector sinaliza que o comportamento está indo naquela direção e pode acionar um grupo de apoio que vai entrar em contato com ele imediatamente."

Por enquanto, essas tecnologias ficam no campo das possibilidades. Mas o fato é que neurocientistas e especialistas em tecnologia já começaram a estudar essas questões. "Nesses últimos 20 ou 30 anos houve uma explosão no conhecimento científico que diz que o cérebro é muito plástico", diz Moll. Para ele, a fórmula ideal é juntar as descobertas científicas recentes com o espírito empreendedor de alguns pesquisadores e o investimento público e privado na área. "Essa junção entre mente empreendedora e científica com evidências sólidas é uma combinação mágica", afirma.