Com relíquias e histórias de Roberto Carlos, superfã faz amigos pelo mundo
Assim como canta Chico Buarque, todo dia a mãe de Rosemeire fazia tudo sempre igual. Acordava às 6h da manhã, ligava um pequeno aparelho de som — foi presente de um dos filhos —, e colocava para tocar uma fita cassete do Roberto Carlos enquanto começava os afazeres domésticos. A música que ficou na memória de Rosemeire foi "A Montanha", de 1972, parte de uma fase mais gospel do rei. Acordar todos os dias com a voz de Roberto Carlos ecoando pela casa mudou sua vida.
Na adolescência, aos 15 anos, Rosemeire começou a namorar Marcelo Barbosa. O primeiro (e único) amor também foi embalado por aquelas canções do Roberto. O rei estava na vida dos apaixonados. O namoro virou um casamento, e o relacionamento já dura 42 anos. Na festa, em 1981, tocaram várias românticas do rei. Com seu primeiro salário, Rosemeire deu o disco "As Baleias" para a mãe, com quem assistia o show especial do Roberto Carlos todo fim do ano e com quem dividia a expectativa pelo novo álbum, evento também anual.
Mais do que um ídolo, Rosemeire Barbosa se emociona ao definir Roberto Carlos como uma "referência política, religiosa e cultural" em sua vida. Para ela, ele é um artista completo. Na próxima segunda-feira (19), Roberto Carlos completa 80 anos de vida, e já conta com mais de 60 de carreira. Há pelo 55 de seus 58 anos, Rosemeire se considera fã de Roberto, já que ele fez parte de seu cotidiano, da história pais, dos irmãos e dos primos desde meados dos anos 1960. "Tudo era sobre o Roberto, sobre o calhambeque, era o assunto preferido da família", recorda em conversa com o TAB por telefone. Seu próprio nome, Rosemeire, é inspirado na cantora Rosemary, que fez sucesso nos tempos da Jovem Guarda, assim como Roberto Carlos. A família toda era fã da Jovem Guarda.
Suspirando, Rosemeire afirma ser impossível eleger apenas uma música do rei para ser sua favorita. "Não dá pra escolher", já avisa. Roberto esteve presente em momentos de alegria, de amor, mas também de dor em sua vida. Professora do ensino fundamental na rede municipal de Piracicaba, interior de São Paulo, ela sofreu um trauma na escola onde trabalhava.
Desde 2007, a professora trabalhava as músicas de seu ídolo em aula com os estudantes. Com o projeto "Roberto Carlos: O mensageiro da paz", buscava semear coisas boas entre os alunos, já que muitos apresentavam comportamentos hostis e até agressivos. Os pequenos tinham a missão de pesquisar sobre a vida e obra do cantor — que estava perto de completar 50 anos de carreira — e montar apresentações das músicas de que gostavam, como "Amigo" e "Eu quero apenas", sobre a importância da amizade.
Em 2013, a violência que Rosemeire tanto tentava combater com ajuda do rei entrou na escola. Um jovem fez professora e alunos de reféns. "Protegi muito as crianças, mas ali desenvolvi síndrome do pânico e depressão", conta. As crises se tornaram constantes e ela foi afastada das salas de aula por dois anos. Dentro da prefeitura, foi realocada para trabalhar na equipe pedagógica do Museu Prudente de Moraes, onde atua até hoje.
Triste e azul
Durante a licença médica, ouvia muito Roberto Carlos. Ficava horas e horas sentada em seu pequeno Estúdio Azul, um cômodo de sua casa onde até a luz é da cor favorita de Roberto Carlos. O espaço é completamente dedicado a souvenirs do cantor. Seu hobby é bater perna por sebos atrás de tesouros relacionados a ele. Rosemeire gosta de ficar ali ouvindo as canções, cantando junto e lendo sobre a vida do ídolo. "Lendo não, estudando!", diz ela. Ela sabe tudo sobre o rei, apesar de nunca ter trocado palavras com ele. "Mas ele sabe que eu existo". garante. "Eu sonho com ele, converso muito com ele em sonhos", conta. Além do inconsciente, Rosemeire também carrega a imagem do ídolo nas pontas dos dedos.
Em sala de aula, uma de suas alunas do projeto que envolvia músicas do cantor comentou que viu uma moça na televisão, no programa dominical da atriz Regina Casé, com as unhas decoradas com fotos do Roberto Carlos, e perguntou se a professora saberia fazer igual. Rosemeire arregaçou as mangas, foi atrás de confeccionar adesivos de unha decorados e levou para a turma, que se divertiu com a sessão de manicure. Durante o período que ficou afastada da escola, retomou a produção e passou a enviar pelo correio, gratuitamente, em envelopes azuis, os adesivos para outras fãs — que também podem ser colados em acessórios, como medalhas ou brincos. Os itens fazem parte do look que ela usa a cada show que assiste do Roberto Carlos.
Rosemeire já pôde ver Roberto ao vivo e a cores quatro vezes, em quatro apresentações pelo estado de São Paulo. A professora lamenta não ter condições de viajar mais para admirar o ídolo e nem poder fazer o cruzeiro "Emoções em Alto Mar", que acontece desde 2005. Por causa da pandemia, o cruzeiro e a sequência de shows pelo Brasil foram adiados. A professora aguarda com ansiedade os shows de Ribeirão Preto e Campinas serem remarcados para ir com os amigos. "Sempre vamos na expectativa de conseguir chegar ao camarim", afirma. "Já viu fã não perturbar?", brinca. Sempre ao final das apresentações, ela corre atrás da equipe de assistência de palco para pedir uma visita aos aposentos do rei.
Um milhão de amigos
Rosemeire é moderadora de muitos grupos e páginas dedicados a Roberto. Seu hobby é Roberto Carlos, ponto. Enquanto ensinava seus pequenos alunos a cantar sobre a vontade de ter um milhão de amigos, mal imaginava que ela mesma poderia fazer dezenas de amigos espalhados pelo Brasil e pelo mundo graças ao RC — e com um empurrãozinho das redes sociais. Hoje, ela tem amigos que também são fãs do rei espalhados pelo globo.
Em uma de suas páginas no Facebook, Rosemeire costuma fazer lives para conversar sobre a vida e obra do cantor com outros fãs, com quem também troca cartas e presentes pelo correio. Durante a pandemia, mandou fazer uma máscara de tecido com uma foto do Roberto Carlos para uma amiga que mora na França, de quem ganhou um LP com músicas do rei em francês.
Foi também pelo Facebook que Rosemeire conheceu a aposentada Marlene Bueno Queiroz, 71. Marlene deu à professora um presente muito especial, de fã para fã. Desde os 15 anos, ela colecionava itens do Roberto Carlos. Revistas, CDs, LPs, livros, canecas e até uma edição especial de latas de panetones da Nestlé com a foto do cantor — raridades que não se encontram mais.
"Depois que você passa dos 'enta', você se pergunta quem vai ficar com isso tudo", reflete Marlene, em entrevista ao TAB. Para as crianças da família, sempre cantou "Como é grande o meu amor por você" para niná-las, mas, mesmo assim, os filhos, noras e netos não cultivaram a mesma paixão dela pelo rei. Lixo para uns, luxo para outros, foi assim que Rosemeire se tornou herdeira de Marlene. A paixão por Roberto Carlos as aproximou e elas viraram boas amigas.
Tantas emoções
Entre os itens especiais, também está um pingente de calhambeque banhado a ouro, que Marlene comprou quando tinha 18 anos. "Quando você começa a trabalhar, fica mais vaidosa, então comecei a comprar coisas pra mim, uma delas foi esse pingente", relembra. "Usei muito [o pingente], mas fazia muito tempo que estava guardado, eu ia jogar fora, mas decidi dar para a Rosemeire", conta. A professora de Piracicaba tem intenção de dar o pingente para o ídolo um dia, como forma de agradecimento pelas amizades que fez graças a ele.
Marlene e Rosemeire se conheceram pela internet, mas já foram a um show do Roberto juntas, em 2019, com a intenção de presentear o cantor com o tal do pingente. Não conseguiram se aproximar da estrela, mas cultivam a amizade. Conversam com frequência por telefone e pela rede social. Marlene já foi a mais de 30 shows do rei, a maior parte das vezes foi sozinha. "É uma emoção única, fico viajando no tempo", relata. O show mais marcante que assistiu foi o especial de fim de ano gravado no Theatro Municipal de São Paulo em 1993. Mesmo assim, nunca conseguiu pegar uma rosa beijada pelos lábios do rei.
Num show em 2017, Rosemeire foi uma dessas fãs sortudas. "Foi o show mais lindo da minha vida", suspira. A hora das flores é a que costuma gerar empurra-empurra entre o público, quase como um bate-cabeça típico entre os metaleiros, mas com uma trilha sonora mais suave e um público mais maduro. Quando Roberto entregou a rosa a Rosemeire, ela deu a ele uma medalha que usava no pescoço. Rosemeire carregava o ídolo no peito mesmo: a medalhinha tinha uma foto do rosto do cantor. A professora garante que ele a agradeceu apenas com o olhar. "Às vezes, os olhares expressam mais do que palavras", filosofa.
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