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Casal decide adotar 5 crianças de uma vez durante a pandemia, em SP

O casal Cláudia Fernandez e Bárbara Sampaio com os cinco filhos e Maria das Graças Ramos, que trabalha na casa da família, em SP - Pryscilla K./UOL
O casal Cláudia Fernandez e Bárbara Sampaio com os cinco filhos e Maria das Graças Ramos, que trabalha na casa da família, em SP
Imagem: Pryscilla K./UOL

Isabela Mena

Colaboração para o TAB, de São Paulo

13/09/2021 04h00

Em setembro de 2019, decididas a aumentar a família com duas (no máximo três) crianças, o casal de paulistanas Bárbara Sampaio, 53, e Cláudia Fernandez, 54, entrou na fila do Cadastro Nacional de Adoção. O processo começou a andar como de praxe: curso preparatório (que explica os prós e contras da adoção), entrega de documentação legal, entrevistas com psicóloga, assistente social, juiz. E tempo de espera.

Cláudia começou a pesquisar as redes sociais de órgãos oficiais de adoção e era ainda novembro quando se deparou com uma foto publicada no perfil do CEJA (Comissão Estadual Judiciária de Adoção) de Pernambuco. Nela estavam Maria Clara, Samuel, Maria Eduarda, Pablo e João, cinco irmãos com idades entre cinco e 12 anos, da cidade sertaneja de Serra Talhada. Quando viu a imagem, Bárbara também ficou magnetizada pelas crianças.

Passaram-se alguns dias e elas não conseguiam parar de pensar nos cinco irmãos. Decidiram enviar um e-mail para a comissão. "Não achei que fossem nos responder porque ainda não estávamos habilitadas para adoção, nosso processo estava em andamento", conta Bárbara. "Mas em duas horas eu recebi a resposta com o número de telefone da Vara da Infância em que os processos das crianças estavam", lembra.

Elas ligaram. E, depois da primeira, seguiram-se diversas outras ligações e conversas que envolveram entrevistas com os responsáveis pelo caso no abrigo que acolhia os irmãos. Passados 20 dias, o juiz do caso autorizou que tivessem o primeiro contato com as crianças.

A Maria Clara, Samuel, Maria Eduarda, Pablo e João foram mostradas fotos de Bárbara e Cláudia e explicado que era um casal composto por duas mulheres. "Eles disseram que não tinha problema, que estavam ansiosos para ver as mães", diz Bárbara. "No dia da ligação, assim que o vídeo abriu, eles já nos chamaram assim, 'as mães'", conta, emocionada.

Da imersão ao improviso

Corria o mês de dezembro e as videochamadas aconteciam diariamente. No fim de semana anterior ao Natal, com uma segunda permissão do juiz, Bárbara e Cláudia viajaram a Serra Talhada para o primeiro encontro pessoal com os cinco irmãos. "Foi emocionante, eles estavam eufóricos", relatam.

No encontro seguinte, em março de 2020, o casal já tinha em mãos o termo de guarda provisória das crianças e desta vez viajaram apenas para buscá-las. Teria início o chamado estágio de convivência, um período de adaptação que permite o desfazimento da adoção, caso seja necessário.

Na prática, funciona como um teste e o delas foi de fogo: na pandemia, em meio ao decreto estadual da quarentena. Não haveria passeios ou visitas a familiares e as escolas já estavam fechadas, assim como ficaram elas e as cinco crianças, durante 90 dias, no apartamento de 110 m² da nova família, em São Paulo.

"Além do fato de que éramos dois grupos de estranhos convivendo apenas entre si, com muita intensidade, o histórico de sucessivos abandonos pela mãe biológica os levava, algumas vezes, a ter comportamentos distantes, até arredios", lembra Bárbara, sem romantizar o início tenso da convivência.

O casal Cláudia Fernandez e Bárbara Sampaio com os cinco filhos adotados no início da pandemia - Pryscilla K./UOL - Pryscilla K./UOL
'Lembrei da cartilha que usei na infância e comprei uma para cada um, para fazer as letras do alfabeto'
Imagem: Pryscilla K./UOL

Para Cláudia, a imersão acelerou o fortalecimento dos vínculos e dos afetos além de permitir que o casal compreendesse as necessidades e as dificuldades de cada um. "Os desafios ficaram evidentes e, com isso, pudemos customizar o que, antes da pandemia, era um plano mais genérico de cuidado. Bárbara coloca muito bem quando diz que, por essa razão, o isolamento foi um benefício, uma benção."

Ela se refere, entre outras coisas, ao déficit de alfabetização das cinco crianças (embora tivessem frequentado a escola em Serra Talhada) e à consequente dificuldade de fala e raciocínio de algumas delas. Naqueles dias, antes que pudessem matricular as crianças na escola e criar uma força-tarefa para além do ensino regular — com aulas de reforço, sessões de fonoaudiologia e de terapia, o que segue até hoje — o jeito foi improvisar.

"Lembrei da cartilha que usei na infância e comprei um exemplar para cada um. Todo dia nos reuníamos na mesa da sala para fazer as letras do alfabeto, os números, desenhar nos pontilhados", conta Bárbara. Para as crianças, aquele era um momento de brincadeira tanto quanto desenhar, pintar ou brincar. "Eles adoravam", recorda.

Já Cláudia era a mãe "encarregada" de brincadeiras como organizar desfile de moda, dançar e cantar com as crianças. "Ela é mais solta do que eu, coloca tiara, faz farra junto com eles", diz a outra mãe.

Por volta de junho de 2020, o período de isolamento total da família chegou ao fim — para alívio de Bárbara. "Cláudia tinha voltado ao trabalho presencial para um projeto e, um dia, percebi que precisava de ajuda. Foi quando chamamos a Maria de volta, respeitando todos os protocolos". Maria das Graças Ramos, 54, já trabalhava como funcionária doméstica para o casal havia um ano e a afinidade com as crianças foi imediata. "Sou muito agarrada a eles."

Um dos filhos adotivos de Cláudia Fernandez e Bárbara Sampaio, na casa da família, em São Paulo - Pryscilla K./UOL - Pryscilla K./UOL
A família mudou do apartamento para uma casa maior, com estrutura para estimular o aprendizado das crianças
Imagem: Pryscilla K./UOL

Maternar

Em dezembro de 2020, a família se mudou para um espaço maior, uma casa com três quartos, quintal e uma edícula que funciona como um mix de sala de estudos e sala de TV com biblioteca e brinquedoteca.

Há escrivaninhas, lousa, banner de tabuada e de sílabas, estantes com livros, caixas com Lego, jogos de panelinha, boneca e outros tantos brinquedos e jogos tradicionais como baralho, dama, dominó, quebra-cabeça, memória. Tudo pensado para estimular o aprendizado e funções como raciocínio e coordenação — a evolução tem sido lenta, mas contínua, consideram as mães. "Vai levar muito tempo para essa defasagem ser recuperada. O atraso que já existia foi amplificado pelo ensino online ano passado", diz Bárbara.

Do ponto de vista emocional, no entanto, a transformação foi grande. Hoje o filho mais velho do casal, João, abraça e beija suas duas mães, mas levou cerca de oito meses, segundo Bárbara, para que isso acontecesse. "Ele não sabia o que era um abraço de mãe, de cuidado."

Já Maria Eduarda não permitia que tocassem no seu cabelo. Essa foi uma construção importante para a menina e também Bárbara — mãe de outros dois filhos homens de seu primeiro casamento, ela sempre quis ter uma filha e poder penteá-la. Durante a visita do TAB, as crianças ficaram tímidas.

Cláudia é mãe de primeira viagem e diz que sua maior descoberta, com a adoção, foi a de que o vínculo de amor se estabelece por meio do maternar, pelo convívio. "Não é porque você pariu uma criança que você vai aprender a amá-la. É preciso haver disponibilidade, acolhimento", afirma.

A chegada dos cinco filhos reorganizou o esquema profissional do casal. Em razão da adoção, elas fizeram um acordo: Bárbara, que até então trabalhava na área administrativa de uma empresa, pediria demissão para se dedicar full time às crianças. Antes, organizou as datas com o pessoal do RH para utilizar o direito à licença-maternidade.

Cláudia continuaria trabalhando fora. Na época, ela era executiva do Ibope — pelo qual tirou os 20 dias do tempo estendido de licença — e, após o fechamento da empresa, em janeiro deste ano, fundou com seus antigos colegas a Ipec, onde mantém a mesma posição, agora em home office.

Por lidar muito com números, uma vez Cláudia fez o cálculo de quantos tempo demoraria, caso não tivesse havido o isolamento, para que ela e Bárbara tivessem o mesmo número de horas de convívio que tiveram com as crianças no último ano. "Três anos", diz.