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'Aquele seria o voo da felicidade', diz pai de produtor Henrique Bahia

Bruno Leite

Colaboração para o TAB, de Salvador

09/11/2021 04h01

"Trabalhe com o que você ama e nunca mais precisará trabalhar na vida." Essas foram as últimas palavras escritas pelo produtor Henrique Bonfim Ribeiro nas redes sociais. A postagem, feita em 31 de outubro, comemorava o retorno dele e de sua equipe aos palcos naquela semana.

Os dias que se seguiram prometiam ser bastante movimentados, isso um ano e meio após a chegada da pandemia e da suspensão dos eventos em todo o país. "Estamos de volta", emendou Henrique no texto da publicação que legendava uma foto sua nos bastidores, acompanhando a artista.

Henrique Ribeiro, também conhecido como Henrique Bahia, era soteropolitano, tinha 32 anos e trabalhava há seis como produtor executivo da cantora. A história junto a Marília Mendonça começou em 2015, depois da morte de Cristiano Araújo, quando parte do staff do sertanejo passou a seguir os passos da goiana.

"Quando Cristiano Araújo morreu, Henrique estava angustiado, abalado com o que aconteceu e, ao mesmo tempo, havia a dúvida se ele permaneceria em Goiânia ou voltaria para Salvador", conta Sérgio Sobreira, amigo do produtor desde os anos em que foi seu professor na graduação em gestão de eventos na Unifacs (Universidade Salvador).

Henrique nem teve tempo de maturar uma decisão, porque logo depois foi convidado para assumir a produção de Marília Mendonça. "Naquela época, ela tinha uma atuação mais presente como compositora, mas veio o estouro da música de trabalho, 'Infiel', o que fez com que parte da equipe de Cristiano Araújo migrasse para a então nova aposta: Marília", afirmou Sobreira.

De lá para cá, uma porção de shows em todos os cantos do país foi realizada sob a produção do baiano. Em todas as passagens, os relatos de produtores locais e amigos fazem questão de ressaltar sua marca de brincalhão, alto astral e profissional.

Uma das testemunhas, o pernambucano e também produtor Marcelo Freitas, diz que "a maior alegria dele era o trabalho". "A gente se encontrava em ocasiões profissionais, mas acabou se formando uma amizade pela pessoa que ele era. Alegre, tentava levar tudo com bastante leveza", garantiu, acrescentando que o baiano sempre facilitava o trabalho dos produtores locais e várias vezes "ajudou no que pôde".

A amizade dos dois teve início quando Marília Mendonça começou a fazer shows pelos estados do Nordeste. O escritório em que Marcelo trabalha foi o responsável pela produção das apresentações por cidades nordestinas, assim como de outros artistas.

No dia do acidente, Freitas conta que estava em um desses eventos, no palco, quando recebeu as primeiras notícias por meio da filha. "Ela mandou uma foto para mim e eu pensei até ali que estava tudo bem."

As informações preliminares e a resposta da assessoria informando que as cinco pessoas envolvidas no desastre tinham sido socorridas deixaram-no mais tranquilo, o que não durou muito tempo. As mortes foram mais tarde confirmadas pelas autoridades mineiras.

O corpo de Henrique Ribeiro foi velado e sepultado no último sábado (6), no cemitério Jardim da Saudade, no bairro de Brotas, na capital baiana. Amigos, familiares e a imprensa estiveram na cerimônia, marcada para as 17h. O enterro do profissional foi o único realizado no local naquele dia.

Henrique Ribeiro (no centro). À esq., seu pai, George. À dir. seu tio Nestor - George Ribeiro/Arquivo Pessoal - George Ribeiro/Arquivo Pessoal
Henrique Ribeiro (no centro). À esq., seu pai, George. À dir. seu tio Nestor
Imagem: George Ribeiro/Arquivo Pessoal

'Talento de família'

Segundo Nestor Mendes, tio do produtor baiano, o envolvimento com a organização de festas vem de família. O pai de Henrique, George, durante muito tempo foi dono de um dos blocos do Carnaval da Bahia, o Patropi; sua mãe, Mariza, sempre foi uma grande admiradora da folia.

Durante a conversa, ele ainda mostra uma carta que escrevera para o sobrinho como forma de despedida. "Seu pai chorou ontem no meu ombro, dizendo da dor que será não ouvir sua voz e ver seu sorriso inamovível. Mas, se houver algum consolo nessa despedida inesperada, é que você se foi nas asas da alegria, da música, do espetáculo, coisas que estavam em seu DNA", dizia um trecho da correspondência.

A última reunião em família, Nestor faz questão de mostrar, aconteceu em janeiro de 2020, durante uma feijoada de comemoração do aniversário da mãe de Henrique. "Embora ele ficasse nessa coisa de shows, de um lado para outro, meio cigano, ele sempre manteve contato", relembra Nestor.

Versão que o pai, George Freitas, admite com gosto, mas registra que a mãe era a maior influenciadora dessa verve. Ele gostava muito de Carnaval, desde criança. Amigos do meio artístico e da infância saíam juntos com o produtor de Marília Mendonça e Cristiano Araújo para curtir momentos diferentes do Carnaval.

Henrique deixou um filho de oito anos, Bernardo, fruto de um relacionamento que teve com Fernanda Costa. Mãe e filho moram em Divinópolis, no interior de Minas Gerais. A cidade foi o primeiro local para onde Henrique foi, aos 21 anos, quinze dias após se formar.

O pai do produtor conta que a educação dentro de casa sempre priorizou a liberdade. "Ele dizia: 'e aí, meu pai? Tem uma festa!', então eu perguntava que horas ia ser, levava e, se fosse preciso, às 3h da manhã eu já estava lá para buscar", comenta.

"Ele foi um menino que sempre se preparou. Trabalhou em muito bar, ia trabalhar naquelas produções com os amigos dele, que são amigos até hoje", citando alguns nomes próximos ao seu filho, sempre o situando no presente.

No meio da entrevista com TAB, feita por telefone, outra ligação interrompe a conversa. "Me desculpe, meu telefone não para. Era o pessoal da equipe da Marília Mendonça, que está providenciando as coisas dele lá", justifica o pai, que retornava para a conversa minutos depois.

Não houvesse a pandemia, Henrique estaria se preparando para o verão, marcado sempre por "regabofes", em bom baianês, com a presença de amigos e artistas.

"Se ele chegasse hoje em Salvador e ficasse apenas três dias, teria mais de 40 pessoas curtindo aqui em casa", ri George, acrescentando que, certa feita, um ônibus lotado, com todo o staff e banda, incluindo Marília, foi deslocado para seu endereço, onde rolava um churrasco.

"É difícil. Saudade [é uma coisa que]... A gente passa um filme desde o nascimento até agora", aponta o pai. Para ele, a viagem de 5 de novembro era especial para todos os envolvidos. "Aquele voo era da felicidade, de retorno ao trabalho que eles mais gostavam de fazer", disse o pai.

A amizade com Marília

Henrique morava em Goiânia desde 2015. A cidade, reduto do mercado fonográfico sertanejo e seus talentos, era o lugar de sonhos do baiano.

"Ele passou a ser uma pessoa respeitada no meio e tinha experiência", explica Nestor, citando um episódio em que viu de perto a grande ligação entre os dois que, para ele, já parecia ser uma relação de irmandade.

De uma cena específica ele diz se lembrar bem, quando encontrou seu sobrinho em um show de Marília Mendonça, no interior da Bahia. Atrás das cortinas, lá estava Henrique com um walkie-talkie, coordenando a correria.

Henrique presenteou a goiana com uma camisa do seu time do coração, o Esporte Clube Vitória de Salvador. Num vídeo antes de embarcarem no fatídico voo, que partiu de Goiânia (GO) em direção a Caratinga (MG), os dois brincavam sobre a culinária mineira e a mala que a cantora carregava.

Nos dias anteriores, provocado pela publicação falando da retomada, Sobreira conversou com Henrique através do seu perfil nas redes sociais, desejando-lhe sorte.

"Ele estava muito agoniado, queria muito voltar. Entram todas as questões aí. Imagina você estar em um ritmo, com agenda, sempre produzindo e depois você para. Não acredito que tenha havido algum problema econômico significativo, mas havia uma ansiedade muito grande de voltar. Foi nesse espírito que ele forjou o talento do trabalho dele. Depois do show de Sorocaba [no dia 1º de novembro], Henrique pensava estar de volta ao mundo."