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Como hit da Legião Urbana fez um fã se tornar diretor de 'Eduardo e Mônica'

Na pré-adolescência, René Sampaio ouviu "Faroeste Caboclo" e decretou que aquele seria seu primeiro filme - Bruna Sampaio/Divulgação
Na pré-adolescência, René Sampaio ouviu 'Faroeste Caboclo' e decretou que aquele seria seu primeiro filme
Imagem: Bruna Sampaio/Divulgação

Tiago Dias

Do TAB, em São Paulo

28/12/2021 04h00

Foi numa festa de amigos na Asa Norte, em Brasília, que René Sampaio ouviu pela primeira vez a canção sobre um casal que, "mesmo com tudo diferente", casou e teve filhos. Era 1986, tinha por volta de 12 anos de idade e uma turma de amigos fãs de Legião Urbana e Plebe Rude. Ainda não era uma "festa estranha com gente esquisita", como relatada na letra. Essas só aconteceriam na adolescência. "Brasília era muito louca", observa Sampaio, hoje com 47 anos, ao lembrar da cena underground da capital federal do Brasil.

Como todo mundo que ouviu "Eduardo e Mônica" na vida, o garoto logo mentalizou cenas do casal cantado por Renato Russo. "Eu lembro do filme já acontecendo na cabeça, mas bem diferente do que eu viria a fazer."

"Eduardo e Mônica", um dos maiores sucessos da Legião Urbana, foi transportada para os cinemas. O longa-metragem tem estreia prevista para 20 de janeiro. Na versão do fã — agora diretor e roteirista —, quem dá rosto aos personagens eternizados na canção são os atores Gabriel Leone e Alice Braga.

René Sampaio entre o seu casal Eduardo e Mônica: Alice Braga e Gabriel Leone - Janine Moraes/Divulgação - Janine Moraes/Divulgação
René Sampaio entre o seu casal Eduardo e Mônica: Alice Braga e Gabriel Leone
Imagem: Janine Moraes/Divulgação

Não se trata, porém, de uma adaptação literal. A festa se mantém como o lugar de encontro, mas o que se vê na tela são histórias e contextos imaginados entre um verso e outro. "É diferente de adaptar um livro. Uma canção tem menos plots, mas tem muitas sensações. 'Eduardo e Mônica' é uma música muito solar, ao mesmo tempo que fala de crise, das diferenças", explica o diretor.

Esta não é a primeira vez que ele dá rosto, cor e movimento aos personagens de Renato Russo. O primeiro filme de Sampaio, "Faroeste Caboclo", foi lançado em 2013, levou 1,4 milhão de brasileiros aos cinemas e gerou críticas positivas por ir além da canção. Outra história que começou a ser imaginada ainda criança.

Um ano depois de ouvir "Eduardo e Mônica", Sampaio estava fissurado na epopeia de nove minutos que não saía do primeiro lugar nas paradas de sucesso. "Eu ficava com o dedo no gravador, esperando conseguir gravar a canção sem a vinheta da rádio. Eu disse pra mim: vou ser cineasta e meu primeiro filme vai ser 'Faroeste Caboclo'".

Naquela época, as músicas que sua turma ouvia pareciam filmes da Sessão da Tarde. "A minha quadra era vizinha de outra onde os meninos eram barra pesada, andavam de mobilete. Tínhamos contatos com os punks e eu era o caçula dessa história, não podia nem ir ao show, ficávamos atrás dos meninos de 16 anos", diz. "E essa música é muito Brasília. Você logo imagina a terra vermelha."

Nunca lhe pareceu descabido sonhar em recriá-la na tela grande. O cenário profícuo de bandas fazia encher as rádios de todo o país com as sensações e cenas que só um brasiliense poderia conhecer. "Para nossa geração, é como se aquilo dissesse a todos com um desejo artístico que eles poderiam se jogar também, mesmo a partir de uma cidade pequena e não tão representativa."

Reinventando "Faroeste Caboclo" em 2013, ao lado da atriz Ísis Valverde - Divulgação - Divulgação
Reinventando "Faroeste Caboclo" em 2013, ao lado da atriz Ísis Valverde
Imagem: Divulgação

Cineasta da Legião

Desde o início dos anos 2000, René Sampaio trabalha com audiovisual, produzindo comerciais. Logo se lançou no cinema com o curta-metragem, "Sinistro", e recebeu o convite da produtora Bianca De Felippes para produzir o primeiro longa. Respondeu quando questionado que projeto tinha em mente: "Só tem um filme que eu queria fazer".

"Faroeste Caboclo", no entanto, já era uma obra muito requisitada para adaptações. No final dos anos 1990, o próprio Sampaio havia tentado por duas vezes comprar os direitos. "Uma vez uma pessoa me passou a perna. Ia comprar junto, mas ela assinou sozinha. Depois fiquei sabendo que uma empresa grande tinha comprado os direitos, mas não pagou", relembra.

Felippes organizou um encontro do diretor com a família e um contrato foi assinado. Na época, não existia a trama em torno dos direitos do uso da marca Legião Urbana. A disputa se arrasta há 13 anos e opõe o filho e herdeiro de Renato Russo, Giuliano Manfredini, e os remanescentes da banda, Dado Villas-Lobos e Marcelo Bonfá.

"Faroeste Caboclo" e "Eduardo e Mônica" não entraram na discussão por serem composições apenas de Renato. Já a série documental produzida pela Globoplay sobre a banda teve seu lançamento suspenso. A Legião Urbana Produções, herdada por Manfredini, não autorizou a veiculação das imagens e das músicas do grupo.

A convivência com o dono do espólio de Russo é uma das melhores, garante Sampaio. "Claro que a gente manda o roteiro, compartilha as informações. Ele nunca vetou nada, nos dá muita liberdade." Manfredini inclusive faz uma aparição relâmpago no filme à la Alfred Hitchcock. "A gente tem que implorar para ele aparecer, para nós é muito importante."

Apesar de ter no currículo séries de ação, como "Impuros" (Star+) e "Dupla Identidade" (Globo), Sampaio diz se sentir honrado por ter conseguido adaptar duas de suas canções favoritas e ser chamado de "cineasta da Legião" pelos fãs da banda. "Mas no fim é a obra de um artista sobre o outro", enfatiza. "Se alguém fizer de novo, vai ser certamente diferente."

Universo cinematográfico Renato Russo

Quando o trailer de "Eduardo e Mônica" foi lançado, de fato os fãs fizeram um exercício de imaginar suas histórias e o trecho em que Russo canta que "o filhinho de Eduardo está de recuperação" logo ganhou destaque no Twitter. Para muitos, era a prova que um dos filho filhos nasceu fora do casamento. Na história de Sampaio, não há dúvidas. "É o filho que puxou para ele", ri. "Mas poderia ser, por que não?"

Sua Mônica é apresentada inicialmente como uma mulher mais calada, às voltas de um luto. Já Eduardo ganha toques da infância do diretor. Assim como Sampaio, o personagem toca numa banda de igreja e o avô, como tantos outros vizinhos em Brasília, é um militar reformado. Já a história de amor ali, ele garante, é fictícia, mesmo se reconhecendo mais como Eduardo. "Já fui os dois, mas namorei uma Mônica, mais velha, formada, com outras referências", conta, sentado no lobby de um hotel em São Paulo, numa tarde de dezembro.

Sampaio estava na cidade para divulgar o novo filme. Havia tirado uma semana de folga das filmagens da série "How to be a Carioca", protagonizada por Seu Jorge. Os próximos projetos incluem a adaptação de "Capão Pecado", de Ferréz, e a produção de um documentário sobre Renato Russo, dirigido por Suzana Lira, focado nos diários, peças de acervo e músicas não gravadas.

É a hora de investigar o criador das histórias que adaptou para o cinema antes de imaginar como expandir o universo cinematográfico da Legião. "Essas músicas que eu estou filmando hoje, com quase 50 anos de idade, ele fez aos 17. De onde vem isso? O que ele imaginava?", questiona.

Entre os projetos, diz se pegar criando imagens na cabeça ao ouvir músicas, especialmente as da sua adolescência. "Marvin [do Titãs] daria muito pra fazer", observa.

Quanto aos hits da Legião, ele imagina uma trilogia. "Tenho duas músicas em mente que eu gostaria de fazer, mas agora estou mirando em apenas uma." Sampaio faz suspense. O motivo: uma nova negociação com Manfredini está em curso. Garante, no entanto, que será como todas as outras: uma história de amor. "Vai ser a minha voz cantando a música", diz. "Para alguns vai ser uma voz agradável, outros podem achar desafinado, mas espero que seja interessante."

"Eduardo e Mônica" é segunda parte de uma trilogia dedicada à Legião Urbana - Janine Moraes/Divulgação - Janine Moraes/Divulgação
"Eduardo e Mônica" é segunda parte de uma trilogia de René Sampaio dedicada à Legião Urbana
Imagem: Janine Moraes/Divulgação