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'Imprensa não entra': culto pela posse de Mendonça tem louvor a políticos

Culto de ação de graças pela posse de André Mendonça no STF, realizado na Catedral Baleia, em Brasília - Tainá Andrade/UOL
Culto de ação de graças pela posse de André Mendonça no STF, realizado na Catedral Baleia, em Brasília
Imagem: Tainá Andrade/UOL

Tainá Andrade

Colaboração para o TAB, de Brasília

17/12/2021 10h05Atualizada em 19/12/2021 20h55

Edvaldo Jesus, 70, "carrega a marca" de Cristo no sobrenome. O prestador de serviços em obras no entorno de Brasília conta que não teria como fugir da sina e da função de presbítero exercida em Águas Lindas de Goiás na Assembleia de Deus do Gama (ADEG), Ministério de Madureira.

De Gama (cidade-satélite do Distrito Federal) até Brasília são 50 quilômetros — ou 48 minutos de estrada, marcados pelo GPS. Edvaldo teve de percorrer mais ou menos essa distância para chegar ao Culto de Ação de Graças pela posse de André Mendonça, novo ministro do STF (Supremo Tribunal Federal).

O convite foi recebido em cima da hora, mas Edvaldo não pensou duas vezes. Largou a mulher para trás e foi.
Marcado para começar às 18h30 na Catedral da Baleia, sede da Conamad (Convenção Nacional das Assembleias de Deus -- Ministério de Madureira), não houve atrasos.

Apesar de estar dentro do Plano Piloto, a localização do templo imponente onde cabem 4 mil pessoas sentadas é discreta. A intensa movimentação, tanto de fiéis quanto de automóveis e seguranças do evento, parou o trânsito.

Uma das entradas dava acesso à parte de trás da igreja, cujo estacionamento estava abarrotado — os carros estavam separados entre veículos oficiais de autoridades e os dos cidadãos comuns. Pessoas de roupas simples, umas ao lado da outras, se espichavam em um corrimão de ferro para tentar ver o fluxo.

A outra entrada era via credenciamento. A quem passava por ali, recepcionistas entregavam um adesivo escrito "Brasil", que deveria ser colado na roupa ou no corpo para liberar a passagem. Havia detector de metal e revista em bolsas e mochilas.

O presidente Jair Bolsonaro e sua mulher, Michelle, na entrada da sede da Assembleia de Deus Ministério Madureira, em Brasília - Tainá Andrade/UOL - Tainá Andrade/UOL
O presidente Jair Bolsonaro e sua mulher, Michelle, na entrada da sede da Assembleia de Deus - Ministério de Madureira, em Brasília
Imagem: Tainá Andrade/UOL

Meia volta, volver

Um rapaz altivo, de óculos de grau e cabelos pretos, com um broche da Secom (Secretaria de Comunicação) no paletó, veio até a reportagem de TAB para impedir a entrada. A razão: o presidente estaria no culto.

"Imprensa não entra. Se eu fosse vocês, iria comer um pão de queijo ali na frente junto com os colegas do Poder 360 e do Valor", disse ele, apontando para o portão. "A não ser que você seja fiel, mas tem de estar na lista do bispo."

A fila extensa andava rápido pela agilidade dos funcionários. Consegui entrar no santuário logo na primeira tentativa. Diferentemente do que dissera o assessor de imprensa da Presidência, não havia ninguém conferindo lista de nomes.

Muitas pessoas trabalhavam para que o culto do "terrivelmente evangélico" novo ministro acontecesse dentro do previsto. O cerimonial estava a cargo da Conamad, acostumada a conferências e eventos religiosos com milhares de pessoas. Era essa a sigla que estampava o convite digital recebido por parlamentares e autoridades.

Folheto entregue os convidados a participar do culto de ação de graça da posse de André Mendonça no STF, na Assembleia de Deus Ministério Madureira, de Brasília - Tainá Andrade/UOL - Tainá Andrade/UOL
Folheto entregue os convidados a participar do culto de ação de graça da posse de André Mendonça no STF
Imagem: Tainá Andrade/UOL

Um dos funcionários do cerimonial declarava "Planaltina, aqui!" e apontava para uma ala, com cadeiras ainda vazias. Um grupo de três pessoas tirava selfies e conversava animadamente na fileira de trás. Duas mulheres e um homem, da igreja de Santo Antônio do Descoberto (GO), vieram para o culto a convite do bispo Manoel Ferreira.

Uma das moças conta que é de Manaus, mas veio morar em Goiás para trabalhar. Estava acompanhada de um rapaz de paletó e óculos de grau, que afirmou ser evangélico desde os 13 anos — hoje tem 26.

Ele começa a falar sobre Manoel Ferreira, que exerce cargo na ADMM (Assembleia de Deus — Ministério Madureira) desde 1964 e é presidente vitalício de sua Convenção. Além da carreira religiosa, Ferreira é filiado ao PSC (Partido Social Cristão), foi deputado federal de 2007 a 2011 e já foi candidato a senador pelo PPB (atual Progressistas). A condução do culto foi feita por seu filho, vice-presidente da igreja, Samuel Ferreira.

Manoel Ferreira apoiou tanto Lula quanto Dilma Rousseff em suas candidaturas. Hoje, é leal a Bolsonaro. Em maio de 2019, durante uma Assembleia Geral da Conamad em Goiânia, afirmou a necessidade de se ter um ministro "evangélico assumido" no STF.

'Já estava lá, mesmo'

"Eu sou da igreja, mas não concordo com essa coisa de misturar igreja com política. Só que eu já estava lá mesmo, continuei", confessou uma das moças, convertida há apenas seis meses.

Culto de Ação de Graças é algo anual dentro da Assembleia. Embora a honra da noite fosse a celebração da posse de André Mendonça, a fiel disse que não sabia que Bolsonaro estaria ali.

"Vim para ajudar de forma espiritual o André Mendonça, ele vai precisar. Também acho que ele vai contar o testemunho dele de como chegou até lá. Estou curiosa para saber", disse uma delas.

Ministérios e autoridades

Os dois maiores braços da Assembleia de Deus, denominação que funciona como uma grande rede de igrejas, são o Ministério de Belém e o Ministério de Madureira. Sugiram no Brasil entre os anos 1920 e 1930, inspirados por um pastor negro norte-americano que, em reuniões, vivia experiências de glossolalia (o dom de falar em línguas estranhas).

Nos EUA, protestantes históricos de várias denominações entraram em contato com esse tipo de culto mais emocional — o que chamam de "avivamento espiritual" — e, quando imigraram para o Brasil, foram responsáveis por criar as duas grandes denominações evangélicas do início do século 20: a Congregação Cristã no Brasil, no Paraná, e a Assembleia de Deus, surgida inicialmente em Belém do Pará.

A Assembleia de Deus Ministério de Madureira foi criada por Paulo Leivas Macalão na região da Central do Brasil, no Rio de Janeiro (então capital federal), poucos anos depois do surgimento da Ministério de Belém. A sede ficava no bairro de Madureira — daí o nome.

Nos últimos anos, a força política da Madureira ficou evidente. Eduardo Cunha era próximo de seus líderes. Jair Bolsonaro já esteve presente em uma de suas convenções.

O presidente Jair Bolsonaro, acompanhado da primeira dama Michelle Bolsonaro, e o ministro André Mendonça (na foto participando de uma oração) (C), participam de culta de Ação de Graças na Catedral da Assembléia de Deus no Brasil, por ocasião da posse de Mendonça no STF.  (Foto: Pedro Ladeira/Folhapress, PODER) - Pedro Ladeira/Folhapress - Pedro Ladeira/Folhapress
O presidente Jair Bolsonaro, acompanhado da primeira-dama, Michelle Bolsonaro, e o ministro André Mendonça, no culto de ação de graças
Imagem: Pedro Ladeira/Folhapress

Respeita o político e libera o dom

Ao fazer seu discurso inicial, o bispo Samuel Ferreira, filho de Manoel, pediu para que as pessoas ajudassem a conter qualquer fiel que estivesse insatisfeito com a presença das autoridades.

"Sofremos quando a primeira-dama ficou alegre e foi tomada por línguas estranhas e o Brasil foi 'atiçado' a envergonhar a serva de Deus. Se houve alguém que quis zombar, teve uma multidão que disse agora sim. Vários glórias a Deus surgiram. Se tiver alguém estranho, gritando, reclamando das autoridades, você vai dizer pra parar. Entendido, igreja?", pregava o bispo no púlpito.

Após o aviso, suavizou o tom e lembrou que a presença de Deus estava forte no local. "Bispo, e se eu sentir vontade de falar em línguas? Metralha."

Ninguém falou em línguas, mas o culto foi recheado de adoração, principalmente à cúpula do governo que estava presente. A lista era extensa: Jair Bolsonaro e a primeira-dama, Michelle Bolsonaro; cerca de 15 ministros de Estado, entre eles Milton Ribeiro (Educação), Marcelo Queiroga (Saúde - sem máscara); Tarcísio de Freitas (Infraestrutura); Damares Alves (Mulher, da Família e dos Direitos Humanos); Ciro Nogueira, atual ministro da Casa Civil, e Luiz Eduardo Ramos, ex-ministro da Casa Civil.

Ricardo Lewandowski foi o único ministro do STF que compareceu e foi chamado ao microfone para falar. "Não é nenhum defeito ser religioso, pelo contrário é uma virtude", disse ele, em seu discurso.

Agradecendo ao colega de corte, André Mendonça afirmou que interpreta sua posse no STF como "inclusão social". "Embora, de fato, o critério de evangélico não seja um critério constitucional, ao mesmo tempo, é uma inclusão social. Interprete dessa forma", disse ele.

A cerimônia seguiu em uma mescla de ritos religiosos, música e discursos motivacionais sobre as ações das autoridades.
Filmagens e fotos estavam liberadas, desde que respeitado o limite da contenção. A cada vez que o bispo anunciava o presidente, Edvaldo Jesus batia palmas. Quando Samuel chamou Bolsonaro para tomar a palavra, o pastor de Águas Lindas confessou: "quantas vezes esse homem se candidatar, eu voto nele. Ele foi o único presidente cristão que veio à igreja. A mulher dele é muito cristã e é ela quem vai fazer o milagre na vida dele".

O ponto alto foi a oração de Milton Ribeiro ao novo ministro André Mendonça. "Entre tantas pessoas ilustres, ter um homem que não se envergonha do Evangelho. No colegiado tão seleto de juristas, ter uma visão diferente dos princípios, da sociedade", bradou em um trecho.

Edvaldo, o presbítero, dava aleluias e louvores. "Deus é bom."

Errata: este conteúdo foi atualizado
A primeira versão deste texto afirmava que o culto de ação de graças havia sido presidido por Manoel Ferreira. Na verdade, a condução foi feita pelo seu filho, Samuel Ferreira. O trecho foi corrigido.