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Com nome no Guinness, brasileiro cruza cânions e vulcões em fita de 2,5 cm

Rafael Bridi caminha sobre uma fita fixada no cesto de dois balões  - Go Visuals
Rafael Bridi caminha sobre uma fita fixada no cesto de dois balões Imagem: Go Visuals

Felipe Pereira

Do TAB, em São Paulo

10/01/2022 04h00

Em 2 de dezembro de 2021 Rafael Bridi, 34, voava tão alto que as nuvens abaixo pareciam uma imensidão de algodão doce. Ele se aproximou da beirada do cesto, conectado a outro balão por uma fita de uma polegada de largura — 2,5 centímetros, a largura dos dentes de um garfo — e definiu como "momento crucial" o instante em que amarrou a corda de segurança à fita.

Esta medida, que serve como garantia de vida, não causa uma descarga de adrenalina ao atleta. A sensação é de tranquilidade e prazer. Mas quando deixa o cesto e senta sobre a fita a 1.901 metros de altura, o efeito é diferente. O coração não acelera, ele galopa.

Hora da ação: Rafael levanta e vai caminhar no céu. "Eu me sinto muito próximo de estar flutuando. Parece que estou andando no chão sem aquela ação da gravidade tão intensa", diz.

Rafael é atleta do highline, a variação do slackline praticada nas alturas. Ele é recordista mundial e começa cada travessia com o método que lhe valeu nome no Guinness Book naquele 2 de dezembro. O atleta mantém a respiração sempre na parte inferior do abdômen, o que garante maior equilíbrio, e olha para frente. Não mira o final do trajeto, concentra-se na curta distância. Avaliando os movimentos que a fita está fazendo, faz cálculos instintivos para avançar mais um passo.

Rafael venceu a caminhada entre os balões e bateu o recorde mundial. Ele também já rodou o mundo em aventuras para cruzar o precipício formado no vão de cânions, prédios e pela cratera de um vulcão ativo.

Preparativos e primeiro passo

A experiência do highline para Rafael começa muito antes do primeiro passo nas alturas. Ele busca o local ideal para o tipo de desafio que deseja e depois estuda seu relevo e seu clima. Esta análise determina os equipamentos a serem usados. Uma fita mais dinâmica proporciona uma caminhada mais divertida. Uma fita estática resulta em travessia mais controlada.

Muitos locais são isolados e a trilha para alcançá-los é a parte divertida da preparação para Rafael. A seguinte — montar a estrutura — é mais trabalhosa e arriscada.

"Tem local que precisa escalar uma parede para chegar no cume. Precisa furar rocha, abraçar torres de rochas, subir em árvores."

Gases tóxicos, explosões de lava e ventos fortes na travessia da cratera de um vulcão - Reprodução Instagram - Reprodução Instagram
Gases tóxicos, explosões de lava e ventos fortes na travessia da cratera de um vulcão
Imagem: Reprodução Instagram

Quando os pontos de fixação estão colocados, a fita pode ser esticada. Neste processo, se usa estilingue, arco e flecha ou drone. Rafael ressalta que existe a fita de uma polegada para fazer a caminhada e uma outra que serve de redundância.

Quando chega o momento da travessia, ele está bem ciente do que vai fazer. Em sua preparação, o atleta faz muita visualização — a técnica de projetar uma imagem do próprio corpo fazendo os movimentos do highline. O atleta ressalta que, depois de esticar a fita, não espera muito para começar a caminhada. "Quanto mais demora, mais tem tempo para virem as perguntas se você vai conseguir. Eu gosto de me alongar, fazer um pouco de ioga e ir."

Terminada a diversão, é hora de desmontar a estrutura. Deixar a natureza como estava é outra vantagem do highline na opinião de Rafael. "A gente constrói pontes provisórias. Eu gosto muito disso."

Rafael durante a travessia do Cânion do Funil, na serra de Santa Catarina - Arquivo pessoal - Arquivo pessoal
Rafael durante a travessia do Cânion do Funil, na serra de Santa Catarina
Imagem: Arquivo pessoal

Esportista de berço

Rafael ter virado atleta não é surpresa. Nascido em Florianópolis e filho de uma educadora física, começou na natação aos 4 anos de idade. Criado no esporte, cuidadoso com o corpo e amante da vida ao ar livre, também fazia surfe e skate. A parte da disciplina veio das exigências da mãe para que cumprisse horários e do estudo em colégio religioso até a conclusão do ensino fundamental.

Nesta altura, Rafael tinha patrocínio e integrava a equipe sul-brasileira de natação. Como se nadar fosse pouco, adicionou corrida e ciclismo à rotina de treinos ao migrar para o triatlo, aos 14 anos. Os resultados foram imediatos, mas ele optou por outro caminho. A esta altura da vida, Rafa era um garoto de 15 anos que tinha um único domingo de folga por mês.

"Eu sabia que tinha um potencial enorme para ser atleta profissional, mas não tinha certeza se estava ganhando alguma coisa ou perdendo treinando tanto. Eu queria horas livres. Se fosse para ser atleta, voltava depois de dois anos".

Ele virou surfista, mas encarando o esporte de outra forma. Viajava para praias do litoral catarinense com os amigos em busca de ondas. Bom de notas desde sempre, foi estudar administração em Balneário Camboriú. Trancou o curso para participar de um programa de trabalho nas férias em Utah, Estados Unidos.

Rafael recebeu convite para ficar trabalhando num resort e prolongou sua estadia nos EUA para dois anos. Neste período, foi garçom, jardineiro, estoquista, faxineiro e instrutor de snowboard. Entrou na faculdade de financial and business, mas a anuidade de até US$ 40 mil (R$ 227 mil) estava pesada. Foi quando voltou para o Brasil.

"Eu não queria uma vida de subemprego e faculdade lá é muito cara", contou ao TAB.

Ioga - Arquivo pessoal - Arquivo pessoal
Antes do primeiro passo numa travessia no highline, Rafael alonga e faz ioga
Imagem: Arquivo pessoal

Rafa é apresentado ao slackline

Na volta a Florianópolis, Rafael estudou por um semestre e passou no vestibular para engenharia de produção na UFSC (Universidade Federal de Santa Catarina). Nesta época, uma banda era convidada a tocar no campus todas as quartas-feiras, na hora do almoço. Em meio a estudantes sentados em frente à concha acústica, Rafael viu uma garota caminhando sobre uma fita esticada no vão entre duas árvores. Ele foi experimentar.

"Me senti muito desafiado, sou uma pessoa competitiva. Pensei: faço snowboard, surfe e skate e não consigo fazer isso".

Um amigo chamou Rafael para treinarem juntos. Era o ano de 2011 e ele investiu em acrobacias, até que conheceu um praticante de highline. A variação despertou interesse. Ao mesmo tempo, Rafa estudava geologia e resistência de materiais na faculdade. Desta convergência de diferentes frentes da vida, nascia o atleta profissional.

"Fui adquirindo conhecimento, melhorando equipamento, lendo papers em inglês. Depois de uns dois anos, eu tinha um domínio bom de equilíbrio. Três anos depois, fui fazer meu primeiro highline." Foi na Pedra da Gávea, no Rio de Janeiro. A distância até o chão era de 70 metros -- para ser considerado highline é preciso pelo menos 30 metros de altura.

A primeira travessia foi difícil. "Queria muito e até hoje tenho muito viva esta sensação. Lembro que tremi um pouco e caí. Foi uma sensação de ineditismo. Caramba! Achei que sabia e era tudo diferente aqui em cima. E foi exatamente isto o que fui buscar."

Yosemite - Arquivo pessoal - Arquivo pessoal
Travessia no Yosemite, parque dos Estados Unidos onde o slackline nasceu
Imagem: Arquivo pessoal

Highline como estilo de vida

O highline juntava várias aspirações de Rafael. O lado nerd estava contemplado com o estudo dos materiais, do clima e técnicas de equilíbrio. O condicionamento físico é pré-requisito da modalidade. Ele foi mergulhando.

Também coincidiu de a caminhada nas alturas exigir a solução de questões que começam a aparecer na vida de uma pessoa em transição da juventude para a fase adulta. "Eu chamo de valores básicos, valores não-negociáveis. Quem tu é e como se relaciona com família".

Rafael percebeu que não adiantava só treinar. O desempenho era consequência de resolver situações pessoais como a relação com família, a busca pelos sonhos, projetos pessoais e a necessidade financeira. O highline passava a apontar respostas e Rafael abraçou este estilo de vida. Para isto, largou o curso de engenharia de produção e uma carreira de engenheiro no penúltimo semestre da faculdade.

O atleta se descobriu um cara emocional, de personalidade forte e questionador — estudioso e competitivo, ele sempre soube que era. Mas a grande mudança foi deixar de ser controlador, sistemático. Dono de uma empresa de turismo e eventos de aventuras, ele diz ter aprendido que "o importante é apontar o resultado esperado e que a pessoa possa cumprir a tarefa a seu jeito."

"Controlar é depressão na certa", reflete.

China - Arquivo pessoal - Arquivo pessoal
Rafael atravessa o mundo viajando e na imagem pratica highline na China
Imagem: Arquivo pessoal

Os feitos no highline iam aumentando conforme Rafael ia resolvendo suas questões pessoais. Surgiu um ciclo virtuoso. Convites para o programa da Fátima Bernardes, aparições no Fantástico, recordes mundiais e nome no Guinness Book trouxeram patrocinadores. A estabilidade financeira se completou com palestras corporativas. Nelas, conta sobre como se virou no começo da pandemia ao ficar isolado numa casa na árvore sem eletricidade na base de um vulcão da ilha de Vanuatu, um arquipélago no Oceano Pacífico tão distante que fica depois da Austrália. Ele também fala que de qual é a razão de sua fissura pelo highline.

Rafael procura aquele estado de espírito e conexão com a natureza que cria uma espécie de transe. Nesta comunhão com o ambiente, ele consegue avançar passo a passo sem cair. O nível de concentração gera um flow do qual ele quase não se lembra depois de voltar para casa, "mas que é tão prazeroso de ser vivido".