'Tommy não se usa com Lacoste': o empresário que dita o estilo de funkeiros
"Adidas não se usa com Nike, Tommy não se usa com Lacoste." Essa é uma das regras de ouro da cartilha de Bruno Vinicius. Outras tantas, de estilo a marketing, são fruto de acerto e erro, diz o empresário, resultado de quase dez anos de dedicação aos negócios. É uma caminhada que transformou o outrora empacotador de supermercado em um dos mais conhecidos nomes da moda de rua do Brasil.
Bruno, 27, é fundador da Tatuapé Conceito, loja de roupas que ocupa um sobrado renovado em uma região comercial na zona leste de São Paulo. O estabelecimento e suas paredes estampadas com logos como Louis Vuitton destoam tanto da normalidade da rua, povoada por padarias e lanchonetes, quanto o próprio Bruno.
"Hoje eu tô suave, mano", diz ele, questionado sobre seu look do dia. "Meu tênis custa R$ 3 mil, a calça custa R$ 300, a camiseta custa R$ 400. Tem essa correntinha que custa R$ 10 mil." E o relógio? "Esse é o 'lowlex'", brinca ele. "É uma réplica do Rolex. O original mesmo custa R$ 300 mil."
O capital informado pela Tatuapé Conceito na Junta Comercial do Estado de São Paulo é de R$ 15.000. A cifra não só está abaixo do acumulado que Bruno veste em um dia, ou mesmo de um punhado de itens da loja. A influencer Deolane Bezerra, por exemplo, gastou R$ 45 mil em dois tênis Versace e outras peças da marca italiana -- a maior compra registrada pela loja de Bruno, mas tampouco a única a chegar a alguns milhares de reais.
Essas peças, de valores polpudos e estampas gritantes, lotam o estoque da Tatuapé Conceito. Longe do estereótipo noventista fundado em marcas esportivas, a street wear de marcas de luxo -- também chamada de street couture -- hoje faz a cabeça de funkeiros, rappers e pagodeiros. E MCs, cantores e DJs buscam na loja de Bruno não só peças exclusivas.
"Loja tem um monte cada esquina, só que eu sempre fui pro atendimento diferenciado", explica Bruno. "A gente não vende só roupa. A gente vende experiência."
'Funk dita a moda'
Quem pisa na loja é recebido por um dos trinta funcionários -- que se apressam a oferecer água ou entender melhor o que o possível cliente busca. Bruno é bom de gogó e passou a letra para seus vendedores. Diz que a ideia é sempre vender conjuntos, convencer ao fazer combinações entre peças: é o kit, no jargão. Um tênis daqui, uma jaqueta ali e venda feita.
A tal experiência, assim dizendo, não tem nada de diferente do que se vê em uma loja de roupas. Essa normalidade é justamente o diferencial da Tatuapé Conceito. Atendendo bem sem ver a quem, o negócio de Bruno se tornou um ponto certo para jovens que têm dinheiro e ainda assim encontram um ambiente opressivo nas lojas chiques da cidade -- entre olhadas de canto de olho de outros clientes a racismo descarado.
"Nosso público é muito jovem, e também aquele novo rico, o cara que ficou rico agora e quer comprar um kit novo", diz Bruno. Enquanto uns tantos artistas e empresários deixam malotes de dinheiro na Tatuapé Conceito, a maioria dos fregueses gasta menos de R$ 500 com camisetas ou calças. São garotos que trabalham diariamente para, ao fim do mês, trocar parte do salário por uma roupa da moda e desfilar com as estampas em tamanho A3 pelos bailes e festas da cidade.
"Um tempo atrás, a Lacoste não queria ter sua marca relacionada com funkeiros. Mas como é que podem dizer que o funk está prejudicando a marca se o funk é que dita a moda hoje? Quem dita a moda hoje são as quebradas, as favelas. A Lacoste está estourada hoje por causa do funk", diz Bruno, amigo de vários MCs e DJs.
Método Tatuapé Conceito
O primeiro artista a aparecer na Tatuapé Conceito, lembra Bruno, foi o MC Rodolfinho, no início dos anos 2010. Àquela época, o funk ostentação dava as primeiras grandes contribuições de São Paulo para o gênero -- e Bruno entendeu que uma venda não era apenas uma venda. "Eu comecei a fazer um network, fiz amizade. Ele me apresentou ao MC Dedê, depois veio o Guimê."
Esses artistas cantaram nas minúcias a indumentária de um jovem de favela da capital paulista, e Bruno mantinha seus guarda-roupa cheios com peças da Ecko, Oakley, Quiksilver. Atento às novidades, o empresário soube adaptar seu estoque às demandas que mudaram conforme o sucesso e os ganhos do funk de São Paulo aumentavam: a surfwear de algumas centenas de reais pouco a pouco deu lugar a roupas e acessórios de grifes na casa dos milhares de reais.
"Eu até focava em réplicas antes, mas em 2015 eu resolvi focar na qualidade", diz Bruno. "Aí pegamos o produto mais exclusivo e a loja começou a ter a cara que tem hoje."
Aliando essa identidade à força das redes sociais, Bruno levou o nome da Tatuapé Conceito para além da zona leste onde ele mesmo nasceu e cresceu. Hoje, diz o empresário, a loja tem o maior perfil do Instagram da categoria: cerca de 1,5 milhão de seguidores.
"Quando a gente começou a filmar e postar os MCs que vinham aqui, a resenha, a compra, deu muito certo. Foi algo que viralizou muito", conta Bruno, enquanto um de seus assistentes filma nossa conversa -- que seria posteriormente postada em seu canal do YouTube.
Quem também assiste à entrevista é um grupo de jovens. Sentados lado a lado, como na primeira fila de um teatro, tentam apreender cada palavra de Bruno. Ele explica que a turma foi selecionada entre os alunos do seu curso, o "Método Tatuapé Conceito". "Ele vende uma experiência, né, o cliente vem aqui porque gosta do jeito que ele atende, do jeito que ele faz isso acontecer, e isso é algo que inspira", diz um dos aprendizes, que veio do RJ e pagou cerca de R$ 700 pelas aulas -- o equivalente a duas camisetas da Hugo Boss.
Bruno parou de estudar na oitava série. Não fala em arrependimento, mas não recomenda. "Acho que faltou muita coisa pra mim, hoje eu poderia estar muito mais gigante", diz ele. Também nunca fez nenhum curso de marketing, venda ou algo assim, mas tem alguns pontos pelo qual se orienta. "Todo ano a gente tem uma meta de ao menos 20% de crescimento", conta. Esse ano, a gente cresceu mais de 60%, é algo que a gente não esperava."
O império da Tatuapé Conceito -- Bruno tem uma espécie de banco estampado com seu nome e o logo da Versace -- pouco lembra a salinha comercial em que a loja começou, em 2012. Seus triunfos, na casa dos milhares de reais, também já não são da ordem dos baques que tomou, como quando comprou roupas falsas e tomou um prejuízo de R$ 3 mil. "Foi quando eu pensei em desistir", lembra o empresário.
Já a pandemia e a crise econômica, apontadas como carrascos do empreendedorismo, parecem nunca ter assutado Bruno. Ele mandou reformar a loja e aumentou o estoque durante o confinamento. "Depois de uns seis meses, o pessoal começou a procurar peça e no shopping não tinha, em loja não tinha, mas, como eu fui na contramão, eu estourei", diz ele. "A crise sempre existiu no nosso país, que é infelizmente um país mal administrado. Eu acho que a gente tem de ser diferenciado na crise, é na crise que a gente cresce."
Bruno hoje cogita expandir a Tatuapé Conceito pelo país no modelo de franquias. O faturamento da loja permite também que ele bote em prática outras empreitadas. Recentemente, ele passou a gerenciar a carreira de alguns funkeiros, patrocinou um clipe de funk com MCs de sucesso como Ryan e IG e também se lançou no microfone. Em "Vim da Quebrada", Bruno canta: "Onde os maloqueiro chegou? De dia é empresário, de noite é jogador."
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