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'Tem diferença': sommelier amador de cigarro conquista nicho no YouTube

Nicolas Santos, 25, faz degustação de cigarro de tabaco no YouTube - Reprodução
Nicolas Santos, 25, faz degustação de cigarro de tabaco no YouTube
Imagem: Reprodução

Marie Declercq

Do TAB, em São Paulo

18/01/2022 04h00

Olhando para a câmera, Nicolas Santos desembala um maço e escolhe um dos 20 cigarros para começar. Primeiro, descreve a tonalidade do filtro e as linhas de perfuração onde colocamos os lábios para sugar a fumaça. Ao acender, puxa a fumaça sem tragar. "Corpo de densidade média. Sabor na boca é o sabor clássico, com um leve toque mentolado", avalia. "Agora vamos ver o fluxo", Santos traga com mais força. "Fluxo suave".

O vídeo publicado no seu canal no YouTube tem quase quatro mil visualizações. Um número modesto, tendo em vista que um youtuber nos tempos atuais pode atingir o status de celebridade pop e arrecadar algo próximo do PIB de um pequeno país por ano. No caso do sommelier de cigarros, o seu público é cativo e fiel, fazendo Santos ser dono de um nicho curioso onde milhares de espectadores se encontram para assistir e comentar resenhas de diferentes marcas de cigarro.

Nicolas Santos tem 25 anos e, quando não está tragando cigarros em frente à câmera, trabalha como enfermeiro-chefe em dois hospitais no interior de Pernambuco — para preservar sua privacidade, Santos pediu ao TAB que o nome da cidade fosse omitido.

A sua atividade extracurricular não parece incomodar os colegas da área de saúde. "Muitos profissionais da área de saúde são os que mais fumam, aliás. Não gosto de fumar durante o horário de trabalho, só quando eu chego em casa", explica o enfermeiro, nascido em Maceió, capital do Alagoas.

Paladar apurado

O enfermeiro é fumante há dez anos e o começo do seu relacionamento com o tabagismo é bastante similar a outras histórias de viciados. Aos 15 anos, começou a "fingir" que fumava, puxando a fumaça sem tragar. "Eu lembro ainda da sensação", conta. "Foi bem aquela coisa de 'nossa, quero mais'". Seu primeiro cigarro, aliás, foi o finado Derby Azul.

Depois disso, pulou para o Hollywood, que também foi descontinuado — situação que representa o pior pesadelo do fumante. Nesse caso, contou o enfermeiro, foi necessário desbravar o universo tabagista em busca de um vício substituto. "O similar do Hollywood é o Chesterfield, ótimo cigarro", comenta.

Segundo o youtuber, o paladar apurado que sempre teve desde pequeno foi essencial para que degustar um cigarro com a mesma seriedade que o faria bebericando um vinho ou uísque. "Sempre fui muito bom com comida, tanto é que minha primeira opção de carreira era estudar gastronomia", diz.

A ideia de criar o canal surgiu no final de 2014, por influência de degustadores gringos de charutos e cigarrilhas e do seu melhor amigos, o Sonic, morto em 2018 em um latrocínio. O amigo de infância é frequentemente citado nos vídeos.

"A gente se conheceu mais novo, com uns 10 anos em uma lan house, mas depois descobrimos que éramos primos de terceiro grau. Ele faleceu com 29 anos. A marca favorita [de Sonic] era a mesma que eu comecei a fumar: Derby azul", relembra.

Perguntado sobre a contradição de possuir um ótimo paladar e consumir um produto que pode afetar nessa sensibilidade de reconhecer sabores, Santos garante que suas papilas gustativas seguem afiadas. "Fiz um teste de ficar um tempo sem fumar para ver se meu paladar melhorava, mas ele seguiu igual", conclui.

resenha - Reprodução - Reprodução
Nicolas já resenhou 120 marcas diferentes de cigarro
Imagem: Reprodução

Fluxo, corpo e queima

Pelos pulmões do enfermeiro, já passaram 120 marcas de cigarros. E cada degustação em vídeo leva de 9 a 15 minutos, dependendo do tipo do cigarro. Em todas, Santos faz uma avaliação muito parecida com a de degustadores de charutos profissionais.

O ritual de Santos começa avaliando o design e as cores da caixa. Depois, seleciona um cigarro para mostrar à câmera. Comenta sobre o fumo, se é claro ou escuro. O cigarro é passado abaixo de suas narinas para pegar o aroma inicial.

Com o cigarro aceso, o degustador avalia o corpo, que é a densidade da fumaça sem tragar. "Um cigarro com corpo denso normalmente é o de filtro vermelho, com algumas exceções. O Marlboro Gold, por exemplo, solta bastante fumaça". Na primeira tragada, o degustador consegue medir o fluxo. "É a saída da fumaça dos pulmões", afirma.

Sentindo o gosto do cigarro na boca, Santos vai comentando para os inscritos quais notas de sabores que está sentido e também se a queima do cigarro é longa ou curta. As notas variam. "A parte principal é a análise das notas. Às vezes são mais amadeiradas, ou com um toque de nozes, tem também alguns cigarros que são mais cítricos e que podem trazer um toque seco ou mais doce", conta.

Diga-me o que fumas

O pior cigarro que fumou, conta, é de uma dessas marcas que vendem em banquinhas clandestinas de cigarros, normalmente vindas do Paraguai. "Na época, custou dois reais a carteira", diz. "Lembro do Sonic me perguntar 'tem certeza que você vai fumar isso mesmo?'".

A marca se chamava US e a melhor descrição que Santos conseguiu encontrar para descrevê-la é "sabor da morte, de derrota". O vídeo da resenha, infelizmente, se perdeu. Porém, o degustador foi atrás da mesma marca para repetir a resenha. Encontrou uma parecida, chamada W&S. "Eu o apelidei de Wesley Safadão", ri, orgulhoso do feito. "É tão horrível quanto e ainda me falaram que existe uma versão com filtro vermelho".

Seus cigarros favoritos, segundo seu gosto pessoal, são Marlboro, Camel, Dunhill, Lucky Strike e Chesterfield. "Gosto do Marlboro Gold que tem um toque leve. Ele é perfeito com café, é o melhor possível", comenta.

Atualmente, de acordo com a análise do sommelier, os favoritos da nação brasileira são os da linha Dunhill e o Rothmans, marca mais barata da Souza Cruz. "O Dunhill costuma ser consumido por um consumidor com um perfil mais conservador, dificilmente têm outra marca de escolha. Não gosto dele, acho muito seco", resenha.

Outra escolha favorita de cigarro, dessa vez entre o público mais "playboy", é a linha mentolada da Lucky Strike que vem com dois botões no filtro para liberar o gosto. "Péssimo, você só sente a menta. Eu digo que é o cigarro mais playboyzado, porque muita mulher e jovem gosta, até porque você não sente nada do tabaco".

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Santos, que é enfermeiro, também interage com seus seguidores enquanto fuma
Imagem: Reprodução

Redução de danos

Das poucas críticas que aparecem nos vídeos do youtuber, todas repreendem Santos por apologia ao tabagismo. O enfermeiro discorda e afirma que o ato de degustar diferentes marcas pode contribuir para a redução da quantidade de cigarros consumidos diariamente.

"Prezo muito pela pessoa começar a experimentar outras marcas e não ficar escravo só de uma", explica Santos. "Esse hábito de variar as marcas também pode ajudar a pessoa a reduzir a quantidade. Hoje em dia, fumo de 5 a 6 cigarros por dia".

Segundo Danilo Nakamura, que escreve profissionalmente sobre comida e bebida há mais de uma década, criar um "ritual" pode ser uma forma de evitar que o consumidor fume compulsivamente. "Talvez essa parte 'litúrgica' de degustar um cigarro devagar pode ajudar a diminuir a compulsão, mas não dá pra fugir da ideia que o cigarro é um veneno", resume.

Ainda que o ato de degustar algo tão comum seja divertido, não orna com o vício em si do cigarro. "O fumante está mais em busca do efeito do que o sabor. É como o café da firma, a cerveja de boteco. Ele é mais um condutor social do que algo para buscar um sabor e, no fundo, as pessoas querem mesmo é sentir a segurança daquele primeiro trago do cigarro depois do avião", afirma.

Faz diferença?

Para entender se é possível detectar diferenças entre marcas comuns de cigarro, o TAB consultou Cesar Adames, um dos maiores especialistas brasileiros do mercado de tabaco. "Acho a proposta interessante", avalia. "O ponto de vista dele tem lógica. Se você for analisar, por que você gosta de uma marca e não de outra?"

Atualmente, as principais marcas de cigarro são feitas com um ou uma mistura de dois tipos de tabaco: Virgínia e Burley. A variedade de sabor depende da origem do tabaco, o cultivo e da mistura entre os dois tipos em cada marca. "Um cigarro pode ser 100% Virgínia, 100% Burley ou uma mistura entre os dois tipos", explica o especialista. "Tudo isso pode gerar um gosto diferente".

Ainda assim, Adames também frisa que o sabor é a menor das preocupações no quesito da dependência ao tabaco, tanto do consumidor quanto da indústria tabagista. "Minha sincera opinião sobre cigarro é a mesma coisa que querer comparar Brahma, Antártica e Skol. O que vai mudar nisso são questões mais psicológicas e do status social vinculado à marca", explica.

Tendo diferenças notáveis ou não, Santos segue na busca pelo cigarro perfeito com seu paladar treinado. No meio tabagista, já foi identificado como uma espécie de influenciador. Recentemente, algumas marcas já entraram em contato oferecendo parcerias, mas Santos dispensou os convites por uma questão ética. "Isso atrapalharia uma resenha isenta da minha parte."