Quem é Rato Distópico, artista que viralizou após 'treta do techno' em SP

Na última semana, uma tal de Rato Distópico causou sensação nas redes sociais após aparecer como coadjuvante em uma treta cheia de altos e baixos que envolvem uma DJ, uma dona de festa em São Paulo, um psiquiatra em surto e drogas sabor morango e baunilha. Caso você não saiba do "causo"completo, o relato inteiro pode ser lido aqui.
A "treta do techno" viralizou nas redes sociais como fogo em palha, furando a bolha de parte do universo da música eletrônica de São Paulo — geralmente confinada em festas que acontecem em fábricas abandonadas, vãos de viadutos e lugares sem iluminação.
A história começou no dia 16 de fevereiro, quando a DJ Nicolli Penteado, conhecida como Nikkatze, compartilhou um relato nas redes sociais sobre sua experiência tocando na festa Millenium. Segundo o relato, a dona da festa criticou a seleção musical da DJ e pediu para aumentar o BPM (batidas por minuto de uma música) para animar a pista de dança.
Feita a crítica, baixou o climão. A DJ se recusou a mudar seu set para agradar a dona do baile e afirmou ter sido maltratada por outros seletores que tocaram depois dela. Ainda segundo Nikkatze, as artistas performáticas se recusaram a subir no palco quando ela estava tocando. Na festa, contou com apenas um apoio. "A Rato Distópico foi a única quem ficou do meu lado", relatou a DJ.
Cada detalhe vale por si só um relato em separado para elucidar cada ponto. No entanto, quem virou destaque mesmo foi Rato Distópico. Em uma busca rápida no Instagram, é fácil de aparecer fotos de Rato Distópico performando em baladas, fantasiada como um rato deformado e vestindo looks complexos, lotados de referências de clubbers, animes e de cyberpunks.
'Sempre fui estranho'
Rato Distópico é Dani Daniel, jovem não-binário (pessoa que não se identifica nem com o gênero masculino, nem com o feminino) nascido na zona leste de São Paulo. Junto com o coletivo Metanoia, Dani faz performances em festas desde 2018.
Sua caminhada no techno, entretanto, começou quando ainda era menor de idade e estava em busca de sua identidade em diversas subculturas do underground. Na escola, era "esquisito" — rótulo que abraça com prazer hoje, aos 21 anos, para entregar performances de arte e looks montados com plástico, metal e materiais de reciclagem que pede nos ferros-velhos próximos à sua casa.
"Sempre fui estranho", resume Dani Daniel sobre sua vida desde adolescente. Já passeou pelo punk e pelo reggae, mas foi pesquisando o techno e a cultura cyber que descobriu a liberdade de ser quem é. "Foi a primeira vez que me montei para ir em uma festa. Não tinha nada decidido, só fui juntando o que tinha em casa", relembra.
Um dos termos que usa para definir seu trabalho é "cybermano", um apelido que surgiu no final dos anos 1990 para definir parte do público que saía das quebradas para curtir a música nos bairros de elite paulistana. Na época, era um termo pejorativo — mas Rato Distópico tomou o apelido para si, subvertendo sua carga negativa.
Dois lados da mesma moeda
Atualmente, Dani faz suas performances na festa Blum, mas começou espontaneamente a se apresentar na antiga festa Vampire Haus, que acontecia de graça no centro de São Paulo na era de ouro das festas na rua. "Mas era uma relação meio complicada. Os donos da festa não reconheciam nossa importância", afirma.
Maquiando-se na pequena área externa da casa onde mora com o namorado Rodrick, conhecido como Desgraça Biológica, Dani fala de forma apressada para explicar o processo de construção da Rato Distópico a partir de suas próprias experiências pela cidade. "Fiz uma analogia com corpos que sobrevivem, contaminam e seguem ocupando espaços na cidade. Como fazem ratos, que existem mesmo sendo considerados pragas. Já a distopia é óbvia: São Paulo é uma cidade hostil e tem todas as características de uma distopia", explica.
Ao finalizar seu look para tirar fotos, Rato Distópico vai até o quarto e mostra seus mascotes, Praga e Pepita, duas ratinhas que têm pouco mais de um ano. Nas mãos do tutor, usando botas de plataforma, quimono estilizado e lentes de contato com cores diferentes, a cena toda parece ter sido extraída de um anime obscuro.
Sentado em frente ao computador, Rodrick também está de look montado, observando em silêncio. Os dois se conheceram no Facebook, quando Rodrick ainda morava no interior do Ceará. Hoje, dividem um lar no Carrão e performam juntos nas festas.
Prova de resistência
Observar a mistura de estilos e referências de todos os cantos em um lugar só é uma das coisas que Dani mais ama na noite paulistana. As performances, ainda que tentem emular ao máximo o circuito de festas de Berlim (Alemanha) — onde reinam as roupas pretas e pouca dança em casas noturnas fechadas — são muito únicas da cena techno de São Paulo, afirma Dani. "O pessoal precisa é parar de querer fazer São Paulo ser Berlim. Aqui tem um rolê muito próprio", critica.
Desde os anos 1990, aliás, quem frequentava as casas noturnas e outros points que consagravam o estilo musical também apostavam forte nos looks para dançar a noite inteira nas pistas. Isso se mantém até hoje, mas virou atração junto com os DJs tocando no palco. As vestimentas criadas por Dani são pesadas e quentes — o que torna dançar por horas a fio uma verdadeira prova de resistência. "É uma coisa meio Marina Abramovic mesmo, vou até meu limite", diverte-se.
Suas apresentações e looks são construídas com o intuito de provocar reações, sejam elas incômodas ou não. Por conta disso, a boa recepção do público com a sua presença lhe causou surpresa. "Fiquei realmente feliz com a recepção quando furou a bolha", conta ao TAB. Ainda que sinta que a cena eletrônica seja elitizada — tanto por quem frequenta quanto por quem faz as festas —, Dani sente que faz parte de uma das subculturas com maior inclusão de minorias, compondo um caldeirão de referências variadas.
"Tem dois lados, né? É um espaço que acolhe, mas é um espaço de competição, de carão, de gente fazendo batalha de looks", sintetiza enquanto passa o pincel de delineador preto em volta dos olhos.
Saber quem são seus amigos
A treta do techno virou meme, mas Dani gostaria que a história que viralizou seu trabalho ajudasse o grande público a enxergar que a cena eletrônica de São Paulo não se resume às drogas: prefere que seja vista como um espaço de arte e liberdade.
"Foi uma história engraçada, mas existe uma coisa séria de você não saber quem está ali com você na festa. A maior lição que tirei disso é que precisamos separar quem são os seus amigos do techno, da festa, dos seus amigos de verdade", avalia.
Um dos motivos de ter aparecido no relato da DJ foi a sua tentativa de incluir todo tipo de música e pessoas no ambiente do techno, ainda que não seja seu estilo. "A pesquisa da Nikkatze é diferente da minha. A música dela é mais low, já a que eu gosto é o Hard techno, que é bem mais pesada".
O que ainda intriga Rato Distópico é como, dentre todas as histórias e tretas que acontecem todo fim de semana nas festas techno de SP, essa em específico tenha viralizado. "Menor ideia como isso furou a bolha. Todo fim de semana tem uma história absurda dessa".
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