'O que eu faço é arte': homem que perdeu a visão vira artesão de lustres
"Ok, Google: ligar para Coração."
Essa é a frase que o artesão cego Márcio de Oliveira mais usa. "Coração" atende pelo nome social de Ivete Staciak, sua esposa. Especialista na criação de lustres, Márcio perdeu completamente a visão e faz uso do comando de voz do celular para facilitar a rotina.
"O que eu faço é obra de arte, não é um simples lustre", afirma, convicto. Com o ateliê instalado na entrada de uma casa de madeira alugada, onde mora há três meses, no centro de Ponta Grossa (PR), o artesão produz, vende e instala lustres criados a partir de modelos imaginados. "À noite, minha mente parece um computador."
Uma peça de 4,50 metros, com 18 mil pedras de cristal, para um imóvel de alto padrão, foi o projeto mais ambicioso até agora. "Ele aceita os desafios, e eu também", comenta Ivete — sempre ao lado do marido —, que assume a função de assistente. "Minha esposa é meus olhos", enfatiza Márcio. Juntos, tentam driblar as dificuldades da cegueira, do dinheiro curto, da concorrência e do preconceito.
A mudança para a região central é uma tentativa de alavancar o negócio. Apesar do espaço pequeno, a vantagem da casa é que a parte da frente tem uma vitrine. Para fazer girar a produção, a solução foi levar alguns produtos para uma rede de lojas de materiais de construção, que expõe os produtos em consignação. "As pessoas não compram porque têm preconceito por eu ser cego", acredita Márcio. Segundo ele, há clientes que desistem de comprar no ateliê e preferem pagar mais caro na loja, sem saber que o lustre que estão levando para casa foi feito por ele.
'Fiquei sem nada'
A vida de Márcio virou de cabeça para baixo quando foi vítima de uma tentativa de assalto, em 2010, na cidade de Guarapuava (PR). Até então, ele era marceneiro e trabalhava com móveis planejados. Também trabalhou como pintor, letrista e desenhista. "Já tinha um dom artístico", afirma, mas nem imaginava ter como ofício a produção de lustres. Certa vez, teve que montar um lustre em uma residência, juntamente com os móveis. Mesmo que precisasse apenas encaixar as peças, achou que não tinha paciência para aquilo.
Ma o jogo virou. Foi uma foiçada — o bandido usou uma foice como arma — no olho esquerdo que o deixou sem visão. Em 2014, Márcio sofreu um acidente de carro e perdeu também a visão do olho direito, ficando completamente cego.
"Foi uma batalha, só por Deus consegui superar", relembra. Além da adaptação, o desespero para sobreviver assombrava. "Fiquei sem nada, sem renda, sem amigos para ajudar." Foi aí que a depressão chegou com tudo.
Na tentativa de se readaptar, começou a frequentar a Apadevi (Associação de Pais e Amigos dos Deficientes Visuais) de Guarapuava. Lá, aproveitou as oficinas oferecidas. Aprendeu braile, fez musicoterapia e participou de diversas ações, até ingressar nas aulas de artesanato. Dedicou-se à criação de chaveiros, colares e pulseiras de miçangas e, assim, foi aprimorando o tato. Sua mãe, também artesã, começou a levar as peças produzidas por ele para vender.
Ao notar que estava indo bem na produção, o irmão de Márcio sugeriu que ele trabalhasse com lustres e a primeira encomenda surgiu antes mesmo de ele começar. "Fui desenhando na cabeça e a cliente bancou o material", conta o artesão. Assim, de primeira, já produziu uma peça de 90 cm x 90 cm, com 1,80 metro, no modelo pirâmide, com quase 6 mil pedras de cristal.
Um empresário da cidade fez uma doação para que ele montasse então o seu próprio ateliê. Como muitos dos clientes eram de Ponta Grossa, ele e a esposa optaram pela mudança de cidade. Nessa trajetória, foi vítima de calotes, mas também encontrou apoio.
Uma das encomendas foi um lustre instalado em um dos setores da UEPG (Universidade Estadual de Ponta Grossa), um projeto audacioso para o artista, com um lustre de 3,5 metros de altura. "Foi a primeira peça que fiz em cabo de aço. Até então fazia só na argola", conta. A instalação começou às 8 horas da manhã e foi até às 4 horas da madrugada do dia seguinte, com a utilização de um andaime — e o próprio Márcio nas alturas. "Foi emocionante. Quando terminamos teve muito choro", recorda-se Márcio.
'Nunca vi um lustre meu'
Com a percepção do tato aprimorada devido à cegueira, tudo começa na mente do artesão. Em seguida, tem início o estudo da base ou estrutura. O próximo passo já é a execução da peça.
Com o uso de uma mesa medidora e de uma régua com pregos, ele define as medidas e inicia a montagem de cada pêndulo, com a colocação da castanha (pedra de cristal ou acrílico), argolinha e fixador. Com o alicate, aperta o fixador e, assim, vai nascendo cada lustre. "Até parece que estou enxergando", diz Márcio, durante o processo.
A cada projeto, a ansiedade toma conta, pois não há nada como concluir um trabalho e desfrutar daquela sensação de dever cumprido. "Nunca vi um lustre meu", diz, com um ar de esperança, pois acredita que parte da cegueira possa ser revertida futuramente com cirurgia.
Márcio também faz reparos e manutenção de lustres. "O ceguinho não para! Fiquei no escuro, mas me adaptei muito rápido, com a ajuda da minha esposa." Já tiveram loja própria, mas agora preferem manter apenas o mostruário no ateliê e os produtos prontos em exposição no comércio local.
'Trabalho maravilhoso'
Ângela Soely Raymundo Pauli conheceu o trabalho de Márcio por acaso. Ela estava procurando lustres para o novo apartamento e o encontrou em uma loja especializada.
Já no imóvel da cliente, ele impressionou os moradores por entender muito rápido o que a filha dela desejava. "Havia outras pessoas junto, que não estavam entendendo, e ele entendeu de pronto", conta Ângela.
É no apartamento dela que está instalado o lustre de 4,50 metros, com 18 mil pedras de cristal. Como era um produto grande, a instalação também foi feita com a utilização de um andaime. "A gente ficou perplexo e maravilhado com o trabalho dele. Os lustres ficaram perfeitos e muito bonitos. É surpreendente o trabalho que ele faz, porque além de montar as peças, ele ajuda a montar o lustre inteiro."
O artesão ainda lembra do dia em que ele e a esposa fecharam a proposta com a cliente: "saímos de lá pisando em nuvens". Tudo aconteceu durante a pandemia, período em que as vendas foram a zero. Sem condições de iniciar o projeto, recebeu da cliente um adiantamento para a compra do material.
Há outros lustres de Márcio pela cidade. Mas ele quer mesmo é ficar famoso. "Gostaria de driblar o preconceito e de tornar o meu trabalho conhecido", afirma. Até sonha com o dia em que alguma celebridade encomende uma peça sua ou que possa participar de um programa de TV para mostrar o seu talento. "Aí o meu negócio vai explodir, não vou vencer fazer lustres", brinca, com um tom de esperança.
Enquanto isso, segue no ateliê, onde tem na parede, junto às peças que fabrica, uma Moção de Aplauso da Câmara Municipal de Ponta Grossa, em razão do seu exemplo de superação.
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