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Ex-soldador da Honda larga emprego e vira manicure, com foco em 'nail art'

Henrique Albertasse, manicure e designer de unhas em Hortolândia (SP) - Gustavo Moreno/UOL
Henrique Albertasse, manicure e designer de unhas em Hortolândia (SP) Imagem: Gustavo Moreno/UOL

Gustavo Moreno

Colaboração para o TAB, de Hortolândia (SP)

03/07/2022 04h01

Há cerca de um mês, Henrique Albertasse, 26, fazia dupla jornada. Acordava às 4h30 da manhã e pegava o ônibus que o levava à fábrica de automóveis Honda, onde trabalhava. Lá fazia o turno das 6h às 15h. Mal chegava em sua casa, na cidade de Hortolândia (SP), e já partia para o segundo emprego como "nail designer", onde saía, muitas vezes, após as 22h. O que pareceu uma forma de complementar a renda foi o estopim para uma reviravolta na carreira.

Em seis meses trabalhando com "nail art", o ex-soldador, anônimo no chão de fábrica, acumula cerca de 60 mil seguidores em seu perfil do Instagram, possui a agenda lotada de clientes interessadas em seus alongamentos de unha e tem sido procurado para ser embaixador de marcas de beleza.

Ser homem em uma profissão dominada pelo público feminino, de início, foi um grande receio. Albertasse sempre atuou no ramo automotivo. Já lavou carro, trabalhou com funilaria e estava com uma carreira garantida na multinacional. Tudo mudou em janeiro, quando fez um curso de alongamento de unhas com sua irmã, Thaís, 23, que já atua no ramo há 5 anos. "Eu saí do curso e pensei: é isso", diz Albertasse, que sempre admirou a independência da irmã e era incentivado por ela. Ele nunca tinha trabalhado com unhas.
Hoje, na sala comercial que divide com Thaís, no segundo andar de um salão de beleza da cidade, ele não quer passar nem perto da carteira assinada. "Se você me falasse: Henrique, daqui a um ano você vai estar fazendo unha, eu não ia acreditar", brinca.

Mergulhado de cabeça na nova empreitada, ele tenta se aprimorar e conta com a irmã para estudar as novas tendências. Henrique já vislumbra, inclusive, o futuro da marca para o casal de irmãos, revelando que o próximo passo é fortalecer o nome "irmãos nails".
Cada serviço que oferece leva em torno de 2 horas e meia, seja para alongamento ou manutenção das unhas. Na média, atende de 4 a 5 clientes por dia, com horários para agendamento de domingo a domingo. Henrique não para.

Henrique Albertasse - Gustavo Moreno/UOL - Gustavo Moreno/UOL
Henrique Albertasse e sua irmã, Thaís, no salão de beleza em Hortolândia
Imagem: Gustavo Moreno/UOL

'Preconceito é nosso, não das pessoas'

Quando questionado sobre o que as pessoas falam ao descobrir que ele trabalha com unhas, Albertasse repete a frase que é quase um mantra nas conversas: "O preconceito é nosso, não das pessoas". Segundo ele, o bloqueio é dos homens. Muitos passaram a procurá-lo depois que ele decidiu expor sua imagem nas redes sociais. As dúvidas são quase sempre as mesmas — se vale a pena se arriscar, como começar e como ele enfrenta o preconceito.

Albertasse diz que, no começo, aturou algumas brincadeiras dos amigos no início do trabalho. "Quando eles veem que você tá levando a sério eles param", diz. "Pessoal tem muito a mentalidade de que manicure é um bico, mas tem muita gente que se sustenta com esse trabalho." A "nail art" também ajuda a mudar essa concepção, pois o resultado do trabalho é diferente de uma simples esmaltação e acaba chamando a atenção.

Segundo ele, os homens entram no ramo por causa de uma mulher próxima. A insegurança ainda paira no momento de decisão pela profissão. Henrique considera importante parar ao longo do dia, mesmo com a rotina corrida, para responder perguntas de outros homens em mensagens que chegam com mais frequência no seu perfil.

Trabalhando em uma cidade do interior, Henrique notou que sua escolha profissional suscita bastante a curiosidade das pessoas. Resolveu então usar isso a seu favor. Começou a se expor mais na internet, levantando a bandeira de que há espaço para homens na "nail art". No último dia 20, Henrique participava de uma live no Instagram junto a outros dois "nail designers" para falar sobre a carreira e também para incentivar outros, principalmente homens, a iniciarem o trabalho no universo das unhas. Do lado da clientela, ele continua atendendo a um público 100% feminino.

Henrique Albertasse e cliente - Gustavo Moreno/UOL - Gustavo Moreno/UOL
Imagem: Gustavo Moreno/UOL

O 'boom' nas redes sociais

Na mesa de trabalho de Albertasse é possível ver instrumentos tradicionais de manicure. Além de lixas, potes de gel e a fibra de vidro usada nos alongamentos, outra ferramenta tornou-se crucial para o desenvolvimento do seu trabalho: o celular. Sem as redes sociais, seria difícil encontrar tanto trabalho.

Toda cliente tem de reservar alguns minutos após a finalização do trabalho para as fotos das mãos. O portfólio de Albertasse é o próprio perfil no Instagram. "O primeiro vídeo em que eu apareci deu uma repercussão enorme. Como eu crio conteúdo, muita gente começa a me seguir, passa a ver meu trabalho e através da rede social vem muita cliente."

O designer descobriu quanto seu trabalho estava atrelado às mídias digitais logo que saiu da multinacional em que trabalhava. Tinha acabado de sair da empresa — pediu ao chefe para ser dispensado — e possuía pouco mais de 30 mil seguidores no Instagram quando sua conta foi invadida.

Os dias que se seguiram foram preocupantes. Até que ele recuperasse a conta hackeada, Henrique não conseguiu nenhuma cliente nova. Mesmo após a recuperação, muitas pessoas não queriam arriscar marcar, com medo de não ser ele. Foram 25 dias até conseguir agendar uma nova cliente. "Foi quando eu aprendi a proteger meus dados e minhas redes sociais", diz.

O aprendizado motivou Henrique a manter a constância nas publicações e a experimentar novos tipos de conteúdo. Além do portfólio das unhas, há a participação dele em lives e eventos, pequenos tutoriais de fotografia e outras dicas relacionadas ao seu trabalho. "Acho que até quando eu durmo estou sonhando com unha", afirma, sobre ter que se dedicar em várias frentes para fazer o negócio andar, no atual ritmo frenético.