As agricultoras que levam alimentos orgânicos para estudantes de Campinas
O sol nem nasceu e Jandira da Silva, 48, vai para a cozinha. Passa um cafezinho preto, amassa o abacate colhido da horta e acrescenta açúcar e leite em pó para o desjejum. Após o amanhecer, a casa, que não possui energia elétrica, clareia graças ao painel recém-aquecido pelos primeiros raios solares. Mais um dia para a agricultora, uma das seis integrantes do coletivo Elizabeth Teixeira em Horto Tatu, em Limeira, no interior de São Paulo.
"Elizabeth Teixeira é uma mulher de luta e nós também somos", diz, referindo-se à ativista paraibana de 97 anos que foi a primeira mulher a liderar uma Liga Camponesa no Brasil. Jandira vive num acampamento do MST em uma estação ferroviária da cidade — 100% da área era destinada à reforma agrária, afirma, mas após uma disputa de mais de três décadas entre a Prefeitura de Limeira e o Incra (Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária), apenas 15% ficaram para as cem famílias assentadas ali.
"O alimento que chega à casa das pessoas passa por um agricultor", diz Jandira, orgulhosa da data, o Dia do Agricultor, celebrado no dia 28 de julho.
Jandira e as outras agricultoras do coletivo vivem da terra: cultivam cenoura, mandioca, quiabo, alface e rúcula, entre outros itens que compõem as cestas vendidas na região, com valores de R$ 15 a R$ 25 a depender do tamanho do caixote, o que garante a cada uma delas cerca de R$ 900 por mês.
Estudantes da Unicamp (Universidade Estadual de Campinas) frequentemente encomendam seus produtos orgânicos, sem agrotóxicos, então elas viajam para entregá-los a cada quinze dias.
Depois do café, Jandira vai ao galinheiro, dá milho para as galinhas, e depois parte para a horta, onde o aroma de alecrim, orégano e manjericão se espalha. Por ali nasceu um girassol sem querer, uma semente que, imagina ela, foi parar ali por acaso.
Com um facão, ela colhe as mandiocas que levaram mais de um ano para crescer. Com um carrinho de mão, leva os vegetais frescos, colhidos no dia, para uma escola ali perto, num caminho árido com nuvens de poeira vermelha.
Aprendizado ancestral
Feita de taipa, a base de cascalho e argila, e pintada de verde e amarelo, a escola um dia abrigou aulas do EJA (Educação de Jovens e Adultos), mas foi desativada por falta de acesso à energia elétrica. Tornou-se então ponto de encontro para assembleias dos moradores e sede improvisada das agricultoras.
Elas levam frutas, legumes e verduras para lá e, às segundas-feiras, montam as cestas que serão vendidas. Melissa Moroski, 28, é a mais jovem do grupo. Desde o berço está envolvida na luta agrária, acompanhando a mãe. Viveu em muitas ocupações até se instalar no assentamento. Hoje, é ela quem entrega as cestas nos centros de Limeira e de Campinas, dirigindo uma picape antiga. Em média, são 280 entregas por mês.
Melissa e Jandira tiveram a ideia de fundar o coletivo, em 2016, que depois angariou apoio de acadêmicos da Unicamp, que compram os alimentos e ajudam o movimento. "Existe algo especial, acredito que seja a paciência que temos umas com as outras", conta Jandira, referindo-se à composição feminina do coletivo. "Todas nós temos voz, e assim solucionamos problemas e conseguimos caminhar juntas."
Para elas, cuidar da terra vem de um aprendizado ancestral. Jandira conta que cresceu na roça e, desde cedo, aprendeu a lidar com a terra, pois não tinha nenhum mercado nas redondezas. "Era plantar pra comer. Levo esse aprendizado até hoje", diz. "Plantar é um conhecimento novo todos os dias", acrescenta Melissa.
Elas se orgulham da produção de orgânicos — e da relação de afeto que desenvolveram com quem encomenda as cestas. Entretanto, ali perto, a cerca de 10 m das hortas, contam que identificaram um caminhão que passa jogando um líquido desconhecido, possivelmente um agrotóxico, na usina vizinha onde há cana-de-açúcar. O cheiro, dizem, é adocicado e azedo.
Entre folhas e frutos
Limeira é conhecida como "município agro", expressão que revolta as agricultoras. Jandira e Melissa não sabem ao certo qual o líquido despejado ali nos arredores da usina, mas notaram que o solo está mais seco, o que dificulta o cultivo de suas hortas.
Também notaram que insetos predadores andaram sumindo por ali. "Há insetos que ajudam na reprodução do maracujá, da abóbora, entre outros. Agora a folhagem fica, mas o fruto morre", dizem. Já tentaram ir à usina para conversar sobre a situação, mas não tiveram resposta.
A fim de tentar manter o plantio vivo, elas usam a estratégia de polinização, passando os dedos em todas as folhas e distribuindo o pólen. Cobrem o solo com folhagens para mantê-lo mais úmido e protegido e usam sombrite nos dias mais quentes.
Há tempos elas reivindicam a regularização do assentamento, a fim de expandir a produção de orgânicos e, assim, aumentar a renda do coletivo.
Procurada pelo TAB, a Secretaria de Assuntos Jurídicos de Limeira informa que, mediante acordo, coube ao Incra fazer o pedido de regularização para fins de assentamento de 15% da área e à prefeitura, o pedido de regularização dos outros 85%. O Incra e a prefeitura encaminharam esses pedidos à SPU (Superintendência de Patrimônio da União) e, agora, cabe ao governo federal analisar a questão.
"Ser agricultora é um trabalho difícil, pouco valorizado. Batalhamos para que um dia as pessoas entendam a importância da nossa atividade, que tem sido levar alimento saudável para as famílias", dizem.
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