Influencers impulsionam tigrinho ilegal e fazem país perder R$ 11 bilhões
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Influenciadores têm divulgado em massa bets não autorizadas pelo governo, com contratos milionários e sem punição. O resultado desse esquema é devastador para a economia brasileira e para o apostador.
O país perde por ano até R$ 10,8 bilhões em arrecadação com jogos ilegais, segundo estudo da consultoria econômica LCA em parceria com o Instituto Brasileiro do Jogo Responsável.
O valor é próximo ao orçamento previsto para Ciência e Tecnologia em 2025.
Cerca de 80% dos acessos às plataformas não autorizadas começam na publicidade feita por influenciadores, segundo Roger Amarante, CFO da S8 Capital, de soluções estratégicas para empresas de apostas esportivas.
A análise de Amarante, que acumula experiência na intermediação entre o mercado financeiro e de jogos, é baseada em dados do setor.

"Os outros 20% vêm de mensagens por SMS e WhatsApp. O fato de o problema ter essa dimensão é culpa dos influencers, sim", afirma Amarante.
De cada quatro brasileiros que apostam, três usam plataformas sem registro, segundo pesquisa do Instituto Locomotiva, de junho.
Como não passam pela auditoria do governo, os jogos do tigrinho ilegais não precisam se comprometer a pagar prêmios aos apostadores.
O site Reclame Aqui acumula queixas de usuários que não conseguem sacar, que tiveram contas bloqueadas após ganharem valores altos ou ainda que, seguindo pedido da plataforma, depositaram mais dinheiro em troca da liberação do saque, sem sucesso.
Há também relatos de links que simplesmente deixam de existir, levando embora todo o dinheiro dos apostadores e sem prestação de conta.
Punição para publi com pagamento de cesta básica
A Secretaria de Prêmios e Apostas, vinculada ao Ministério da Fazenda, diz ter derrubado 15 mil sites ilegais no primeiro semestre de 2025 e tirado 112 perfis do ar por publicidade de jogo ilegal.
Em seis dias de pesquisa, a reportagem do UOL identificou 83 perfis divulgando sites não autorizados. Contas pequenas, com 14 mil seguidores, e várias grandes, com até 8 milhões. Uma é de um adolescente de 15 anos.

As contas foram monitoradas durante um mês. Uma delas chegou a sair do ar, mas voltou uma semana depois.
Para os criadores dos tigrinhos, o perigo é minimizado ao registrar os sites em outros países, dificultando a identificação do brasileiro envolvido.
Já os influenciadores se beneficiam pela fragilidade da lei. Explorar jogo de azar é uma contravenção penal, um crime "menor", com pena de três meses a um ano e que, na prática, se reverte em pagamento de multa, cestas básicas ou prestação de serviço à comunidade.
"Para encobrir a origem ilegal eles praticam a lavagem de dinheiro, esse sim um crime grave. Mas leva tempo para a investigação avançar e justificar uma prisão", explica o delegado Wanderson Queiroz.
Queiroz está à frente da operação Fraus, que prendeu uma das maiores influenciadoras do Tocatins, Karol Digital, por esse crime e o de associação criminosa em agosto.

Secretário da SPA, Régis Dudena conta que um projeto de lei foi criado pela pasta e enviado ao Congresso para que, caso a bet ilegal não pague o imposto devido, o prestador do serviço de publicidade arque com a dívida. O projeto está em tramitação.
O Conar (Conselho Nacional de Autorregulamentação Publicitária) afirmou em nota ao UOL que enviou neste ano 3.062 notificações a "anunciantes, agências e influenciadores sobre casas de aposta irregulares, recomendando a remoção do anúncio e copiando a autoridade pública."
A entidade afirma também que faz "monitoramento rotineiro" da publicidade de apostas e, quando há menores de idade envolvidos, abre uma representação ética e liminar para derrubar a conta.
SPA e Conar estudam projetos de conscientização da população para evitar que caiam nos golpes dos jogos ilícitos. Um deles é criar um site de fácil acesso para verificar se o link foi mesmo autorizado pelo governo.

Hoje, é possível checar a informação acessando uma planilha no site do Ministério da Fazenda.
Mas as informações básicas já deveriam ter chegado aos apostadores, apontam especialistas, seguindo modelos de regulação do mercado adotados em outros países.
O fato de não haver divulgação sobre a validade de um domínio já é um erro, pois a verificação é simples: só são legais links que terminem em bet.br. Qualquer coisa fora disso, é irregular e deve ser evitada.

R$ 60 mil por mês a R$ 2 milhões por ano
Lucros milionários e risco mínimo ajudam a bombar a publicidade das apostas ilícitas.
"Dá mais dinheiro do que assaltar banco. Não precisa de arma, e as pessoas ficam bilionárias", afirma o delegado Magno Machado, de Minas Gerais, responsável por diversas investigações na área.
A reportagem apurou que uma influenciadora considerada pequena, com menos de 20 mil seguidores, receberia R$ 60 mil por mês para fazer publi de tigrinho não autorizado.

Há também negociações para receber 20% do valor arrecadado pelo link divulgado.
Karol Digital, a influencer do Tocantins presa em uma operação da PF, afirmou em conversa com um contratante que fez uma bet lucrar R$ 45 milhões em 35 dias.
Ele chegou a receber R$ 2 milhões por ano apenas nesse contrato. Segundo a polícia, ela teria feito publicidade para 20 casas ilegais de jogo do tigrinho.
O UOL tentou contato com o advogado da influenciadora, Maurício Araújo, por ligação, WhatsApp e dois emails, mas não obteve resposta até a publicação deste texto.
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