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'Rei das emendas', deputado mais longevo se reelege com receita do centrão

Deputado mais longevo da Câmara Federal, Átila Lins cumprimenta eleitor em praia fluvial à beira do rio Purus, no Amazonas - Caio Guatelli/UOL
Deputado mais longevo da Câmara Federal, Átila Lins cumprimenta eleitor em praia fluvial à beira do rio Purus, no Amazonas Imagem: Caio Guatelli/UOL

Do TAB, em Lábrea (AM)

03/10/2022 04h00

"Voto é que nem xiri*; para ganhar, tem que pedir." Saindo de uma roda de correligionários, uns de sunga, outras de biquíni, o candidato solta a frase ao pé d'ouvido. O cenário é uma praia que surge no verão amazônico quando o rio Purus está na vazante em Lábrea (AM).

Nela, acontece a Festa do Sol, principal evento musical do sul do Amazonas. Um piseiro retumba alto: "Primeiro tu rebola/Depois senta no créu". O locutor no palco abre o microfone e grita "Jesus está no comando". Depois de subir o som de um brega-funk por alguns segundos, ele anuncia: "Alô, alô, estamos aqui com a presença do nosso querido Átila Lins".

O deputado mais longevo da Câmara dos Deputados estava no reduto que o ajudou a chegar a seu nono mandato consecutivo. Prestes a fazer 72 anos, Lins é o exemplo mais nítido da estratégia de sucesso eleitoral que marca os parlamentares do centrão: conseguir recursos e obras para suas bases eleitorais por meio de acesso a emendas e cargos, deixando em segundo plano a função de criar e votar leis ou qualquer ação programática ou ideológica.

Tanto é assim que, em sua propaganda nas redes sociais, rádio e TV, ele se apresentou como "o rei das emendas" e "o amigo do interior". Nas visitas durante seu atual mandato, parecia até que estava em um cargo executivo: cortou fitas, descerrou placas, anunciou novas remessas vindas de Brasília e apresentou planos no palanque montado nas inaugurações.

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De bermuda e chinelo, Gean Barros, prefeito de Lábrea, recebe no aeroporto o deputado federal Átila Lins
Imagem: Caio Guatelli/UOL

"Aqui é uma cidade toda emendada. Tudo o que a gente tem é emenda. Inclusive isso aqui", fala Ademir de França Júnior apontando para o prédio da rodoviária de Lábrea. Aos 31 anos, ele é auxiliar administrativo no terminal.

França veste uma camiseta preta com o rosto e o nome do presidente Bolsonaro. Diz que sempre vota em Lins. Até perdoa que o deputado não se associe a seu presidenciável preferido — tática adotada por muitas figuras do centrão em todo o país, apesar de o grupo ter servido de base e liderança parlamentar para o atual governo. "Ele é um cara esperto e fica neutro para não perder o poder", resume.

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Funcionário da recém-inaugurada rodoviária, Ademir posa diante de poster da cidade na cheia do rio Purus
Imagem: Caio Guatelli/UOL

Nas próprias palavras de Lins, "o partido não é tão importante". Ele já mudou de sigla oito vezes — este ano trocou o PP pelo PSD. O fundamental mesmo é não ficar sem emprego, muito menos na oposição e longe das verbas públicas.

Viagem ao centrão da Terra

Poderia ser o sertão alagoano, o interior goiano ou oeste paranaense, afinal, o centrão espalha representantes em várias microrregiões do país. Mas o cenário é a floresta equatorial, mais exatamente onde acaba a rodovia Transamazônica. No município de Lábrea, Átila Lins teve sua maior votação percentual nas eleições de 2018: 55,58% dos votos válidos. Em 2022, repetiu apoio semelhante.

Lá, como em outras quatro cidades (Coari, Manacapuru, Atalaia do Norte e Caapiranga), até o ginásio de esportes levava seu nome — depois o MPE (Ministério Público Estadual) pediu para retirar a homenagem, porque batizar edifícios públicos com nome de pessoas vivas fere a legislação.

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Cena comum na cidade, moto com 6 passageiros sem capacetes passa diante de bandeiraço de candidatos
Imagem: Caio Guatelli/UOL

Pode ser de pista de skate até hospital fluvial, sempre que tem um recurso que passou por seu gabinete, ele está lá. "Minha política é permanente. Como Lábrea me apoia maciçamente, eu retribuo com emendas", disse em entrevista ao TAB.

Tanta presença local já causou duas investigações por uso de verba de transporte da Câmara Federal para campanha política — principalmente quando é época de eleições municipais, e Lins participa de carreatas e comícios com prefeitos e vereadores aliados. O regime da casa proíbe o uso dessa ajuda de custo para "gastos de caráter eleitoral".

Em pelo menos dois anos (2015 e 2019), Lins foi quem mais gastou com passagens aéreas entre os 513 deputados federais — só nos primeiros seis meses de 2019 foram R$ 169,80 mil dos cofres públicos. A parte mais onerosa é o fretamento de pequenas aeronaves durante os fins de semana para acessar localidades sem ligação por estrada.

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Em dobradinha com Átila Lins, Adjuto Afonso pega material de campanha para Assembleia Legislativa do AM
Imagem: Caio Guatelli/UOL

Para a eleição de 2022, Lins ganhou R$ 1,6 milhão do Fundo Eleitoral, repasse público criado depois da proibição de empresas doarem para campanhas, decidida em 2015 pelo STF (Supremo Tribunal Eleitoral). A quantia foi menor que a de parlamentares apoiadores de Bolsonaro, como Delegado Pablo (PL) e Silas Câmara (Republicanos), que receberam: R$ 2,5 milhões cada um — dos dois, só Silas conseguiu se reeleger.

"Político que só anda de barco atrasa e perde eleição. Eu chego antes e levo o voto", brinca Lins. O maior Estado da federação detém 18% do território nacional — é mais extenso que Peru e Colômbia, países que fazem fronteira com o Amazonas. Por isso, a corrida pelos ares foi essencial atrás das oito vagas na Câmara Federal que o Estado possui — às vezes com hidroavião, pois algumas cidades não têm aeroporto.

Fisiologia de um decano

A trajetória de Átila Lins se confunde com a própria redemocratização do Brasil e o surgimento do bloco parlamentar que aderiu a todo governo desde então, o centrão. Vindo de família de políticos, ele se elegeu deputado estadual em 1978 pela Arena, partido que dava sustentação ao regime militar (1964-1985). Teve mais dois mandatos na Assembleia Legislativa de Manaus (um pelo PDS e outro pelo PFL) até que, em 1990, se lançou e ganhou uma vaga para deputado federal.

Lins é o único deputado atual que votou contra o impeachment de Fernando Collor e a favor do de Dilma Rousseff. Em 2016, no afastamento da presidente petista, disse que estava "reparando um erro histórico". Segundo conta, ele era um novato em Brasília em 1992 e seguiu a orientação da bancada do PFL para respaldar o político alagoano (só 33 deputados votaram contra o processo de impeachment). Por essa posição, foi hostilizado em público no Amazonas e abandonou qualquer pretensão de concorrer a um cargo executivo.

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Após voo de 2 horas desde Manaus, Átila Lins desembarca no aeroporto de Lábrea, sul do Amazonas
Imagem: Caio Guatelli/UOL

O ziguezague entre partidos sempre deixou Lins perto do poder. Nas eleições de 2018, por exemplo, trocou o PSD pelo PP, partido dos maiores líderes do centrão: o alagoano Arthur Lira e o piauiense Ciro Nogueira. Lins disse que a mudança foi para "formar chapa e garantir a sobrevivência política", mas adversários apontaram repasses do ministério da Saúde da ordem de R$ 7,6 milhões para as cidades de Tefé, Coari e Borba como principal incentivo para a adoção da nova sigla.

Em 2021, chegou a sondar nos bastidores o seu nome para presidente da Câmara Federal até junto ao general Braga Netto, articulador do Planalto e candidato a vice na chapa de Bolsonaro. Na campanha de 2022, porém, ele voltou ao PSD, que fez aliança com o PT e MDB no Estado. Enquanto o candidato a governador Eduardo Braga (MDB) e o senador reeleito Omar Aziz (PSD) associaram suas imagens a Lula, Lins ficou estrategicamente distante de qualquer presidenciável.

Por outro lado, o deputado amazonense sempre foi muito ligado a Ciro Nogueira, atual ministro da Casa Civil e um dos principais coordenadores da campanha de reeleição de Bolsonaro. Tanto é assim que a mãe do piauiense (Eliane Nogueira, que atualmente ocupa a vaga de senadora no lugar do filho) já foi funcionária do gabinete de Lins.

O centro tem lado

"Todo deputado tem seu interiorzinho para ajudar mais e ganhar voto de lá. Mas o povo está ficando mais esperto. É que nem os peixes, que pararam de ser bestas e fogem das redes que a gente joga", teoriza o pescador Cosme Carneiro, 43, vendendo sua produção na frente do mercado municipal de Lábrea. Diz que já votou em Átila Lins, mas não vota mais.

Lins recebe as votações mais expressivas nas cidades à beira dos rios Purus e Solimões e se apresenta como "seu representante em Brasília". A transformação dos legisladores em despachantes de recursos é um dos efeitos do chamado "presidencialismo de coalizão" que marca a redemocratização do país, com o governante precisando formar maioria no Congresso a partir das dezenas de partidos existentes e seus caciques regionais.

O que era chamado de "baixo clero" pelos detratores e "centro democrático" por seus integrantes nos anos 1980 ficou conhecido recentemente como "blocão" ou "centrão", apesar de estar mais para a direita no espectro político. O grupo deixou de ser coadjuvante e virou protagonista desde a queda de Dilma até a ascensão de Bolsonaro. Nas eleições de 2022, a tática foi triplicar a quantidade de candidatos do bloco em relação à 2018 para dominar a Câmara.

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Diante do mercado municipal, pescadores autônomos vendem peixes mesmo com cartaz de proibição
Imagem: Caio Guatelli/UOL

O cartão postal de Lábrea é sua praça central, com a igreja e a imagem gigante para Nossa Senhora de Nazaré, a padroeira local, e uma fonte decorada com reproduções de tucunarés. Nela, José Coelho, 47, estava restaurando a escultura do peixe símbolo da região.

"Minha família é toda Lula, porque ele ajudou muito a educação. Meu filho, minha nora e meu irmão conseguiram fazer faculdade na época dele", conta o escultor. "E votamos sempre no Átila, porque ele conseguiu um emprego público para minha mãe quando eu era moleque", se explica e mostra algumas das razões por trás do mosaico eleitoral brasileiro.

* xiri é uma palavra de origem indígena para denominar a genitália feminina