'Praça da Saudade': avó faz memorial para neto que morreu aos 4 anos no RN
Às vezes Terezinha Marques, 83, acorda de madrugada e vai para a porta de casa que dá direto para a rua, em Mossoró (RN). A poucos metros, vê a Praça da Saudade, um antigo descampado que era repleto de lixo e foi restaurado por ela, em homenagem ao neto falecido, Robson Domingos, o Robinho. "Fico olhando para a praça, acho linda. Com aquela dor, mas acho linda", diz.
Robinho, 4, faleceu em 2016, de parada respiratória após uma pneumonia. Do lixo à lembrança, a praça é uma forma de manter viva a memória da criança.
A Saudade é simples, mas cuidada com carinho por Terezinha. O chão de terra batida foi cimentado e pintado de verde. Uma pequena cerca colorida delimita a área, que hoje tem brinquedos (entre eles, carrinhos de Robinho), flores, um pisca-pisca e esculturas artesanais de aves e uma Nossa Senhora de Guadalupe. Outros objetos de plástico, ressecados pelo tempo, são trocados com doações de novos brinquedos de crianças do bairro.
Uma espécie de memorial, a praça foi ideia da mãe do garoto Robinho, a faxineira Reliene Martins, 39, que se incomodava com a sujeira e quis enfeitar a área com pneus. Contou para a mãe e juntas, em 2019, foram adicionando decorações até ela se tornar o que é hoje. O próximo passo é acrescentar uma placa "Praça da Saudade", demarcando o nome de Robinho.
"Ele era um menino bom. [A] todo mundo que passava na rua, ele dizia: 'bom dia, como a senhora está?', 'dormiu bem?' Todo mundo era amigo dele", lembra Terezinha, que era carinhosamente chamada de "mamãe Tetê" pelo neto. Ela também tratava o neto como filho. "Na morte do meu filho, eu me isolei", diz. "Nesse pátio não cabia mais ninguém, porque ele era amigo de todo mundo", acrescenta, referindo-se ao velório realizado na sua casa.
"Meu mundo desabou, até hoje não tenho alegria nenhuma", conta Reliene. "Ele veio, passou quatro anos com a gente, plantou a sementinha do amor, e Deus foi e levou."
Além de Robson, Terezinha perdeu a irmã Alzira por um AVC e o filho Paulo por covid-19 (Paulo e Reliene foram adotados — ele, aos 18 dias; ela, assim que nasceu). "Não sou muito feliz por causa dessas perdas", diz Terezinha, uma senhora simpática e altiva, que demonstra disposição apesar das cicatrizes da vida.
Saudade também é festa
Para que Robinho não seja esquecido, a praça também é ponto para festa. No Natal de 2021, abrigou comemorações de fim de ano para as crianças do bairro. No 1º de Maio de 2022 (feriado e um dia após o aniversário de Robson), também. A terceira festa será na quinta-feira (22). Na casa de Terezinha já há diversas guloseimas, que serão guardadas em lancheiras para o dia especial com pula-pula, pipoqueira, fogos, balões e bolo.
"Faço de conta que, para mim, Robinho está ali naquele momento, brincando com as crianças, porque se ele estivesse aqui estaria com a turma", afirma Reniele.
Vizinhos lembram com carinho da criança que brincava pela rua Dom Hélder Câmara. "Robson deixou um legado. A todo momento ele está com a gente, porque a lembrança está viva nos corações da gente", diz a dona de casa Jaíra Azevedo, 72. "Ele nos surpreendia. Chegava lá em casa e conversava com meu pai como se fosse um adulto, de igual pra igual", acrescenta o radialista Rosano Azevedo, 47, filho de Jaíra.
Na casa de Terezinha, vivem ela, a filha Reliene, o genro Edson e outra familiar, também idosa. Lá, tudo é branco, a porta, o portão de ferro da entrada, as cerâmicas. Na sala, há um pôster de Robinho, num fundo de estúdio também branco.
Aposentada, a avó vive do salário mínimo que recebe do INSS e complementa a renda com doces que faz para vender (canjica, goiaba com leite, mamão com coco, entre outros) — o neto não se furtava de experimentar os quitutes. "O fraco dele era canjica", conta Reliene. "Ele dizia: 'Mamãe Tetê, faça canjica pra mim'. E eu respondia: 'Vou fazer, meu filho'", acrescenta Terezinha.
Reliene sempre quis ser mãe e ainda pensa se gostaria de ter outro filho, enquanto busca formas de amenizar a dor do luto. "Tá na mão do Senhor. No dia que Deus quiser mandar, né?", diz. "Às vezes até digo: se caso Deus me der outro, será que eu vou amar do mesmo jeito? Porque para mim ele era único."
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