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'Ele dorme na minha cama': o passeador de cães que cria um miniporco no Rio

José Luís García posa com sua matilha: onze cães e um miniporco - Eduardo Wolff/UOL
José Luís García posa com sua matilha: onze cães e um miniporco Imagem: Eduardo Wolff/UOL

Eduardo Wolff

Colaboração para o TAB, do Rio

23/07/2023 04h00

Quando escuta seu nome, Pablo sai correndo a passinhos curtos na direção de onde está sendo chamado. Ele senta se a ordem é sentar, usa coleira quando dá suas caminhadas na rua e nem se incomoda com a companhia dos cães. Para ser um deles, aliás, só falta latir. Pablo de Arrascaeta, de 7 meses, é um miniporco e o xodó de José Luís García, 40.

"Ele dorme na minha cama", conta García. Uruguaio como o jogador do Flamengo que inspirou o nome do pet (o meia Giorgian de Arrascaeta), ele mora no Rio de Janeiro desde 2013 e também é tutor do vira-lata Pepe e da buldogue Dóris, ambos com seis anos.

Apaixonado por animais, trabalha como adestrador e passeador, além de cuidar dos bichos que ficam hospedados no hotel para cães que mantém em sua casa, no bairro de Santa Teresa. Para que não restem dúvidas: não é vegetariano, mas não come carne de porco.

Os passeios que García faz com Pepe e Dóris — e ocasionais hóspedes e cachorros em processo de adestramento — contam com a companhia de Pablo. Por isso, o porquinho vem sendo notado pelas ruas do Rio. Foi assim em uma manhã de julho, quando o trio encontrou outros nove cães para aproveitar o sol em um parque público reservado para animais na Glória, na zona central da cidade.

Choque visual

No caminho entre a casa e o parque, é possível ter uma amostra do efeito que um homem passeando com 11 cães e um miniporco causa nas pessoas. São dois momentos de surpresa. O primeiro por causa da quantidade de bichos. Depois, por causa da presença do porquinho misturado à trupe.

Na vizinhança, Pablo já é conhecido. No parque, fãs do porco aparecem para tirar fotos. Essa história começou em fevereiro, quando Pablo chegou à casa de García com um mês de vida. "Me apaixonei pelo porco antes de ele vir", assume. Porcos são considerados animais domésticos pelo Ibama. Por isso, seus tutores ficam isentos de regulamentação junto ao órgão.

O porquinho Pablo foi comprado de um criador por cerca de R$ 2.000, mais as taxas de transporte. "Meu desejo de ter um porco era grande, sabendo que ele está entre os 10 animais mais inteligentes", explica.

Sites especializados costumam colocar porcos ao lado de golfinhos, polvos e, claro, cachorros em listas de animais mais inteligentes. Um estudo de 2015, publicado na revista científica International Journal of Comparative Psychology, confirma a inteligência dos suínos e mostra que eles são tão espertos quanto cães e chimpanzés. Além de uma excelente memória, são capazes de ter noções de espaço e tempo, entre outras características. O porco virou sinônimo de imundície por uma dessas injustiças da vida.

Com uma alimentação à base de legumes e frutas, Pablo também se alimenta de ração. García guarda na geladeira potes com abóbora, abobrinha, batata-doce, entre outros vegetais, tudo já cortado. No parque, quando uma manga cai de uma árvore, o adestrador pula a cerca (pouco menos de 1,5 metro) e pega a fruta para Pablo. Mais tarde, já em casa, o porquinho se delicia com uma banana, com casca e tudo.

Pablo de Arrascaeta tem 7 meses, usa coleira e não se incomoda com a presença de outros animais - Eduardo Wolff/UOL - Eduardo Wolff/UOL
Pablo de Arrascaeta tem 7 meses, usa coleira e não se incomoda com a presença de outros animais
Imagem: Eduardo Wolff/UOL

Brasil depois de uma desilusão

José Luís García nasceu em Montevidéu, cidade onde morou até 2011. Foi uma desilusão amorosa que o fez deixar a terra natal para trás. "Sofri pra caramba", recorda-se. Na época, trabalhava como garçom em um restaurante do shopping Punta Carretas, um dos mais famosos da capital uruguaia. Foi em uma conversa com um funcionário do consulado brasileiro que a opção de mudar de país apareceu. "A referência que eu tinha do Brasil era do Sambódromo e das novelas", lembra.

García acatou a sugestão e trocou a "rambla" do rio da Prata pelas praias de Florianópolis. "Morei um ano e meio lá e aprendi a falar português. Mas meu destino era aqui." No Rio, trabalhou com garçom e chegou a gerente e maître de restaurante badalado. Até então, os animais em sua vida eram apenas uma memória da casa da avó.

Em maio de 2015, as coisas se transformaram, a partir de uma trilha. García e a ex-esposa estavam subindo com um grupo de estrangeiros o caminho que leva à Pedra Bonita, em São Conrado, quando viram uma cachorra que fazia o mesmo caminho, perdida e sozinha.

Na descida de 30 minutos, começou a cair um temporal. García decidiu então levar a cachorra no colo. Sem coleira, ficaria complicado levá-la para casa — ela pesava 16 kg. Acabaram ganhando uma carona de um casal que encontraram no passeio. "Fui na primeira pet shop que vi, comprei uma coleira e comecei a cuidar dela."

No prédio de quitinetes em que morava, não eram permitidos animais de estimação. Ele negociou uma brecha com o proprietário e disse que o abrigo para a cadelinha seria temporário. Cinco dias depois do encontro, García trocou de casa, encarando um aluguel que custava o dobro. Ele e a cachorra, que ganhou o nome de Linda, nunca mais se separaram. Viveram juntos quase sete anos até que ela faleceu em 2021, por causa de uma doença degenerativa. "Essa história está aqui", diz Garcia apontando a tatuagem de Linda no braço esquerdo.

Cachorra que mudou a relação de García com os animais, Linda virou tatuagem no braço esquerdo do adestrador - Eduardo Wolff/UOL - Eduardo Wolff/UOL
Cachorra que mudou a relação de García com os animais, Linda virou tatuagem no braço esquerdo do adestrador
Imagem: Eduardo Wolff/UOL

Cães e porcos

Logo depois do encontro com Linda, ficou desempregado. De viagem marcada para o Uruguai, García precisava de alguém que cuidasse da nova moradora. Ela acabou ficando com uma passeadora de cães. Foi ela quem sugeriu que ele tentasse a profissão, já que também gostava de animais. "Entregava cartão de visita na rua para todo mundo que tinha cachorro. Comecei a crescer e em menos de um ano estava com quatro funcionários."

Depois, vieram os cursos de adestramento. Aumentou sua rede de contatos, conheceu outros adestradores Brasil afora e se tornou um admirador do trabalho do mexicano Cesar Millan, conhecido mundialmente.

Em suas redes sociais, García mostra a mudança de comportamento de cães agressivos em tempo real, só fazendo ajustes na maneira de tratá-los. Um dos métodos usados é o passeio em matilha. "É como nós, humanos. Se estamos sozinhos, ficamos mais medrosos. Se estamos em grupo, a situação é outra", compara.

Pablo é conhecido na vizinhança, e García chama atenção por onde passa pela quantidade de cães e também pela presença do porquinho - Eduardo Wolff/UOL - Eduardo Wolff/UOL
Imagem: Eduardo Wolff/UOL

García também usa uma esteira para descontrair cães tensos e medrosos, faz questão de tirar os animais de seus lares para estimular o convívio com outros cachorros e ainda conta com a ajuda de Pablo. "Comprei com a intenção de que ele me ajudaria a reabilitar cães."

Nas duas contas que mantém no Instagram, García costuma receber críticas, como é comum nas redes sociais. Às vezes, os haters dão as caras pessoalmente. No parque, a tutora de um husky siberiano não gostou de ver García com seu time. Eles acabaram discutindo. Ela argumentava que o passeador não poderia usar um parque público como espaço de seu ganha-pão.

"Essas pessoas são covardes. Tenho que segurar a bronca por causa de pessoas que me expõem de forma pública como se eu estivesse cometendo um crime", defende-se.

Ao longo do passeio, o mal-estar se dissipa — ele continua distribuindo cartões de visita, como fazia quando começou. As críticas ficam de lado quando uma jovem interrompe o bando para perguntar: "Esse é o Pablo de Arrascaeta?"