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Salvos na maior operação de resgate do PR, mais de 100 cães esperam adoção

Rafaela Zattera, 30, e João Henrique Carvalho, 34, com o cachorro Oreo, em Curitiba - Vinicius Konchinski/UOL
Rafaela Zattera, 30, e João Henrique Carvalho, 34, com o cachorro Oreo, em Curitiba
Imagem: Vinicius Konchinski/UOL

Vinicius Konchinski

Colaboração para o TAB, de Curitiba

10/02/2023 04h01

Oreo está em casa. Olhando rápido, até lembra um border collie, mas, na verdade, é um vira-lata de porte médio, branco com manchas e pintas pretas pelo corpo. Tem entre quatro e cinco anos, um perfil no Instagram (@MascoteOreo) e uma saga difícil de imaginar a julgar por suas fotos felizes debruçado no sofá de um apartamento no Bacacheri, bairro nobre de Curitiba.

"É a cama dele", diz a analista financeira Rafaela Zattera, 30, tutora de Oreo. "Não tem o que faça ele dormir em outro lugar." Dias antes de se apossar do móvel de Rafaela, entretanto, ele dormia num canil clandestino. Vivia aprisionado num cubículo sujo cercado por grades. Mal tinha o que comer.

Oreo foi adotado por Rafaela e o marido, o administrador João Henrique de Carvalho, 34. Tornou-se quase que o filho único do casal.

Ninguém sabe quanto tempo ele viveu no canil até ser resgatado pela Polícia Civil do Paraná naquela que é considerada a maior operação de combate a maus-tratos de animais já realizada no estado. Oreo era um dos 200 cães que Maria Inês Demeterco, 64, aprisionava num terreno no São Lourenço, outro bairro nobre curitibano. Ela foi presa em flagrante.

'Situação deplorável'

Foi na manhã da quinta-feira 19 de janeiro, antes das 8h, que os policiais encontraram situações escatológicas vasculhando o espaço de Maria Inês. Em pequenas jaulas de pouco mais de 1 m² viviam um ou mais cães em meio às suas próprias fezes. Por falta de comida, os animais chegavam a comê-las. O que sobrava acumulava-se no chão: era tanto cocô que eles formavam uma camada espessa de dejetos sobre a qual os bichos (Oreo entre eles) caminhavam.

Polícia Civil do Paraná deflagrou operação para resgatar 300 cães em situação de maus-tratos em Curitiba - PCPR/Divulgação - PCPR/Divulgação
Polícia Civil do Paraná deflagrou operação para resgatar centenas de cães em Curitiba
Imagem: PCPR/Divulgação

Lá foram encontrados, inclusive, animais que nem sequer conseguiam caminhar. Estavam presos em caixas para transporte há tanto tempo que seus músculos haviam atrofiado.

Também foram encontrados animais mortos - alguns, com os corpos parcialmente desfigurados porque haviam sido comidos pelos sobreviventes. "Essa situação foi a que mais me chocou", conta a empresária Carla Negochadle, 56, presidente do Instituto Fica Comigo, que acompanhou a operação da Polícia Civil.

Maria Inês foi detida por maltratar os bichos, o que é considerado crime ambiental. Foi solta no dia seguinte, e disse à imprensa que recolhia animais "por amor" e que por dificuldades financeiras não conseguia cuidar direito deles. O MP-PR (Ministério Público do Paraná) a denunciou à Justiça, que acatou a acusação — a ação diz que a ré mantinha os animais "em situação deplorável de higiene, saúde e alimentação" e ainda "promovia o recolhimento de novos animais, mesmo ciente da situação precária em que os mantinha".

O caso era conhecido no bairro. Várias vezes, vizinhos denunciaram maus-tratos no canil clandestino de Maria Inês, que já havia sido processada pelo mesmo motivo, em 2010. Isso, contudo, não a impediu de recolher e enjaular mais bichos ao longo de mais de dez anos. Outros 27 animais (14 cães de 13 gatos) foram resgatados pela polícia num segundo imóvel da idosa em Curitiba. O TAB não conseguiu contato com a defesa dela.

Carla Negochadle, 56, presidente do Instituto Fica Comigo, no canil encampado pela entidade em Curitiba - Vinicius Konchinski/UOL - Vinicius Konchinski/UOL
Carla Negochadle, 56, presidente do Instituto Fica Comigo, no canil encampado pela entidade em Curitiba
Imagem: Vinicius Konchinski/UOL

Mutirão voluntário

O antigo canil no São Lourenço foi tomado por agentes da Delegacia de Proteção ao Meio Ambiente, após reuniões entre representantes da Prefeitura de Curitiba, da Justiça e da Polícia Civil.

Apesar das condições do espaço, já se sabia que não haveria outro endereço para abrigar os cães e gatos resgatados. Ainda no planejamento da ação, ficou definido que caberia a Carla Negochadle e aos voluntários do Instituto Fica Comigo (que trabalha com adoções) assumir o imóvel e tomar conta dos animais.

"Fizemos um mutirão", diz Carla ao TAB, caminhando no terreno do canil duas semanas após o resgate. "Limpamos muita coisa. Estamos tratando dos animais. Construindo novos espaços para eles poderem caminhar."

Grasiela Martins, 41, voluntário de canil em Curitiba - Vinicius Konchinski/UOL - Vinicius Konchinski/UOL
'Fiquei sem dormir quando vi a notícia', diz a voluntária Grasiela Martins, 41
Imagem: Vinicius Konchinski/UOL

O caso do canil clandestino repercutiu na mídia paranaense. Isso, segundo Carla, atraiu muitos interessados em ajudar, o que facilitou o trabalho — embora ainda esteja longe de terminar, pondera. "Vai uns dois anos", estima ela, para destinar todos os animais resgatados a novos lares.

Até o fim de quarta-feira (8), só 37 haviam sido adotados. Outros 36 haviam sido levados a casas de parceiros da entidade ("esses cachorros mais velhos, que vão ser cuidados por nós até o fim da vida", explica). Todos os gatos resgatados ainda estão em tratamento e não podem ser adotados.

"Os cachorros que ainda estão aqui só precisam de carinho, de amor", complementa. "As pessoas acabam indo aos pet shops porque querem um cachorro novinho, branquinho, peludinho. Mas isso é burrice. Esses cachorros estão até mais saudáveis do que esses filhotes 'fabricados' para serem vendidos."

Rafaela Zattera, 30, e João Henrique Carvalho, 34, com o cachorro Oreo, em Curitiba - Vinicius Konchinski/UOL - Vinicius Konchinski/UOL
'Nós mudamos a vida dele, mas ele também mudou a nossa. Estamos unidos por ele'
Imagem: Vinicius Konchinski/UOL

'Adotado' pelo cão

Rafaela Zattera e João Henrique de Carvalho souberam do resgate dos animais pelo perfil do Instituto Fica Comigo no Instagram. Comoveram-se e decidiram ir ajudar.

No domingo 22 de janeiro, visitaram o antigo canil clandestino para fazer o que fosse preciso. "Limpei muito côco, carpi mato do terreno, fiz de tudo", lembra João. Na segunda-feira, ele resolveu voltar ao local com a esposa para mais um dia de trabalho voluntário. Foi aí que notou que Oreo parecia já ter lhe "adotado" como "pai".

"Eu passava em frente aos cachorros e ele se aproximava. Era o único que fazia isso", conta. "Entrei na jaula, fiz carinho. Ele parecia que queria vir com a gente. Adotamos."

"Ele é parte da nossa família", acrescenta Rafaela. "Tudo o que fazemos agora inclui um tempo para o Oreo, para o passeio dele. Nós mudamos a vida dele, demos a ele uma segunda chance, mas ele também mudou a nossa. Estamos unidos por ele."