'Despejados da pandemia' vivem na rua, sem renda ou auxílio-aluguel em SP
Entre amigos e familiares, Aldenira de Aguiar Amarante, 51, é mais conhecida por Sorriso, já que sempre estampa simpatia no rosto. Entretanto, a situação que vive hoje não dá muitos motivos para continuar sorrindo.
Ela viveu uma das situações mais dramáticas de sua vida em setembro de 2022: sua casa de alvenaria seria derrubada, avisaram-na de repente, e ela foi despejada. "Foi muito triste. Tive uma crise de choro, mas tive que sair. Lembro das máquinas derrubando minha casa enquanto caíam lágrimas."
Sorriso vivia na Terra de Deus, ocupação formada por mais de mil famílias, de acordo com líderes comunitários. Antes, morava em Parelheiros, também na zona sul de São Paulo, onde pagava R$ 800 de aluguel. Ouviu dizer que podia comprar um pedaço de terra por R$ 6.000 na ocupação, fez um empréstimo no banco, arrematou o terreno e ergueu uma casa para viver com o companheiro e os dois filhos.
Por 24 meses, a situação ficou estável, apesar da falta de saneamento básico e outras dificuldades enfrentadas pelos moradores. Depois, a área foi comprada pela Prefeitura de São Paulo, a fim de construir conjuntos habitacionais ali no prazo de dois anos. A família teve de esvaziar a casa.
Ela diz que a vida continua difícil. Recebendo auxílio aluguel de R$ 400 da Prefeitura, alugou uma casa e vive de trabalhos informais, mas precisa contar com a ajuda de amigos para ter o que comer. Nas últimas semanas, o TAB ouviu dezenas de relatos de quem ficou desabrigado devido a reintegrações de posse e despejos desde o início da pandemia de covid-19.
'Esquecidos'
Muitos moradores não puderam ficar em casa nem no auge da pandemia. Na verdade, perderam o teto que tinham. Foi nessa época que movimentos sociais iniciaram a campanha Despejo Zero para acompanhar a situação no Brasil.
Apesar das articulações, ao menos 64 remoções ocorreram na região metropolitana de São Paulo entre abril de 2020 e março de 2022, indica o Observatório das Remoções, ligado à Faculdade de Arquitetura e Urbanismo da Universidade de São Paulo. Ao menos 6.238 famílias foram impactadas em diferentes áreas da cidade.
Em outubro de 2021, foi aprovada a Lei nº 14.216, que suspendia despejos no país até o fim da pandemia. Entretanto, centenas de pessoas foram desalojadas enquanto a diretriz ainda estava em vigor, até outubro de 2022. Foi o caso das famílias que viviam na ocupação Conjunto Habitacional do Pequiá, em Carapicuíba, Grande São Paulo.
A técnica Paula Joana, 33, diz que saiu após uma reintegração de posse "pacífica", mas muito triste, em março de 2022. "Lembro de injustiças, mas a que mais me deixou sem chão foi sair em plena pandemia", cita. "Tentamos recorrer. Questionamos a falta de suporte de famílias que ainda não tinham recebido o bolsa aluguel da habitação ou que estavam com quadro de vulnerabilidade, mas nada adiantou."
Das 50 famílias desalojadas, Paula foi uma das poucas a conseguir o auxílio aluguel, no valor de R$ 420, cerca de um mês depois de sair da ocupação. Entretanto, para poder pagar o aluguel atual, precisaria de mais R$ 130, sem contar luz, água e outras despesas domésticas. "Estamos esquecidos", diz ela, que critica a falta de informação e de assistência da Secretaria de Habitação de Carapicuíba — procurada, a prefeitura não respondeu especificamente a essas críticas.
Nas ruas
No Jardim Keralux, extremo leste da cidade de São Paulo, vive a auxiliar de limpeza Ângela de Souza Araújo, 39, ex-moradora da ocupação Elizabeth 2, perto de onde mora hoje. Ela morava em uma área considerada de risco de desabamento e tinha solicitado uma vistoria da Defesa Civil.
Depois de meses, eles fizeram uma visita e informaram que ela deveria sair dali, com os quatro filhos, em questão de dias, em fevereiro de 2022. Trabalhando na hora, ficou sabendo da notícia por telefone. "Retiramos tudo e fomos para casa da minha mãe, mas ela é mais velha e eu tenho um filho com deficiência física", relata. "Fiquei totalmente desamparada."
Hoje, Ângela diz que sofre de depressão e ansiedade. Ela relata que buscou ajuda na Subprefeitura de São Mateus, pois, como foi despejada de uma área de risco, teria direito a auxílio aluguel. "Fiquei mais de um ano indo sempre na subprefeitura com documentos, mas nenhuma resposta ainda."
O impacto dos despejos também é visível nas ruas, onde é cada vez mais comum ver famílias inteiras debaixo de viadutos e marquises. Nos arredores de Heliópolis, na zona sul de São Paulo, o Observatório de Olho na Quebrada identificou que a população na rua aumentou 182%.
As moradias improvisadas no "fundão" do Ipiranga dispararam 1.168%, segundo os dados. Pessoas negras foram as mais atingidas — 52% dos que vivem nas ruas dali. "Todas essas violências perpassam uma produção racista do espaço da cidade. A ação de despejo simboliza a brutalidade contra mulheres negras, mães solos, idosos e crianças", comenta a geógrafa Karina Malachias Domingos dos Santos, 25.
Procurados, o Governo do Estado de São Paulo e a Prefeitura de São Paulo alegam que não participaram de ações de desocupação ou remoção coletiva de imóveis privados ou públicos promovidas pelo Poder Judiciário. A Prefeitura de Carapicuíba também disse que respeitou a decisão federal que suspendia despejos.
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