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'Tem que chacoalhar a polícia', diz Ivalda Aleixo, nova chefe do DHPP de SP

Delegada Ivalda Aleixo, nova chefe do DHPP de São Paulo - André Porto/UOL
Delegada Ivalda Aleixo, nova chefe do DHPP de São Paulo
Imagem: André Porto/UOL

Claudia Castelo Branco

Colaboração para o TAB, de São Paulo

06/02/2023 04h01

No fim de janeiro, um senhor de ascendência libanesa de cerca de 80 anos subiu ao quinto andar do Palácio da Polícia Civil, no centro de São Paulo, disposto a esperar: queria cumprimentar a delegada Ivalda Aleixo, 57, nova chefe do DHPP (Departamento Estadual de Homicídios e Proteção à Pessoa) e agradecê-la pela dedicação que deu a um caso envolvendo um filho seu. "É minha função, não tem nada que agradecer", respondeu ela, firme, mas gentil.

Desde 4 de janeiro no novo cargo, a delegada comandou 84 operações só no ano passado — um dos casos que lhe tirou o sono foi o assassinato do ator Rafael Miguel, em junho de 2019; foi ela quem prendeu Paulo Cupertino, o principal suspeito do crime, em maio de 2022.

Ivalda ainda não está 100% à vontade na sua sala no quinto andar — os móveis antigos, insinuou, lembram um museu. Também há corujas decorativas nas paredes, simbolizando sabedoria e "olhos sempre abertos". A diretora pretende substituí-las por versões mais modernas. "Já lidamos com morte, não precisa ter cara de funerária."

Desde que assumiu a chefia, a diretora vem sendo procurada por muitas delegadas que querem integrar o departamento. Juliana Menezes, 37, foi uma delas — no dia 24 de janeiro, elas se encontraram para conversar pela primeira vez. Ivalda gostou do perfil.

"Gente nova, com tesão no trabalho. A polícia é assim, é como um relacionamento. Tem que dar uma chacoalhada às vezes", diz Ivalda, que carrega no pescoço cordões com pingentes diversos, da divindade da umbanda Oxossi a símbolo esotérico da Cabala; nos braços, pulseiras do designer Guerreiro. Tem a fórmula H2O tatuada no braço, uma referência ao provérbio "carregar água no cesto". Recentemente, conta, foi procurada por um produtor que quer fazer uma série documental sobre ela.

À frente das investigações de homicídios e proteção à pessoa, liderando cerca de 410 profissionais no prédio tombado, ela diz que quer ligar os pontos, ter uma ideia "macro" do que acontece, "o modus operandi" dos crimes. A nova diretora também tem um olhar especial para feminicídios, principalmente fruto de violência dentro de casa: "Sem informação, talvez se ache normal levar um tapa porque alguém disse que 'é normal, é assim mesmo'. Normal é o caramba. Isso tem que acabar". Desde que chegou, cita, o DHPP já resolveu dois feminicídios que estavam parados.

Delegada Ivalda Oliveira Aleixo, nova chefe do DHPP de SP - André Porto/UOL - André Porto/UOL
Ivalda quebrou o pé, operou e, dias depois, locomovendo-se de patinete, prendeu 20 suspeitos
Imagem: André Porto/UOL

'Bad news'

"Ivalda é excepcional. Teve dia que prendeu 20 de patinete. Está no cargo por mérito", elogiou o jornalista José Luiz Datena, no Brasil Urgente, da Band. Era 2 de fevereiro e o DHPP tinha prendido um dos acusados pela morte de Anselmo Becheli, 38, conhecido como Cara Preta, do PCC.

A história do patinete é famosa entre policiais. "Uma vez pulou um muro numa operação e quebrou o pé. No dia seguinte estava trabalhando como se nada tivesse acontecido", lembra o delegado Osvaldo Nico Gonçalves, 65, secretário executivo da Secretaria de Segurança Pública de São Paulo.

O acidente aconteceu por volta das 6h de 3 de agosto de 2022, mas Ivalda só foi para o pronto-socorro às 19h14. Ela diz que tem alta tolerância à dor e ia deixar para lá, até que Rogério Ross, 53, o chefe dos investigadores conhecido como Pardal, olhou para a perna dela e disse: "Bad news". Todo mundo confia no olho de Pardal — "é do tipo que olha um carro e diz 'esse modelo é de 2020, mas essa placa é de 1989'", exemplifica Ivalda.

Após passar pelo pronto-socorro, ela foi operada em uma sexta-feira; no sábado, teve alta, mas com uma recomendação médica de afastamento de 45 dias; no domingo, começou a atormentar amigos pois queria voltar a trabalhar; na segunda, ligou para Nico e lhe pediu emprestado um patinete, "aquele modelo da Mariana Becker [repórter da Band]".

Não demorou muito, e ela recebeu uma unidade, iluminada e adesivada com o logo da Policia Civil e, dois dias depois, coordenou uma mega-operação com 105 policiais — 20 suspeitos foram presos. "[Ela é] uma explosão", diz Nico. "Foi a que mais prendeu aqui em São Paulo." Entre 2019 e 2022, foram 2.445 prisões, entre flagrantes e mandados de prisão.

Ivalda lhe devolveu o patinete no último 23 de janeiro.

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À frente das investigações de homicídios, a delegada comanda cerca de 410 profissionais
Imagem: André Porto/UOL

De Arlequina a Zidane

Filha de um veterinário e de uma costureira, a delegada nasceu e cresceu em Piraju, no interior de São Paulo. "O primeiro lugar do Brasil a receber energia elétrica", brinca, a sério: de fato, a cidadezinha de 29 mil habitantes foi a primeira a ter luz elétrica, em 1912, pois foi instalada uma usina na Fazenda Boa Vista, a 15 km dali. Sempre que pode, traz a cidade para a conversa. "Um chefe do setor de 'natalidade' com sete filhos. Só em Piraju tem essas coisas."

Aos 17, Ivalda foi estudar computação em São Paulo; depois, emendou um curso de direito e, em 1994, entrou na polícia. "Ligava para minha mãe todo dia pra avisar que estava viva. Suas orações me protegeram por muito tempo", recorda ela, que é capaz de passar horas contando causos de infância e lembranças da mãe, que morreu em 2015. Também ficou na memória o primeiro plantão que fez. Era noite e uma mulher havia sido estuprada e morta a pauladas na nuca. "Como se explica isso para uma mãe, um pai?", pergunta-se desde então.

"Vê se tá na 'desaparecidos' ou na 'anti-sequestro'", de repente a delegada diz, coordenando os investigadores. Segundo ela, às vezes a resposta de um crime não é um fim, mas um começo. "Você pode encontrar uma situação de trabalho análogo à escravidão num lugar denunciado por falta de higiene", exemplifica.

Entre um caso e outro, dizem que a delegada lê muito ("A marcha da insensatez", da historiadora americana Barbara W. Tuchman, e "Por que os homens matam", do autor alemão Frank Arnau, estão entre os livros dispostos na mesa de sua sala), não para, faz perguntas repentinas aos investigadores e lança comentários aleatórios ("não vou ficar aqui olhando coruja na parede", o TAB ouviu certa vez, ao fim de uma conversa dela com o delegado-adjunto Marcus Lacerda, 58).

Na mesa, também há bonequinhos, entre eles, um da Arlequina, anti-heroína da DC Comics, e um do ex-jogador francês Zinedine Zidane. "Sabe por quê?", perguntou a delegada. A reportagem sabia: nos corredores, os policiais lembraram outra história protagonizada por ela. "A vez que Ivalda deu uma cabeçada num assediador. Fica entre nós."

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Imagem: André Porto/UOL