Topo

'Davi x Golias': a campanha do Sleeping Giants Brasil contra a Jovem Pan

Mayara Stelle e Leonardo Leal, fundadores do Sleeping Giants Brasil - Henry Milleo/UOL
Mayara Stelle e Leonardo Leal, fundadores do Sleeping Giants Brasil
Imagem: Henry Milleo/UOL

Do TAB, em São Paulo

16/01/2023 04h00

Na madrugada de 18 de maio de 2020, Leonardo Leal, 22 à época, estava insone. Perdeu umas horas no videogame e foi zapear o Twitter. Na timeline, viu a reportagem do jornal espanhol El País que contava como o publicitário norte-americano Matt Rivitz, de então 48, conseguiu drenar recursos da extrema direita ao alertar empresas de que seus anúncios estavam em mídias divulgadoras de fake news.

Era o perfil @slpng_giants, aberto em novembro de 2016, que hoje tem 311 mil seguidores. No Brasil, alguém abriu o @slpng_giants_br, em fevereiro de 2017, mas a conta não era ativa. Leonardo resolveu criar o @slpng_giants_pt (referência ao idioma, português, abreviado como PT). Nem dormiu. De manhã, acordou a namorada, Mayara Stelle, que também tinha 22: a noite lhe despertou a ideia de transformar seu TCC no curso de direito na UEPG (Universidade Estadual de Ponta Grossa), no Paraná, focado nos citados na CPMI das Fake News, no Sleeping Giants Brasil, que hoje conta 555 mil seguidores no Twitter e 272 mil no Instagram. O perfil lidera a campanha que pede a desmonetização de anúncios da Jovem Pan.

"Não podia imaginar que o Sleeping se tornaria o que se tornou", Leonardo diria dois anos e sete meses depois, no fim de dezembro, em Brasília. Às vésperas da posse de Luiz Inácio Lula da Silva (PT), Leonardo e Mayara passavam uma breve temporada na capital federal. Durante o governo de Jair Bolsonaro (PL), lembra, foi aprovada uma medida que alterou o Marco Civil da Internet, dificultando para plataformas como Facebook e YouTube a derrubada de perfis e posts que violem suas regras. "A partir daí, a gente entendeu que era importante ter movimentação política em torno dos nossos interesses, a discussão sobre fake news e discurso de ódio", conta. "O Sleeping precisa ter uma presença maior em Brasília."

Dias antes, o Brasil foi eliminado da Copa do Mundo do Qatar, e Lula foi diplomado em Brasília. As atenções, pensou Leonardo, se voltariam mais uma vez para a política. "É o melhor momento para a campanha [de desmonetização] da Jovem Pan", disse à época. "Se a gente não fizer agora, o Brasil vai ter um 'Capitólio'." Foi assim que, em 21 de dezembro, eles passaram a publicar posts alertando anunciantes.

Dias depois, em 8 de janeiro, um "Capitólio" aconteceria em Brasília — e a Jovem Pan é hoje alvo de investigação do Ministério Público Federal por difundir fake news e incitar atos golpistas. Procurado, o grupo não se manifestou. Das "batalhas", a contra a Jovem Pan "é a maior", diz Leonardo. "É a campanha mais importante — e a gente esperou por muito tempo [por ela]."

Leonardo Leal e Mayara Stelle, fundadores do Sleeping Giants Brasil - Henry Milleo/UOL - Henry Milleo/UOL
'É a campanha mais importante -- e a gente esperou por muito tempo [por ela]', dizem os fundadores
Imagem: Henry Milleo/UOL

'Despertar'

O Sleeping Giants Brasil monitora a Jovem Pan desde o primeiro dia em que o perfil do movimento surgiu. Mas, segundo Leonardo, eles ainda não tinham expertise e confiança o bastante para lançar uma campanha. Se foram alvo de processo por uma campanha individual contra Sikêra Jr., da RedeTV!, não tinham como enfrentar uma emissora como a Jovem Pan, pensaram. "Sempre foi Davi contra Golias", diz Leonardo, referindo-se à disputa desproporcional que tentam travar contra personalidades e veículos identificados como difusores de fake news — no caso, o gigante Golias da vez é o conglomerado de mídia paulista, fundado em 1944, responsável por rádio, TV e um streaming.

Eles então se surpreenderam quando pingou a notificação no Twitter de uma empresa do porte da TIM, no primeiro dia da campanha. "A TIM não está ligada a movimentos políticos nem compactua com disseminação de notícias falsas e discurso de ódio", dizia na noite de 21 de dezembro o tuíte da empresa, que de fato desativou anúncios, conforme informação confirmada pela assessoria de imprensa ao TAB.

Mais de 20 empresas responderam aos contatos do Sleeping Giants Brasil desde então, informando ou que revisariam peças publicitárias ou que desativaram imediatamente banners na Jovem Pan. A Amazon Brasil, por exemplo, publicou no Twitter que "não concorda com a propagação de fake news e já providenciou a retirada do anúncio" (a informação também foi confirmada pela reportagem junto à companhia).

Desde 2020, o Sleeping Giants Brasil contabiliza que impediu ao menos R$ 62 milhões de ir para sites e perfis famosos por disseminar discursos extremistas e antidemocráticos (um cálculo feito a partir do valor de arrecadação mensal interrompido, em estimativa de publicidade perdida a partir da média de acesso e visualizações dos veículos). Foram, nas contas do movimento, mais de mil empresas notificadas. Hoje, mais de 1.500 pessoas financiam o trabalho da organização, no chamado "Clube de Gigantes".

Entretanto, originalmente, os gigantes eram outros. A expressão, diz Leonardo, se refere a megaempresas "que estavam 'dormindo', patrocinando fake news", já que a modalidade de "mídia programática" é uma estratégia automatizada de anúncios (o que quer dizer que às vezes uma empresa pode não saber onde seu banner vai parar).

Humberto Ribeiro, o diretor jurídico do Sleeping Giants Brasil - Carlos Hauck/UOL - Carlos Hauck/UOL
Humberto Ribeiro, o diretor jurídico do Sleeping Giants Brasil
Imagem: Carlos Hauck/UOL

'May, Leo e Beto'

Leonardo e Mayara não eram especialistas de "mídia programática" quando iniciaram o Sleeping Giants Brasil. Namorados desde os tempos de colégio, em Ponta Grossa (PR), onde moram, eles ingressaram juntos no curso de direito. Então estudantes, ele era motorista de aplicativo e ela vendia produtos de maquiagem até a declaração da pandemia de covid-19. O que aprenderam, contam, foi na prática.

O primeiro "alvo" de uma campanha deles foi o site Jornal da Cidade Online, o que lhes rendeu um processo, movido pela página acusada de fake news na CPMI, pedindo a revelação de seus IPs, seus endereços na internet. Antes que sua identidade fosse revelada por outros, Leonardo e Mayara decidiram sair do anonimato e deram entrevista aos jornalistas Mônica Bergamo e Ivan Finotti, publicada no dia 12 de dezembro de 2020, na Folha de S.Paulo.

Após a entrevista, o casal quis passar um tempo fora do Paraná. Foram para o litoral paulista, onde se encontraram com o amigo advogado Humberto Ribeiro, 28, hoje diretor jurídico do Sleeping Giants Brasil. Leonardo diz que sua família recebeu ligações do blogueiro bolsonarista Oswaldo Eustáquio, investigado no inquérito das fake news e milícias digitais, e que por isso preferiram passar uma temporada fora, para esperar a poeira baixar.

Humberto Ribeiro, advogado, diretor jurídico do Sleeping Giants Brasil - Carlos Hauck/UOL - Carlos Hauck/UOL
De Belo Horizonte, o advogado participa do movimento desde o início, em 2020
Imagem: Carlos Hauck/UOL

Leonardo, Mayara e Humberto passaram o Réveillon 2020-2021 juntos. "A partir dali a gente começou a desenhar o Sleeping futuro", conta Mayara, em uma conversa por Google Meet a partir de Ponta Grossa. O trio passou a pensar a profissionalização e a institucionalização do movimento "para além de May, Leo e Beto", diz a bacharela — o casal se graduou em maio de 2022.

De Belo Horizonte, Humberto criou o perfil do Sleeping Giants Brasil no Instagram, independente da conta que o casal paranaense abriu no Twitter. Um acaso: eles não se conheciam e começaram a conversar por DM. Nem cinco dias depois, Humberto compartilhou a senha do Instagram com Leonardo e Mayara, e desde então eles trabalham juntos. Encontraram-se pessoalmente pela primeira vez para discutir estratégias de segurança após o caso do Jornal da Cidade Online, em São Paulo.

Enquanto o casal decidiu sair do anonimato com a entrevista à Folha, Humberto não quis se expor de uma vez. Até que Sikêra Jr. abriu um processo, por volta de junho de 2021, e descobriu informações do Instagram do Sleeping Giants Brasil.

"Era meu e-mail pessoal, dei mole", conta o advogado, que decidiu então se revelar, aos poucos, como diretor jurídico do movimento, que se institucionalizou como organização sem fins lucrativos, com CNPJ (cuja principal atividade é "de associações de defesa de direitos sociais"), estatuto e 10-20 integrantes divididos nos departamentos administrativo, financeiro, jurídico etc. — eles preferem não precisar o número, pois a equipe continua anônima para não se tornar alvo dos haters.

Leonardo Leal e Mayara Stelle, fundadores do Sleeping Giants Brasil - Henry Milleo/UOL - Henry Milleo/UOL
'Pensavam que o Sleeping era o Batman, na real a gente tá mais para Peter Parker'
Imagem: Henry Milleo/UOL

'Peter Parker'

Mayara às vezes sente saudade do anonimato, pois tinha mais liberdade. "Pensavam que o Sleeping era o 'Batman', com toda uma estrutura foda. E na real a gente tá mais para Peter Parker, o amigo da vizinhança", brinca. "A gente não é super-herói."

Mas o lado positivo de dar um rosto ao movimento, pondera, é poder dialogar mais abertamente com outras organizações. Eles fizeram uma "master class", por exemplo, na Miami Ad School, um curso de publicidade com unidades em São Paulo e no Rio. "Dá orgulho saber que o Sleeping surgiu de um TCC e hoje já deu entrevista a dezenas de acadêmicos."

O trio se dedica integralmente à instituição, cuja maior fonte de financiamento, segundo eles, é crowdfunding. Estão estudando estratégias de e-commerce e pensando produtos e serviços de consultoria. "É importante que esse trabalho seja sustentável e independente", diz Leonardo. O movimento cresceu, mas o trabalho ainda é "de formiguinha", define. O monitoramento é constante, exemplifica Mayara: as buscas são manuais, tudo é printado e vai para uma planilha, inclusive para acompanhar se as empresas que se comprometeram publicamente a desativar anúncios de fato desativaram.

"Hoje 100% é análise humana", conta Humberto, que também lidera o departamento de pesquisa, onde está sendo desenvolvido um código para agilizar o processo de análise de veículos frequentemente citados como difusores de fake news. "O Sleeping sempre vai seguir o dinheiro, no sentido de ir atrás de quem está ganhando [com notícias falsas]", acrescenta Leonardo.

"Até hoje a gente não fez uma campanha de desmonetização de um site de esquerda. Mas, se essa chave se inverter, a gente vai estar pronto para continuar combatendo fake news e discurso de ódio independente[mente] de onde vem", pondera. "2023 é um ano totalmente diferente. Não sei o que vai acontecer. Mas espero que a gente consiga contribuir para fortalecer a democracia."

Assista à entrevista dos fundadores do Sleeping Giants Brasil no UOL News: