Bolsonaro 'avisou': da invasão ao Capitólio aos atos golpistas em Brasília
Dois anos e um dia. Foi esse o tempo que separou a "previsão" feita por Jair Bolsonaro (PL) de um "problema pior" que a invasão ao Capitólio, nos Estados Unidos, acontecer no Brasil. No domingo (8), as sedes dos Três Poderes, em Brasília, foram atacadas e depredadas por extremistas apoiadores do ex-presidente, insatisfeitos com o resultado das eleições de 2022.
Embora estarrecedora, a situação foi "alertada" por Bolsonaro ao longo dos últimos anos, com tom de ameaça nas recorrentes insinuações feitas por ele contra o sistema eleitoral brasileiro.
Segundo levantamento da revista piauí, publicado no ano passado, Bolsonaro insinuou fraude nas urnas em 35 das 87 lives feitas entre 1º de janeiro de 2021 e 8 de setembro de 2022. O TAB resgata as principais declarações do ex-presidente em tom de "alerta" antidemocrático sobre o que ocorreria caso não se reelegesse e o contexto da escalada que levou os golpistas a invadir Brasília.
7 de janeiro de 2021
No jardim do Palácio da Alvorada, em Brasília, pouco mais de 12 horas após golpistas invadirem o Capitólio, Bolsonaro usou o episódio para fazer ameaças e deslegitimar o processo eleitoral brasileiro. "Se nós não tivermos o voto impresso em 22, uma maneira de auditar o voto, nós vamos ter problema pior que os Estados Unidos", disse o então presidente a um grupo de apoiadores.
29 de julho de 2021
Acompanhado por ministros (entre eles, o da Justiça, Anderson Torres, secretário de Segurança Pública do Distrito Federal exonerado nesta semana), Bolsonaro fez uma live para exibir vídeos sobre supostas fraudes na urna eletrônica — o conteúdo já havia sido diversas vezes checado e desmentido pelo TSE (Tribunal Superior Eleitoral) e pela imprensa. Ele incentivou seus apoiadores a participar de um protesto em defesa do voto impresso.
Em dezembro de 2021, a Polícia Federal e a Procuradoria-Geral da República apontaram indícios de disseminação de notícias falsas na live e sugeriram a inclusão do caso nas investigações sobre milícia digital. A subprocuradora-geral da República Lindôra Araújo também propôs encaminhamento à CGU (Controladoria-Geral da União) e ao Ministério Público Federal para análise da conduta dos agentes públicos envolvidos.
Em 19 de julho de 2022, o YouTube derrubou o vídeo da live de Bolsonaro por conter informações infundadas.
7 de setembro de 2021
Nas comemorações da Independência, Bolsonaro participou de dois atos públicos — um em Brasília, outro em São Paulo —, nos quais fez ameaças golpistas ao STF e críticas ao ministro Alexandre de Moraes, que conduz o inquérito sobre financiamento e organização de atos antidemocráticos.
Para Bolsonaro, o Supremo Tribunal Federal "perdeu as condições mínimas de continuar". "Não queremos ruptura, não queremos brigar com poder nenhum. Mas não podemos admitir que uma pessoa turve a nossa democracia. Não podemos admitir que uma pessoa coloque em risco a nossa liberdade", ameaçou.
Em São Paulo, subiu o tom: chamou a eleição de "farsa", disse que não aceitaria mais cumprir "qualquer decisão do senhor Alexandre de Moraes" e que só sairia da Presidência "preso, morto ou com vitória".
9 de maio de 2022
O TSE rejeitou sugestões das Forças Armadas sobre o pleito de 2022, por considerar que algumas já estavam em prática. "A Justiça Eleitoral tem historicamente assegurado a realização de eleições íntegras em nosso país. O êxito e a credibilidade conquistados pela instituição nesta tarefa maior de promoção da democracia firmam esta Justiça especializada como verdadeiro patrimônio imaterial da sociedade brasileira", afirmou o ministro Edson Fachin.
26 de junho de 2022
Em entrevista a um programa de apoiadores, Bolsonaro voltou a ameaçar as eleições. Depois de dizer que havia conversado, uma semana antes, com o ministro Alexandre de Moraes, afirmou: "uma hora vai acontecer uma tragédia que a gente não quer". "Não estamos dando recado, aviso, todo mundo sabe o que está acontecendo", reclamou, referindo-se ao que insinuava ser uma interferência do Supremo no Executivo.
7 de julho de 2022
Deputados dos EUA apresentaram um pedido para que o governo norte-americano investigasse se as Forças Armadas do Brasil estavam interferindo nas eleições. Os parlamentares queriam saber se haveria interferência na contagem de votos e participação na disseminação de falsas notícias sobre o sistema eleitoral. Caso fosse constatada alguma interferência, o Brasil seria excluído da condição de aliado extra-Otan, que prevê assistência financeira em caso de golpe de Estado ou ataque militar à democracia.
24 de julho de 2022
A convenção do PL, partido pelo qual Bolsonaro concorreu à reeleição, foi palco de novas ameaças. No evento no Maracanãzinho, no Rio, o ex-presidente fez menção ao Exército — "que não admite corrupção, não admite fraude, quer respeito e vai ter" — e convocou apoiadores para manifestações em 7 de Setembro. "Vamos às ruas pela última vez", afirmou, em tom de intimidação. Bolsonaro ainda chamou os ministros do STF de "surdos de capa preta" e disse que eles "têm que entender o que é a voz do povo". "Têm que entender que quem faz as leis são o Poder Executivo e o Legislativo. Tem que jogar dentro das quatro linhas da Constituição."
De 24 a 29 de julho de 2022
Um grupo de 19 representantes de entidades da sociedade civil brasileira se reuniu com autoridades norte-americanas, em Washington, para denunciar os riscos do discurso golpista do então presidente da República. O encontro foi articulado pelo WBO (Washington Brazil Office), "think tank" que busca mobilizar ações de defesa da democracia no Brasil junto a instituições dos EUA. Após a articulação, o senador Bernie Sanders defendeu um projeto no Congresso norte-americano para garantir que Washington reconhecesse imediatamente o vencedor do pleito no Brasil. Sanders também apresentou uma moção pedindo que os EUA rompessem relações com o país se Bolsonaro não respeitasse o resultado. O documento foi aprovado por unanimidade.
2 de agosto de 2022
Os mais de 660 mil signatários da carta pró-democracia foram chamados por Bolsonaro de "cara de pau" e "sem caráter", numa entrevista a uma rádio gaúcha. Em julho, ele já tinha se pronunciado sobre o texto, dizendo que as pessoas que aderiram ao movimento estavam "perdendo poder". "Carta pela democracia? Qual é a ameaça que eu estou oferecendo?", disse. O manifesto foi organizado pela sociedade civil e por setores do empresariado em resposta às declarações golpistas do ex-presidente, e no dia 11 de agosto foi lido em um evento na Faculdade de Direito da USP (Universidade de São Paulo).
7 de setembro de 2022
Já em campanha, Bolsonaro evitou atacar o sistema eleitoral no Dia da Independência. No entanto, seus apoiadores levaram às ruas faixas e cartazes com frases antidemocráticas, como pedidos de intervenção militar e fechamento do STF.
28 de setembro de 2022
O PL divulgou um relatório com contestações às urnas eletrônicas. O documento acusava o TSE de "atraso" no processo de apuração eleitoral e, sem provas, que há possibilidade de manipulação do resultado. O TSE respondeu que as conclusões eram "falsas e mentirosas".
1º de novembro de 2022
Após a derrota nas urnas, Bolsonaro ficou em silêncio durante 44 horas. Ele só discursou em 1º de novembro, sem reconhecer diretamente a vitória de Lula (PT). Desde então, apoiadores do candidato derrotado se organizaram em acampamentos golpistas em frente a quartéis, em várias cidades do país — entre elas, São Paulo, Jundiaí e Brasília.
22 de novembro de 2022
O PL apresentou ao TSE um pedido de invalidação dos votos do segundo turno nas urnas eletrônicas de modelos anteriores ao ano de 2020. O partido afirmou que uma equipe de técnicos encontrou erro no funcionamento das máquinas — novamente sem provas. Em resposta, o ministro Alexandre de Moraes deu 24 horas para a legenda incluir na contestação os votos do 1º turno, uma vez que "as urnas eletrônicas apontadas na petição inicial foram utilizadas" também em 3 de outubro, "sob pena de indeferimento da inicial". O PL não retificou o pedido, sob o argumento de que iria "tumultuar" as eleições.
30 de dezembro de 2022
Bolsonaro sai do Brasil rumo aos EUA, às vésperas da posse de Lula (PT). Sem aceitar o resultado das eleições, bolsonaristas golpistas continuaram nos acampamentos em frente aos quartéis, pedindo intervenção militar.
8 de janeiro de 2023
Bolsonaro levou 6 horas para se pronunciar sobre os extremistas que atacaram Brasília. Ainda nos EUA, disse no Twitter que "manifestações pacíficas, na forma da lei, fazem parte da democracia", mas que "depredações e invasões de prédios públicos como ocorridos no dia de hoje, assim como os praticados pela esquerda em 2013 e 2017, fogem à regra". Segundo ele, ao longo de seu mandato, sempre esteve "dentro das quatro linhas da Constituição respeitando e defendendo as leis, a democracia, a transparência e a nossa sagrada liberdade".
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