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Bolsonaro 'avisou': da invasão ao Capitólio aos atos golpistas em Brasília

O ex-presidente Jair Bolsonaro - Ricardo Moraes/Reuters
O ex-presidente Jair Bolsonaro
Imagem: Ricardo Moraes/Reuters

Do TAB, em São Paulo

10/01/2023 04h00

Dois anos e um dia. Foi esse o tempo que separou a "previsão" feita por Jair Bolsonaro (PL) de um "problema pior" que a invasão ao Capitólio, nos Estados Unidos, acontecer no Brasil. No domingo (8), as sedes dos Três Poderes, em Brasília, foram atacadas e depredadas por extremistas apoiadores do ex-presidente, insatisfeitos com o resultado das eleições de 2022.

Embora estarrecedora, a situação foi "alertada" por Bolsonaro ao longo dos últimos anos, com tom de ameaça nas recorrentes insinuações feitas por ele contra o sistema eleitoral brasileiro.

Segundo levantamento da revista piauí, publicado no ano passado, Bolsonaro insinuou fraude nas urnas em 35 das 87 lives feitas entre 1º de janeiro de 2021 e 8 de setembro de 2022. O TAB resgata as principais declarações do ex-presidente em tom de "alerta" antidemocrático sobre o que ocorreria caso não se reelegesse e o contexto da escalada que levou os golpistas a invadir Brasília.

Invasão ao Capitólio, sede do Parlamento dos Estados Unidos, em 6 de janeiro de 2021 - AFP                             - AFP
Invasão ao Capitólio, sede do Parlamento dos Estados Unidos, em 6 de janeiro de 2021
Imagem: AFP

7 de janeiro de 2021

No jardim do Palácio da Alvorada, em Brasília, pouco mais de 12 horas após golpistas invadirem o Capitólio, Bolsonaro usou o episódio para fazer ameaças e deslegitimar o processo eleitoral brasileiro. "Se nós não tivermos o voto impresso em 22, uma maneira de auditar o voto, nós vamos ter problema pior que os Estados Unidos", disse o então presidente a um grupo de apoiadores.

29 de julho de 2021

Acompanhado por ministros (entre eles, o da Justiça, Anderson Torres, secretário de Segurança Pública do Distrito Federal exonerado nesta semana), Bolsonaro fez uma live para exibir vídeos sobre supostas fraudes na urna eletrônica — o conteúdo já havia sido diversas vezes checado e desmentido pelo TSE (Tribunal Superior Eleitoral) e pela imprensa. Ele incentivou seus apoiadores a participar de um protesto em defesa do voto impresso.

Em dezembro de 2021, a Polícia Federal e a Procuradoria-Geral da República apontaram indícios de disseminação de notícias falsas na live e sugeriram a inclusão do caso nas investigações sobre milícia digital. A subprocuradora-geral da República Lindôra Araújo também propôs encaminhamento à CGU (Controladoria-Geral da União) e ao Ministério Público Federal para análise da conduta dos agentes públicos envolvidos.

Em 19 de julho de 2022, o YouTube derrubou o vídeo da live de Bolsonaro por conter informações infundadas.

7 de setembro de 2021

Nas comemorações da Independência, Bolsonaro participou de dois atos públicos — um em Brasília, outro em São Paulo —, nos quais fez ameaças golpistas ao STF e críticas ao ministro Alexandre de Moraes, que conduz o inquérito sobre financiamento e organização de atos antidemocráticos.

Para Bolsonaro, o Supremo Tribunal Federal "perdeu as condições mínimas de continuar". "Não queremos ruptura, não queremos brigar com poder nenhum. Mas não podemos admitir que uma pessoa turve a nossa democracia. Não podemos admitir que uma pessoa coloque em risco a nossa liberdade", ameaçou.

Em São Paulo, subiu o tom: chamou a eleição de "farsa", disse que não aceitaria mais cumprir "qualquer decisão do senhor Alexandre de Moraes" e que só sairia da Presidência "preso, morto ou com vitória".

9 de maio de 2022

O TSE rejeitou sugestões das Forças Armadas sobre o pleito de 2022, por considerar que algumas já estavam em prática. "A Justiça Eleitoral tem historicamente assegurado a realização de eleições íntegras em nosso país. O êxito e a credibilidade conquistados pela instituição nesta tarefa maior de promoção da democracia firmam esta Justiça especializada como verdadeiro patrimônio imaterial da sociedade brasileira", afirmou o ministro Edson Fachin.

Bolsonaro durante cerimônia de 7 de Setembro, em 2021 - Reprodução/Instagram @jairbolsonaro - Reprodução/Instagram @jairbolsonaro
Bolsonaro durante cerimônia de 7 de Setembro, em 2021
Imagem: Reprodução/Instagram @jairbolsonaro

26 de junho de 2022

Em entrevista a um programa de apoiadores, Bolsonaro voltou a ameaçar as eleições. Depois de dizer que havia conversado, uma semana antes, com o ministro Alexandre de Moraes, afirmou: "uma hora vai acontecer uma tragédia que a gente não quer". "Não estamos dando recado, aviso, todo mundo sabe o que está acontecendo", reclamou, referindo-se ao que insinuava ser uma interferência do Supremo no Executivo.

7 de julho de 2022

Deputados dos EUA apresentaram um pedido para que o governo norte-americano investigasse se as Forças Armadas do Brasil estavam interferindo nas eleições. Os parlamentares queriam saber se haveria interferência na contagem de votos e participação na disseminação de falsas notícias sobre o sistema eleitoral. Caso fosse constatada alguma interferência, o Brasil seria excluído da condição de aliado extra-Otan, que prevê assistência financeira em caso de golpe de Estado ou ataque militar à democracia.

24 de julho de 2022

A convenção do PL, partido pelo qual Bolsonaro concorreu à reeleição, foi palco de novas ameaças. No evento no Maracanãzinho, no Rio, o ex-presidente fez menção ao Exército — "que não admite corrupção, não admite fraude, quer respeito e vai ter" — e convocou apoiadores para manifestações em 7 de Setembro. "Vamos às ruas pela última vez", afirmou, em tom de intimidação. Bolsonaro ainda chamou os ministros do STF de "surdos de capa preta" e disse que eles "têm que entender o que é a voz do povo". "Têm que entender que quem faz as leis são o Poder Executivo e o Legislativo. Tem que jogar dentro das quatro linhas da Constituição."

De 24 a 29 de julho de 2022

Um grupo de 19 representantes de entidades da sociedade civil brasileira se reuniu com autoridades norte-americanas, em Washington, para denunciar os riscos do discurso golpista do então presidente da República. O encontro foi articulado pelo WBO (Washington Brazil Office), "think tank" que busca mobilizar ações de defesa da democracia no Brasil junto a instituições dos EUA. Após a articulação, o senador Bernie Sanders defendeu um projeto no Congresso norte-americano para garantir que Washington reconhecesse imediatamente o vencedor do pleito no Brasil. Sanders também apresentou uma moção pedindo que os EUA rompessem relações com o país se Bolsonaro não respeitasse o resultado. O documento foi aprovado por unanimidade.

2 de agosto de 2022

Os mais de 660 mil signatários da carta pró-democracia foram chamados por Bolsonaro de "cara de pau" e "sem caráter", numa entrevista a uma rádio gaúcha. Em julho, ele já tinha se pronunciado sobre o texto, dizendo que as pessoas que aderiram ao movimento estavam "perdendo poder". "Carta pela democracia? Qual é a ameaça que eu estou oferecendo?", disse. O manifesto foi organizado pela sociedade civil e por setores do empresariado em resposta às declarações golpistas do ex-presidente, e no dia 11 de agosto foi lido em um evento na Faculdade de Direito da USP (Universidade de São Paulo).

Para partidos de oposição, Bolsonaro usou máquina pública para fazer campanha nas comemorações do 7 de setembro - Reuters - Reuters
Bolsonaro nas comemorações do 7 de Setembro de 2022
Imagem: Reuters

7 de setembro de 2022

Já em campanha, Bolsonaro evitou atacar o sistema eleitoral no Dia da Independência. No entanto, seus apoiadores levaram às ruas faixas e cartazes com frases antidemocráticas, como pedidos de intervenção militar e fechamento do STF.

28 de setembro de 2022

O PL divulgou um relatório com contestações às urnas eletrônicas. O documento acusava o TSE de "atraso" no processo de apuração eleitoral e, sem provas, que há possibilidade de manipulação do resultado. O TSE respondeu que as conclusões eram "falsas e mentirosas".

1º de novembro de 2022

Após a derrota nas urnas, Bolsonaro ficou em silêncio durante 44 horas. Ele só discursou em 1º de novembro, sem reconhecer diretamente a vitória de Lula (PT). Desde então, apoiadores do candidato derrotado se organizaram em acampamentos golpistas em frente a quartéis, em várias cidades do país — entre elas, São Paulo, Jundiaí e Brasília.

22 de novembro de 2022

O PL apresentou ao TSE um pedido de invalidação dos votos do segundo turno nas urnas eletrônicas de modelos anteriores ao ano de 2020. O partido afirmou que uma equipe de técnicos encontrou erro no funcionamento das máquinas — novamente sem provas. Em resposta, o ministro Alexandre de Moraes deu 24 horas para a legenda incluir na contestação os votos do 1º turno, uma vez que "as urnas eletrônicas apontadas na petição inicial foram utilizadas" também em 3 de outubro, "sob pena de indeferimento da inicial". O PL não retificou o pedido, sob o argumento de que iria "tumultuar" as eleições.

30 de dezembro de 2022

Bolsonaro sai do Brasil rumo aos EUA, às vésperas da posse de Lula (PT). Sem aceitar o resultado das eleições, bolsonaristas golpistas continuaram nos acampamentos em frente aos quartéis, pedindo intervenção militar.

8 de janeiro de 2023

Bolsonaro levou 6 horas para se pronunciar sobre os extremistas que atacaram Brasília. Ainda nos EUA, disse no Twitter que "manifestações pacíficas, na forma da lei, fazem parte da democracia", mas que "depredações e invasões de prédios públicos como ocorridos no dia de hoje, assim como os praticados pela esquerda em 2013 e 2017, fogem à regra". Segundo ele, ao longo de seu mandato, sempre esteve "dentro das quatro linhas da Constituição respeitando e defendendo as leis, a democracia, a transparência e a nossa sagrada liberdade".

Acampamento golpista na frente do 12º GAC (Grupo de Artilharia de Campanha) em Jundiaí (SP) - Felipe de Souza/UOL - Felipe de Souza/UOL
Acampamento golpista na frente do 12º GAC (Grupo de Artilharia de Campanha) em Jundiaí (SP)
Imagem: Felipe de Souza/UOL