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'É um inferno, gritam dia e noite': vizinhos se irritam com golpistas em SP

Motoqueiros desviam de manifestantes bolsonaristas em esquina da rua Alfredo Pujol, em Santana - UOL
Motoqueiros desviam de manifestantes bolsonaristas em esquina da rua Alfredo Pujol, em Santana
Imagem: UOL

Luciana Bugni

Colaboração para o TAB, de São Paulo

04/12/2022 04h01

Quem sai do metrô Santana, na zona norte de São Paulo, sobe algumas quadras pela rua Voluntários da Pátria, onde o comércio ferve no sábado. Lojas de colchões, eletrodomésticos, cosméticos e roupas estão lotadas, enquanto vendedores empunham microfones pelas calçadas chamando mais clientes para entrar.

A animação já é garantida nessa época do ano graças às compras de Natal, mas nesse ano as vitrines ganharam manequins vestidos de verde e amarelo com chapéu de Papai Noel — a combinação pode até ser duvidosa, mas o comércio está aproveitando o momento para lucrar.

A cerca de 400 metros dali, mais roupas auriverdes chamavam a atenção de quem descia de carro a rua Alfredo Pujol. Uma placa sinalizava que o acampamento montado em frente ao portão do Centro de Preparação de Oficiais da Reserva de São Paulo já dura 34 dias. O mesmo cartaz convocava outros "patriotas" a se juntarem ao grupo.

Naquele pedaço, entretanto, o agito do comércio inexiste. A movimentação em nada lembra a circulação nas ruas dos arredores — por ali, os proprietários de vários estabelecimentos reclamam que o movimento caiu mais de 60% desde o início das manifestações antidemocráticas, logo após o resultado do segundo turno das eleições, em 30 de outubro. O prejuízo se estende por mais de um mês, sem data para acabar.

Quatro barracas de lona fecham a faixa exclusiva de ônibus e parte da calçada da avenida. Entre os protestantes, a reportagem ouviu pessoas de cerca de 60 anos conversando sobre como Lula será impedido de presidir o país. Mesas e cadeiras plásticas compõem o ambiente, em que se serviam muitas garrafas de água mineral, café em garrafa térmica, bolachas de água e sal e biscoitos doces. "Se tem uma coisa que eu não suporto é jovem. Eles passam aqui com uma arrogância, julgando, como se estivéssemos errados", disse uma senhora loira, vestida de amarelo, empunhando uma bandeira do Brasil. Ao lado dela, um cartaz solicitava que quem concordasse com a manifestação passasse buzinando — o que acontece esporadicamente, 24 horas por dia, enlouquecendo a vizinhança.

Manifestantes bolsonaristas na esquina da rua Alfredo Pujol, em Santana - Arquivo pessoal - Arquivo pessoal
Manifestantes bolsonaristas na esquina da rua Alfredo Pujol, em Santana
Imagem: Arquivo pessoal

"Gritam dia e noite, noite e dia. É um inferno", diz uma moradora que vive há 30 anos na rua. O problema começou no início de novembro, quando um grupo fez uma manifestação por intervenção militar em frente ao quartel. Desde então, eles se revezam até de madrugada. Diariamente, segundo ela, cantam hinos e rezam o Pai-Nosso.

O filho dela trabalha de casa e tem dificuldade de fazer reuniões por causa do barulho dos protestos. Já o marido enfrenta um câncer. "Não dá para descansar. Não consigo dormir. Estamos desesperados", conta ela, que disse já ter acionado a polícia e feito reclamação de barulho na Prefeitura.

Outros moradores afirmam escutar gritos de "socorro", "SOS" e "salvem nosso Brasil". Quando os reservistas saem para varrer a calçada em frente ao quartel, são aplaudidos. O mesmo acontece quando carros da polícia militar passam pela avenida: "Eles ligam o giroflex, buzinam e passam acenando aos golpistas, que batem palmas", contou um morador. Ele já acionou a polícia por obstrução da via, mas afirmou que "só faltou os guardas fazerem um carinho nos bolsonaristas".

A vizinhança está tão desesperada com a situação que fez um abaixo-assinado para cobrar providências dos órgãos competentes, mas até agora não teve resposta da subprefeitura nem da câmara de vereadores. Mais de 150 assinaturas foram reunidas.

Todos os moradores e comerciantes do local que foram ouvidos pediram que a reportagem não os identificasse na reportagem. "Tenho muito medo. E já vi que eles andam armados. Não consigo mais andar aqui à noite tranquilo", afirmou o proprietário de uma loja na região.

Segundo as testemunhas, é à noite que o movimento aumenta. A via vira um banheiro público. "Tenho certeza de que um cara defecou em uma sacola no próprio carro e voltou para jogar a sacola no lixo", afirmou um funcionário que trabalha na quadra onde ficam as barracas. Parte dos manifestantes urina nas árvores e nos vasos de plantas.

Durante o dia, eles operam em escalas: um grupo chega às 7h e sai no meio da tarde, quando entra outro grupo, que deixa a esquina às 23h. Nessa hora aparece quem vai passar a madrugada. Um homem forte parece fazer a segurança do local nesse período.

O cardápio dos manifestantes é variado: carros de luxo, como Mercedes, BMWs e motos Harley-Davidson param por ali de tempos em tempos para descarregar comida. Aos fins de semana, os churrascos varam a madrugada. Esfihas e caldos também fazem parte da dieta de quem está de plantão.

Para proteger o grupo do intenso trânsito local — que está totalmente prejudicado, já que toda a faixa de ônibus está tomada —, cones da CET cercam a aglomeração e dão um tom de manifestação pacífica. A própria polícia afirmou aos moradores que os manifestantes não são violentos, então não há motivos para tirá-los de lá. "Outro dia, um policial me disse que o gigante acordou. Foi embora sem dizer nada para o pessoal que estava atrapalhando a passagem na calçada e bloqueando a entrada dos bares que funcionam ali", contou uma moradora indignada.

A CET tentou recolher os cones, mas foi impedida por quem estava de plantão na calçada. "Eles mencionam o nome de pessoas do alto escalão e os oficiais voltam para a viatura sem fazer nada contra", disse uma testemunha.

A reportagem entrou em contato com a CET, que respondeu, por e-mail: "não compete à CET tirar os manifestantes da rua. O papel da engenharia de tráfego é sinalizar pela segurança, colocando cones no local e avisando a polícia militar para que tomem providências". Já os moradores não entendem por que a polícia faz vista grossa para uma manifestação antidemocrática. "Se é crime, por que a polícia está sendo conivente?", diz um comerciante que pediu anonimato.

A reportagem também questionou a Secretaria de Segurança Pública sobre as reclamações dos moradores e a inação frente aos manifestantes. Até a publicação, o órgão não tinha resposta sobre a situação. Em caso de necessidade, o texto será atualizado.

Manifestantes golpistas montam barracas e se concentram em faixa exclusiva de ônibus na rua Alfredo Pujol, em Santana - UOL - UOL
Manifestantes montam barracas e se concentram em faixa exclusiva de ônibus
Imagem: UOL

Pacífico, mas nem tanto

Vários moradores e lojistas com quem a reportagem conversou afirmaram que os manifestantes são violentos. Barras de ferro, estilingues com bolas de gude e até armas de fogo já foram vistos com quem ocupa as barracas e circula por ali.

Na tarde de sexta (2), um garoto foi perseguido por estar filmando com o celular. "As mulheres do grupo colocam panos quentes e não deixam a violência crescer", contou uma pessoa que trabalha perto. Dias antes, testemunhas viram os golpistas correrem para agredir uma pessoa que gritou algo a favor da esquerda: "Deu uns dois socos nela dentro do carro". Para mulheres, os gritos de Lula são respondidos imediatamente com xingamentos de "vadia".

"Quando falam o nome do presidente eleito, eles ficam doidos. Já escutei gente prometendo fazer coisas violentas. Mas também falam muito o nome de Deus e já ouvi fazerem teorias de um suposto retorno alienígena. Porém, o que mais gritam é que Lula não vai subir a rampa. Eles dizem isso o tempo todo", disse uma testemunha.

Mesmo com tanto prejuízo, há quem dê apoio ao acampamento em Santana. "Tem gente que leva garrafa térmica e comida, como se estivesse cuidando deles. Mas dá para perceber que dentro das barracas eles não estão em plena harmonia. No começo do mês passado era tudo mais calmo. Agora eles têm sido mais raivosos entre eles também", contou um outro morador.

Os comerciantes não conseguem calcular o prejuízo, já que os clientes, por receio de confusão, nem aparecem. Nos jogos da Copa, os manifestantes ficam de costas para a TV, em protesto. "A esquerda está ocupada com o futebol, enquanto isso a gente está fazendo aula de tiro para salvar o Brasil", disse um dos acampados.

* Colaborou Júlia Marques

Esquina ocupada por manifestantes, em Santana - UOL - UOL
Imagem: UOL