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Acampados por golpe em Brasília rezam 'por um país melhor' na hora do jogo

Em Brasília, vigília que pede intervenção militar pós-vitória de Lula não deu bola à estreia - Yasmin Velloso/UOL
Em Brasília, vigília que pede intervenção militar pós-vitória de Lula não deu bola à estreia Imagem: Yasmin Velloso/UOL

Jéssica Lima

Colaboração para o TAB, de Brasília

24/11/2022 19h54

O relógio marcava 15h quando um engarrafamento quilométrico se formou nos quatros cantos de todo o Distrito Federal. Faltava apenas uma hora para a estreia do Brasil da Copa do Mundo de 2022. Carros, ônibus, motos: todos queriam chegar a tempo em casa ou aos bares para acompanhar a partida. Mas, a poucos quilômetros da Esplanada dos Ministérios, quem acampava na frente do QG do Exército, no SMU (Setor Militar Urbano), não precisou se preocupar com o trânsito. Enquanto a seleção brasileira se preparava para entrar em campo, os apoiadores do presidente Jair Bolsonaro (PL) que estão no local há mais de três semanas seguravam terços. E, ajoelhados, pediam reforma militar.

De verde e amarelo e roupas camufladas, os acampados vieram de toda as partes do país. Começaram a quinta-feira (24) com churrasco, músicas e aproveitaram o sol, após um longo período de chuvas intensas. Os termômetros marcavam 30ºC mas, por volta das 16h, o calor foi embora e o temporal voltou novamente. Mesmo assim, os manifestantes se reuniram em volta de um trio elétrico que tocava o Hino Nacional. Com a mão no peito, o público gritava: "Forças armadas, salvem o Brasil".

Sem telões ou televisões no acampamento, alguns apoiadores de Bolsonaro contaram com o telefone celular para saber algo do jogo. Os mais tradicionais apostaram no velho e bom rádio. Mas a maioria expressiva não estava se importando com a Copa. "Nossa prioridade é outra", disseram eles.

O servidor público Benedito Câmara, 63, era exceção entre os manifestantes. Nascido em São Luís (MA) e morador do DF desde 1981, revelou ser apaixonado pelo Brasil e pela Copa. Fez questão de deixar o celular carregado para acompanhar a primeira partida. De fone de ouvido, não perdeu nenhum lance e apostou que a seleção brasileira vai levar o hexa.

"Estou acampado há 25 dias e não poderia jamais abandonar o movimento. Por isso, juntei o útil ao agradável. Mesmo o sinal de internet não funcionando tão bem por aqui, está dando pra acompanhar todos os lances. É muita emoção assistir a mais uma Copa do Mundo, ainda mais nesses tempos tão difíceis que estamos vivendo. Mas tenho fé que conseguiremos conquistar a taça e o que nós viemos buscar: um país melhor", explicou.

Mesmo quem dizia não estar ligando ia até Benedito para dar aquela espiadinha na partida. De sorriso largo, o maranhense brincava que o aparelho celular era "igual coração de mãe, sempre cabia mais um". O servidor público foi um dos raros manifestantes que não se importou com a presença da imprensa. "Vocês estão apenas trabalhando e até trouxeram sorte", brincou, após comemorar o primeiro gol de Richarlison contra a Sérvia.

Logo após a interação amistosa com a reportagem, Benedito foi orientado por outros apoiadores a se afastar da imprensa.

Manifestantes em Brasília no dia da estreia da Seleção - Yasmin Velloso/UOL - Yasmin Velloso/UOL
Maria Nunes e Nina Vidal, em acampamento pró-golpe em Brasília
Imagem: Yasmin Velloso/UOL

Mundo à parte

O espaço tem área para barracas, comidas distribuídas gratuitamente — além dos ambulantes que vendem de espetinho a guloseimas —, estrutura para podcast e até monitor infantil, que num espaço reservado fazia brincadeiras com os pequenos, enquanto os pais seguravam cartazes, bandeiras e faixas com palavras de ordem. "Auditoria nas urnas já", "Não ao comunismo" e "Forças armadas, salvem a nossa nação".

Um altar também foi levantado no acampamento. Nele, muitos santos, flores e crucifixos. Nas mãos dos apoiadores do presidente, terços. Muitos permaneceram ajoelhados e com a bandeira do Brasil amarrada às costas. Choravam e pediam para Deus que o país fosse restabelecido. Uns de mãos dadas. Outros, de olhos fechados. Juntos, também repetiam o Pai-Nosso em voz alta.

Maria Nunes, 78, e Nina Vidal, 45, rezavam o terço juntas. A aposentada e a cuidadora de idosos se conheceram no acampamento e contaram que raramente saem da área do altar. Acreditam que Deus "irá fazer um milagre" no país. Assim como o servidor público que assistia ao jogo do Brasil, foram orientadas a evitar a imprensa.

Manifestantes cantam Hino Nacional em Brasília - Yasmin Velloso/UOL - Yasmin Velloso/UOL
Imagem: Yasmin Velloso/UOL

"A única coisa que temos para falar com você é que revejam o que está sendo feito. Enquanto o povo está lá fora assistindo ao jogo, bebendo e comemorando algo que não deve ser celebrado, estamos fazendo a nossa parte como cristãos e brasileiros. Depois, todos vão nos agradecer", disse Maria Nunes.

Enquanto as duas apoiadoras eram retiradas da conversa por outros manifestantes, contrários a presença da reportagem, o mecânico Alex Vieira Pires, 23, alegou: "Quase todos os jornalistas mostram o contrário. Nosso movimento é pacífico, grande e estamos aqui porque acreditamos que as urnas foram fraudadas". Morador de Brasnorte (MT), o jovem está acampado há 15 dias e disse que só voltará para casa depois que o desfecho for "favorável aos seus ideais."

"Hoje, seguro essa bandeira com muito orgulho. Enquanto estava aqui, recebi uma foto da minha filha fazendo o L, de Lula. Meu mundo desabou naquele momento. Chorei bastante. Mas ela ainda é pequena e estou fazendo isso para o futuro dela, da minha família e de todos os brasileiros. O momento não é para sorrisos nem comemorações. Por isso, a Copa do Mundo não é prioridade. A nossa meta é levar o presidente Jair Bolsonaro novamente ao poder", contou.

Alex Vieira Pires (de boné) e amigo, manifestantes em Brasília, durante estreia da Seleção na Copa - Yasmin Velloso/UOL - Yasmin Velloso/UOL
Alex Vieira Pires (de boné) e amigo, manifestantes em Brasília, durante estreia da Seleção na Copa
Imagem: Yasmin Velloso/UOL

Ambulantes lucram

Além de toda a estrutura com dormitório, praça de alimentação e local de reza, o acampamento abriga um "shopping center" com barracas vendendo camisetas da Seleção de todos os modelos, bandeiras e adereços como brincos, lenços e acessórios para o cabelo.

Francisca de Souza, 61, vende camisetas da Seleção e bandeiras há mais de 25 anos. A mais cara chega a custar R$ 550. Segundo ela, o lucro começou a subir depois que Jair Bolsonaro foi eleito. A procura aumentou mais de 70%, cenário que era visto apenas de quatro em quatro anos, durante os jogos.

"Como sou mais velha, uma pessoa da minha família fica acampando e dormindo aqui perto da minha barraca. Mas todo dia acordo cedo e venho vender. As bandeiras são as que mais saem, e não é pela Copa do Mundo, não, viu? As camisetas com símbolo da CBF [Confederação Brasileira de Futebol] já não saem mais. É só Brasil e pronto, ordem e progresso", explicou a vendedora.

Quem comprava uma bandeira nova era Roberval Pinheiro, 58. O administrador confessou ser apaixonado por futebol e principalmente Copa, mas disse não ter baixado nenhum aplicativo para acompanhar a partida. "Não queremos sair do foco. Aqui a prioridade é o futuro do país", relatou.

Outro apoiador se escondia da chuva na barraca de dona Francisca. O volume alto que saía do celular e o gesto de comemoração ao segundo gol do Brasil eram inescapáveis. "É difícil não acompanhar a partida. A Copa mexe com a gente", disse, sem querer se identificar.

Com o fim do segundo tempo e o temporal mais forte, um arco-íris apareceu no céu. Os acampados interpretaram como um sinal de que as preces estão sendo ouvidas.