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Governo Lula tropeça com recorde de queimadas e alta da morte de indígenas

A promessa de Lula (PT) de dar uma guinada na questão ambiental não tem surtido efeito. O governo tem indicadores piores do que a gestão Jair Bolsonaro (PL). Em nota, o Ministério dos Povos Indígenas informou que atua na reconstrução de políticas de proteção. O Ministério de Meio Ambiente e Mudança Climática não se manifestou.

O que aconteceu

Os números de queimadas e mortes de indígenas aumentaram desde a posse de Lula. Levantamento do UOL feito a partir de dados do Inpe (Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais) revela retrocessos de até 20 anos, a depender do indicador analisado.

O caso do Pantanal é o mais grave, com recorde histórico de focos de incêndio neste ano: 4.696. O período estudado foi de 1º de janeiro a 30 de julho. Na comparação com o ano passado, as queimadas no Pantanal explodiram 1.523%.

A morte de crianças indígenas aumentou 24,5% no ano passado. A faixa etária dos óbitos está no intervalo entre zero e quatro anos.

A situação caracteriza uma frustração na expectativa criada pelas promessas de Lula. Na posse, ele subiu a rampa com o cacique Raoni e indicou Marina Silva para o Ministério do Meio Ambiente.

269 queimadas por dia

O Brasil registrou 57.452 focos de incêndio até 30 de julho. É o maior número desde 2004 e significa que a cada dia surgem 269 queimadas no país. A Amazônia é a maior vítima, com 42% das ocorrências.

Mato Grosso é o estado com maior incidência. Foram 11.270 focos de incêndio nos primeiros sete meses deste ano. Na semana passada, Lula assinou uma política de enfrentamento às queimadas e visitou Corumbá (MS), cidade que fica no Pantanal.

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A comparação de Lula com Bolsonaro no total de queimadas no país é desfavorável ao atual presidente. O período até 30 de julho do segundo ano de sua administração tem 46% a mais de focos de incêndio do que o mesmo período durante o governo de Bolsonaro.

Cenário piora na Amazônia e no Pantanal

Área de maior visibilidade internacional, a Amazônia está em situação pior sob Lula na comparação com Bolsonaro. O número de focos de incêndio aumentou 74% com o petista quando avaliado o segundo ano de seu governo e o segundo ano de Bolsonaro —ambos os dados abrangendo até 30 de julho. Com Lula no Planalto, foram registradas 24.462 queimadas. Durante a gestão anterior a quantidade foi de 13.994, conforme o monitoramento do Inpe.

A quantidade de queimadas explodiu no Pantanal neste ano. O número recorde de 4.696 focos de incêndio é o maior registrado desde o começo do monitoramento do Inpe, em 1998.

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O fogo chegou mais cedo em 2024 e a montagem da estrutura de enfrentamento não estava concluída. As brigadas temporárias contratadas pelo Ministério de Meio Ambiente começam a atuar em junho, mas a equipe só fica totalmente treinada a partir de agosto, mês quando começa a fase mais crítica.

Bolsonaro também enfrentou números preocupantes em seu segundo ano de governo. Os dados do Inpe apontam que até 30 de julho de 2020 ocorreram 4.203 queimadas —10% a menos em relação a Lula.

No cerrado, pior resultado desde 2010

Pouco mencionado em discussões ambientais, o cerrado sofreu 20.346 queimadas até 30 de julho deste ano. Desta forma, se caracterizou o pior indicador desde 2010, último ano do segundo governo Lula.

No segundo ano da gestão do atual presidente, o cerrado tem 32% a mais de focos de incêndio que Bolsonaro. A cada dia, surgiram 95 queimadas no bioma quando avaliado o intervalo de 1º de janeiro a 30 de julho.

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Criança Yanomâmi no Hospital Infantil Santo Antônio, em Boa Vista, em janeiro de 2023
Criança Yanomâmi no Hospital Infantil Santo Antônio, em Boa Vista, em janeiro de 2023 Imagem: Michael Dantas/AFP

Assassinatos e mortalidade infantil de indígenas crescem

No ano passado, 1.040 crianças indígenas de até quatro anos morreram. Ou seja, no primeiro ano da gestão Lula houve um aumento de 24,5% na comparação com o último ano de Bolsonaro na Oresidência.

As vítimas foram vítimas de doenças associadas à falta de cuidados básicos. A lista inclui diarreia, desnutrição, infecções intestinais e pneumonia. Os dados constam de estudo do Cimi (Conselho Indigenista Missionário).

O levantamento também mostra crescimento de 15,5% nos assassinatos de indígenas. No ano passado, foram registrados 208 homicídios, diante de 180 ocorrências em 2022.

Especialista aponta desmonte de políticas públicas. Para Jorge Dantas, coordenador da Frente de Povos Indígenas do Greenpeace Brasil, a morte de crianças é consequência do desmonte da estrutura de saúde. Ele atribui esta situação a uma herança do governo Bolsonaro.

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Assassinatos têm relação com disputa por terras. Dantas ponderou que os garimpeiros continuam em terras indígenas e atuando com mais sofisticação. Um exemplo disso é a utilização de internet por satélite para facilitar o transporte de ferramentas, alimentos e insumos para extração de ouro.

Expectativa por reação do governo Lula. Ele lembra que, no ano que vem, o Brasil receberá a COP e será uma fracasso internacional se os indicadores de proteção aos povos indígenas forem piores do que os da gestão Bolsonaro.

Ambientalistas dizem que Bolsonaro ignorou proteção do meio ambiente
Ambientalistas dizem que Bolsonaro ignorou proteção do meio ambiente Imagem: Reprodução/TV Brasil

Com Bolsonaro era pior

Números insuficientes, com ressalvas. Cientistas e ambientalistas ouvidos pelo UOL ressaltaram que os dados não são os desejados, mas Lula tem uma política de preservação melhor do que a de Bolsonaro. Eles disseram que o ex-presidente promovia o desmonte do enfrentamento ao desmatamento e a queimadas e de ações em defesa dos indígenas.

Militares no comando do Ibama. Diretor-adjunto da Associação dos Servidores do Meio Ambiente, Alexandre Gontijo declarou que postos de comando do Ibama foram entregues a PMs na gestão Bolsonaro. Ele lembrou o discurso do ex-presidente de que os fiscais estavam a serviço de ONGs estrangeiras.

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Gontijo acrescentou que o crime organizado passou a atuar na mineração e no tráfico dentro de áreas de preservação. Funcionários do Ibama e do ICMBio passaram a ser recebidos por bandidos armados com fuzil, e não mais com revólver, como era antes da gestão Bolsonaro.

Parlamentares são culpados, diz Greenpeace. Romulo Batista, porta-voz do Greenpeace Brasil, ressaltou o papel do Congresso Nacional. Ele ponderou que deputados e senadores incentivam atitudes predatórias ao aprovarem legislação que dá autorização ao agronegócio para avançar sobre florestas e matas.

Clima não ajudou

O climatologista Carlos Nobre afirma que há dois agravantes para os números ruins do governo Lula: a seca e a suspeita de incêndios criminosos. A combinação destes fatores dificulta o enfrentamento às queimadas, mas, segundo ele, é passageira.

Nobre disse que Pantanal e Amazônia batem recorde de seca desde 2023. Ele ressaltou que neste momento o Brasil convive com o ápice desta situação, o que torna a vegetação mais seca e inflamável.

Outro fator é que 95% dos focos de incêndio não têm relação com raios. Como exemplo, o climatologista cita que na primeira quinzena houve 1.300 registros de fogo em uma área do Pantanal onde caíram somente 50 raios.

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Nobre suspeita de crimes. Ele questiona se o fogo escapou de forma acidental de queimadas de manejo ou se houve intenção de atear fogo na mata. O cientista declarou que não há pesquisa revelando o que ocorre, mas considera a situação suspeita.

O que diz o Ministério dos Povos Indígenas

O Ministério dos Povos Indígenas informou que está reconstruindo políticas sucateadas por Bolsonaro. "Durante o governo anterior, houve leniência e chancela em relação a atividades ilegais como garimpo, extração de madeira, grilagem, entre outras", ressaltou trecho de email enviado ao UOL.

De acordo com o ministério, iniciativas como a Lei do Marco Temporal causam instabilidade. Com isso, há uma abertura para a violência contra indígenas.

Ações para demarcação de terras e esforços de proteção de yanomâmis também são citadas. Foi citado o investimento de R$ 2,3 bilhões e a queda de 73% de alertas de garimpos entre 2023 e este ano. O Ministério do Meio Ambiente não comentou.

O enfrentamento dos incêndios tem na sua raiz uma combinação terrível entre mudança do clima, desmatamento e incêndios. Se não parar de colocar fogo, não tem quantidade de pessoa e equipamento que vença, o que pode fazer a diferença é parar de atear fogo no Pantanal.
Lula, durante a assinatura do Plano de Manejo do Fogo no Pantanal, na semana passada

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