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'Nunca pedi licença': quem é o 'mestre dos lagos' que construiu o de Neymar

Ricardo Caporossi Junior, 43, conta que a voz de Deus lhe pediu um jardim. Era novembro de 2004 e ele, um laçador de bezerros recém-convertido, construiu um jardim na frente da igreja evangélica que frequentava, em Holambra (SP). Três anos depois, a voz divina voltaria a procurá-lo, dessa vez querendo um lago.

Ricardo já tinha uma empresa de paisagismo desde os tempos do jardim. Veterinário desiludido, conta que aprendeu o ofício "guiado por Deus". Pelo primeiro que fez, na sede da empresa, foi multado pelo Conselho Regional de Engenharia e Agronomia por falta de profissionais registrados.

De lá para cá, transformou lagos artificiais em artigos de luxo (custam de R$ 200 mil a R$ 16 milhões), com uma cartela de clientes que inclui Rodrigo Faro, Bruno Gagliasso, Serginho Groisman, Ana Hickmann, Xororó e, recentemente, Neymar. Ricardo virou o "mestre dos lagos" das celebridades.

O lago de mil m² construído na mansão de Neymar custou R$ 7 milhões, mas o projeto foi oferecido sem custo por fazer parte de um projeto de permuta: o "Genesis Experience", um reality show em que a empresa vende ingressos para quem quer trabalhar na obra e registrar nas redes sociais o dia a dia do "desafio".

Em outras palavras, os interessados pagam para suar a camisa construindo um lago artificial na casa de alguém famoso.

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Imagem: Keiny Andrade/UOL

Na 'DisNEYlândia'

Na mansão de Neymar em Mangaratiba (RJ), a obra foi interditada sob acusação de crimes ambientais pela prefeitura um dia antes da inauguração, que teria show de Sorocaba, "open food" de sushi e cobertura no Instagram. A casa de 5.000 m² fica num complexo que o jogador já definiu como "DisNEYlândia".

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Segundo a prefeitura, o empreendimento poderia afetar o entorno devido a atividades como terraplanagem sem licença, manejo irregular de pedras e desvio de água de um riacho próximo. A obra foi multada em R$ 16 milhões.

O pai de Neymar era o cicerone da construção e, no dia da interdição, chegou a ouvir voz de prisão do órgão fiscalizador. Ricardo "não estava lá no dia desse carnaval": diz que soube da confusão pelo WhatsApp, a bordo de um helicóptero, a caminho do leilão organizado pelo Instituto Neymar Jr, em São Paulo.

"Fiquei destruído", lembra Ricardo. "Nunca pedi licença [ambiental] para construir lago na casa de ninguém", acrescenta ele, alegando que todos os materiais foram levados de caminhão de São Paulo até Mangaratiba. "Todo mundo ali toma água que vem do rio. A água que eu usei para encher o lago veio da caixa d'água do condomínio, que vem do rio. Não tem outra água. Eu peguei a torneira e enchi."

Em junho, o pai de Neymar conseguiu suspender a interdição. Em agosto, a Justiça derrubou a liminar e o espaço voltou a ser interditado.

Até agora não foi publicado nenhum vídeo da obra e, a pedido da defesa de Neymar, Ricardo evita falar do assunto. Ao TAB, ele conta que o material irá ao ar "em breve" e que espera receber as "entregas" do jogador nessa permuta: posts para o marketing da empresa. "A Genesis é igual massa de pão. Quanto mais bate, mais cresce", diz.

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Imagem: Keiny Andrade/UOL
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Lagos de luxo

Ricardo nasceu em uma família rica de Campinas (SP) e até os 22 anos viveu, segundo ele, como um "playboy", cercado de cavalos, carros de luxo e cartões American Express.

Em 2002, depois da morte do pai, dono de lotérica e diretor de futebol do Guarani na década de 1980, a família perdeu o alto padrão de vida, relata ele. Na época, Ricardo virou evangélico. "Todo mundo que ia para a igreja ficava rico, eu fui também", diz, rindo.

Não por acaso, o empresário escolheu "Genesis" para batizar a empresa.

"Caubói", como é conhecido por amigos, quebrou algumas vezes ao longo da década. Tudo mudou em 2016, quando caiu nas graças da TV Globo e construiu um lago no Projac para a novela "Sol Nascente" (2016-2017), por um preço menor, com a contrapartida de divulgar o trabalho no Instagram.

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A ideia, diz, era transformar a empresa em uma grife. "As pessoas tinham que desejar não um lago, mas um lago da Genesis." E ele queria, com o sucesso, poder esquiar em Aspen, ter uma Dodge Ram, morar em uma cabana e "chegar ao topo do mundo".

A Globo foi o ímã dos famosos — e, pouco a pouco, criou-se um "culto" às águas cristalinas que hoje domina perfis de celebridades no Instagram. Ricardo passou a esquiar com a família na Europa e, para se aproximar do público-alvo, mergulhou noutros lagos de luxo: looks de grife, restaurantes caros, relógios Rolex (este, um sonho que cultivava desde a juventude).

"No começo [essa rotina] custava caro, depois começou a fazer parte da minha vida de uma forma mais natural."

A sede abriga o 1º lago que o empresário construiu e um 'showroom' com outras obras
A sede abriga o 1º lago que o empresário construiu e um 'showroom' com outras obras Imagem: Keiny Andrade/UOL

A gênese do Genesis

Em 2020, o ator global Bruno Gagliasso propôs uma "permuta": ele queria um lago na sua fazenda, no interior do Rio, e em troca daria visibilidade à empresa de Ricardo. Foi aí que ele inventou um "megazord" do marketing, o projeto "Genesis Experience".

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O empresário daria o lago de quase R$ 2 milhões, com a contrapartida de gravar um "reality" da construção, vendendo ingressos para interessados. "Todo mundo ganha, todo mundo fica feliz", resumiu.

O "Experience" de Gagliasso não foi para frente por causa da agenda do ator. Em 2021, porém, ele ganhou de presente um lago de inspiração africana, com carpas e uma árvore baobá de 50 anos. Toda a obra no condomínio em Membeca (RJ) foi gravada — e os vídeos saíram no YouTube da Genesis.

"Eu estava orando e Deus falou: 'Sorocaba'", lembra Ricardo, referindo-se à dupla sertaneja Fernando & Sorocaba.

Foi com Sorocaba que o primeiro Genesis Experience ficou de pé: foram dez dias de construção de um lago de 150 m² no sítio do cantor em Jaguariúna (SP). Os vinte ingressos, cada um no valor de R$ 25 mil, esgotaram em menos de um mês.

Era a grandeza que Ricardo queria: retroescavadeiras, tratores, tendas — tudo superlativo. Com o empresário comandando tudo com um megafone, o canteiro de obras parecia um campo de guerra, com terra revirada e trabalhadores correndo de um lado para o outro para cumprir o prazo. O evento de encerramento teve luau, show com o próprio Sorocaba e menu assinado por uma churrascaria de Campinas.

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Em 2021, Ricardo entregou, também em dez dias, um lago de 4.000 m² no Hospital de Amor, unidade dedicada ao tratamento de câncer, em Barretos (SP). Dessa vez, os ingressos custaram R$ 35 mil. No fim, o descampado virou um oásis artificial. "Isso a mídia não mostra", lamenta.

Na cabana na Genesis, um lustre de chifres e bustos de cervos taxidermizados vieram dos EUA. Ricardo diz que não é caçador, mas aprecia a estética 'velho oeste'
Na cabana na Genesis, um lustre de chifres e bustos de cervos taxidermizados vieram dos EUA. Ricardo diz que não é caçador, mas aprecia a estética 'velho oeste' Imagem: Keiny Andrade/UOL

'Zerar o game'

Ricardo conta que, no fim de 2021, estava orando numa cabana de seu rancho com um pastor amigo — ambos já pensando na próxima edição do Experience.

O amigo teria lhe sugerido Neymar para "zerar o game". "Isso foi numa quinta-feira. No domingo eu já estava almoçando com o Juninho", lembra Ricardo, referindo-se ao jogador. Neymar, segundo ele, topou na hora, mas a obra foi adiada por causa da Copa no Qatar.

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Sem futebol, foi na fé. Sem Neymar, Ricardo escolheu a Igreja Batista da Lagoinha de Alphaville (SP) para ser o palco do Genesis Experience 3.

Construiu o maior lago de batismo do mundo em dez dias, segundo ele, com água que do rio Jordão, em Israel. Fiéis que quisessem trabalhar na obra podiam comprar ingressos de R$ 1.730 por dia.

Já para pisar na casa de Neymar e construir um lago, o tíquete era mais caro: eram apenas dez vagas, a R$ 120 mil cada, com hospedagem e alimentação incluídos. "É barato", avalia Ricardo — embora só duas pessoas tenham efetivamente pago o valor cheio. Outros eram representantes e parceiros da Genesis que fazem as obras da empresa em outros estados.

"Só a visibilidade de 1 milhão de pessoas vendo tua cara no meu Instagram, 200 milhões vendo sua cara no Instagram do Neymar, 200 mil vendo vídeo seu no canal do Youtube... Já tá pago."

"Não é o dinheiro que me motiva", pondera Ricardo. O "propósito da Genesis", define ele, é "levar Deus" e "plantar uma sementinha."

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Ricardo argumenta que, como Sorocaba se tornou cristão, Neymar também se converterá. Ele vê o imbróglio da interdição como um desafio a ser superado.

Na sede da empresa, os funcionários participam diariamente dos ritos de oração e leitura da Bíblia. "É regra, é lei", diz Ricardo. Segundo ele, não é preciso ser evangélico para ser contratado, "mas o povo acaba virando".

O céu ainda é o limite para o empresário. Ele planeja lançar o Genesis One, para viabilizar o "sonho" ao custo de cerca de R$ 14 mil por um kit de construção. "A pessoa só vai lá e cata as pedrinhas para fazer o lago. Só que aí vai ter que correr atrás da licença das pedras, né?".

Ricardo diz que também está prestes a abrir uma filial na Flórida, "a porta de entrada para os Estados Unidos, e os Estados Unidos são a porta de entrada para o mundo".

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Imagem: Keiny Andrade/UOL

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