Governo de SP tenta transferir Champinha de UES sem autorização judicial
O governo de São Paulo tentou transferir, à revelia da Justiça, Roberto Aparecido Alves Cardoso, 36, o "Champinha", e outros internos da UES (Unidade Experimental de Saúde), na Vila Maria, zona norte de São Paulo, na manhã desta sexta-feira (6).
Informações obtidas pelo TAB davam conta de que o governo do estado pretendia levar, sem autorização judicial, os internos para o Hospital de Custódia e Tratamento Psiquiátrico "Dr. Arnaldo Amado Ferreira", em Taubaté.
A UES abriga "Champinha", há 17 anos, por sua participação no sequestro e assassinato de Liana Friedenbach e Felipe Caffé, vinte anos atrás, além de outros quatro egressos do sistema socioeducativo, como registrou reportagem do UOL.
A reportagem apurou que os internos chegaram a ser avisados no início da tarde de que a transferência ocorreria "em 30 minutos".
No final de setembro, a Folha de S.Paulo publicou reportagem em que o governo paulista tinha a intenção de transferir os internos da UES. Na ocasião, a Secretaria de Estado da Saúde afirmava que Champinha não poderia ser transferido sem autorização judicial.
"É totalmente ilegal", afirmou ao TAB o promotor de Justiça do Ministério Público de São Paulo Arthur Pinto Filho, da área de saúde.
"Eles estão internados por determinação judicial, de processos no interior, de cidades diferentes, e só podem sair com autorização judicial", concluiu.
O juiz responsável pelo caso de Roberto não autorizou a transferência, de acordo com apuração feita pelo TAB. A Defensoria do Estado de São Paulo também foi pega de surpresa com essa possibilidade.
A reportagem flagrou, na entrada da UES, dois camburões para transporte de presos.
"Se isso ocorrer, o Estado, em vez de solucionar e resolver a situação da Unidade Experimental de Saúde, que é ilegal por si só, estaria dobrando a aposta na ilegalidade, transferindo as pessoas que estão na UES para um ambiente que também é inadequado, tanto em termos legais quanto em termos do que esses casos necessitariam como intervenção" Daniel Palotti Secco, defensor público do Núcleo Especializado da Infância e Juventude
"Não existe a menor previsão legal para encarcerar nesses espaços dos hospitais de custódia pessoas que não tenham sentença ou decisão judicial com medida de segurança, o que não é o caso de nenhum dos internos da UES", conclui.
O outro lado
Questionada, a direção da unidade, sob coordenação da Secretaria Estadual da Saúde, não confirmou e tampouco negou a operação de transferência sem autorização judicial.
Em nota, a Secretaria de Estado da Saúde informou que "qualquer eventual transferência na Unidade Experimental de Saúde (UES) ocorre com devido alinhamento com a Justiça". "À pasta cabe indicar a equipe médica, providenciar os medicamentos, bem como o acompanhamento clínico e psiquiátrico dos internos, sem interferência quanto ao local de cumprimento", diz o comunicado.
Já a Secretaria de Administração Penitenciária de São Paulo informou que "até o momento, não foram realizadas transferências de pacientes da Unidade Experimental de Saúde, na Vila Maria, na zona norte, para o Hospital de Custódia e Tratamento Psiquiátrico de Taubaté".
A Secretaria de Segurança Pública de São Paulo informou que responderia por email. Às 17h30, registrou em nota que "não localizamos nenhuma ocorrência com essas características até o momento".
Situação de 'Champinha'
Vinte anos atrás, o casal de namorados Liana Friedenbach, 16, e Felipe Caffé, 19, foi sequestrado, torturado e assassinado enquanto acampava em uma região isolada de Embu-Guaçu, na Grande São Paulo.
O país acompanhou atônito pela TV e jornais as buscas do advogado Ari Friedenbach pela filha.
Cinco pessoas foram detidas e condenadas pelos crimes. Só duas continuam presas. Uma delas é Roberto Aparecido Alves Cardoso, conhecido como Champinha, que há 17 anos vive em uma espécie de limbo.
Menor de idade à época dos crimes, ele foi encaminhado à antiga Febem. Embora não pudesse ficar mais de três anos, uma decisão judicial o manteve lá dentro. Aos 21, após uma fuga, foi colocado na recém-criada UES (Unidade Experimental de Saúde), local altamente vigiado que parece uma prisão, mas não é.
Nunca houve uma sentença que determinasse quanto tempo Champinha deveria permanecer por lá.
Até hoje não há data — nem disposição judicial ou política — para que ele seja colocado em liberdade.
Em junho, a Resolução n. 487 do CNJ (Conselho Nacional de Justiça) determinou novas diretrizes para a aplicação da Lei Antimanicomial, orientando a desinstitucionalização de apenados com transtorno mental, com adoção de medidas preventivas, tratamento individualizado e ambulatorial, ou seja, em liberdade.
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