Igreja de R.R. Soares deve R$ 89 mi; emenda à lei é do filho do pastor
A mudança na lei que permitiu às igrejas se livrarem do pagamento de até R$ 1,2 bilhão em tributos, segundo dados da Receita Federal, foi proposta pelo deputado David Soares (União Brasil-SP), filho do pastor R.R. Soares, da Igreja Internacional da Graça de Deus.
Com R$ 89 milhões inscritos na dívida ativa da União, a Graça de Deus está entre as cinco maiores devedoras entre as organizações religiosas, de acordo com dados da PGFN (Procuradoria Geral-da Receita Nacional) de 2022.
A emenda à Lei 14.057 foi sancionada pelo então presidente Jair Bolsonaro em setembro de 2020. Dias antes, R.R. Soares apareceu em transmissão de sua própria TV, a RIT, falando sobre a mudança na lei e como ela poderia socorrer sua igreja, que, àquela altura, acumulava R$ 161 milhões em dívidas ativas com a União.
Na ocasião, R.R. Soares chegou a dizer que estava paralisando a construção de um megatemplo na zona norte de São Paulo por ter empenhado o dinheiro para pagar a dívida da igreja.
Dados obtidos pelo UOL indicam que, de dezembro de 2020 a dezembro de 2021, a dívida da Graça de Deus com a União caiu para R$ 85 milhões.
Não é possível relacionar a queda da dívida da Graça de Deus à emenda de David Soares porque, via LAI, a PGFN informou que, até agora, não tem dados disponíveis sobre o assunto.
O UOL entrou em contato com a Graça de Deus em quatro ocasiões, por telefone e email, entre o final de outubro e o início de dezembro.
Por email, a gerente de administração e secretária de R.R. Soares disse que o pastor era o mais indicado para falar das dívidas da igreja, mas estava com a agenda cheia. "Em tempo oportuno", ele estaria disponível para entrevistas, o que não aconteceu até a publicação desta reportagem.
O deputado federal David Soares também foi procurado por telefone e por email, mas não quis dar entrevista.
A reportagem esteve no local onde seria construído o templo e, fora os encarregados de "carpir mato", não há sinal de retomada da obra.
'Show da Fé'
Nas contas da própria entidade, a Graça de Deus tem 5.000 templos mundo afora, incluindo filiais na Europa e na Ásia.
Em quatro décadas, a igreja se instalou em São Paulo, onde criou um conglomerado que inclui TV, rádio, gravadora e editora — todas com "Graça" no nome.
Além da igreja, Soares é sócio de sete empresas, além de um escritório de advocacia, uma firma de empreendimentos imobiliários e um shopping popular.
No Brasil, os cultos da Graça de Deus são filmados e exibidos diariamente na RIT. Desde 2003, também está na grade da TV aberta sob o nome "Show da Fé".
O feito fez com que Soares fosse, por muito tempo, o comunicador com maior tempo na TV brasileira.
A vitrine televisiva é a chave para entender o boom dos evangélicos no Brasil. Na disputa pelo rebanho midiático, a Graça de Deus concorre com a Universal, conhecida pela figura do bispo Edir Macedo. Soares foi o primeiro grande líder da denominação concorrente.
Racha na Universal
A Graça de Deus nasceu de um racha entre R. R. Soares e Edir Macedo.
Eles se conheceram em 1968, na Igreja Nova Vida, no Rio. Fundaram juntos a Igreja Universal do Reino de Deus em 1977. Inicialmente, Macedo era apenas tesoureiro, e Soares, a principal liderança.
O vínculo virou familiar, quando Soares se casou com a irmã caçula de Macedo, Madalena. Isso não impediu as rusgas: Soares, mais contido e pé no chão, e Macedo, empreendedor e ousado.
"Soares não confiava muito no Macedo. Demorou para nomeá-lo pastor", conta à reportagem o jornalista Gilberto Nascimento, autor de "O Reino: a história de Edir Macedo e uma biografia da Igreja Universal".
Soares voltou de uma viagem aos EUA certa vez e foi surpreendido por um "golpe", relata Nascimento: 15 pastores decidiram retirá-lo da presidência da igreja, por "desentendimentos teológicos".
Sem clima, o missionário deixou a Universal e fundou em 1980 a Graça de Deus, no Rio, com parte dos antigos fiéis.
Fé e política
A igreja é internacional, mas o pastor atrai um perfil mais "patriota". Soares sempre deixou clara a simpatia por Jair Bolsonaro.
Após se candidatar a deputado federal (e perder) em 1986, o pastor passou a fazer campanhas para o irmão, Adilson Soares, deputado federal pelo Rio até 2015, e para Jorge Tadeu, que não era evangélico, mas representou os interesses da igreja até 2019 como deputado federal pelo DEM (hoje União Brasil) de São Paulo.
"Ele perambulava com eles nos cultos. As atividades religiosas acabavam em comícios", diz o historiador e teólogo Gerson Leite de Moraes, professor na Universidade Presbiteriana Mackenzie, que acompanhou em 2006 a cruzada política do missionário em cidades do interior de São Paulo.
Mais tarde, vieram os filhos. Quatro deles são parlamentares: além de David, Daniel é deputado estadual por São Paulo, Filipe é deputado estadual pelo Rio e Marcos é deputado federal pelo mesmo estado. Todos foram eleitos pelo União Brasil.
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