Vítimas da Braskem pressionam Justiça para rever valor de indenizações
Acabou rápido o dinheiro que Sueli Santos do Nascimento ganhou da Braskem para deixar sua casa em Maceió, vizinha das minas de sal da empresa. Ela mudou com o marido para outro bairro, a uma hora de onde vivia, e gastou o que tinha para ajudar os filhos a ter um novo teto.
A indenização pela propriedade de sua família, que possuía duas casas modestas num mesmo terreno, foi dividida com dez pessoas, incluindo o pai, os irmãos e os sobrinhos. Nascimento ganhou da petroquímica R$ 16 mil por sua parte no imóvel e R$ 4 mil a título de danos morais.
"Dinheiro nenhum vai pagar a vida que a gente deixou lá", diz ela. Aos 45 anos, Sueli teve que deixar o bairro do Bebedouro depois que a Defesa Civil de Maceió mandou desocupar as áreas ameaçadas pelos desmoronamentos nas minas subterrâneas exploradas pela Braskem.
Passados três anos, advogados, defensores públicos e organizações que representam as vítimas do desastre socioambiental pressionam a Justiça para tentar rever as indenizações pagas pela empresa e reparar adequadamente as perdas sofridas por famílias como a de Sueli.
A maioria das pessoas desalojadas assinou acordos individuais com a Braskem para receber o dinheiro, e seus termos foram homologados depois pela Justiça Federal, mas muitas ficaram insatisfeitas com os valores obtidos e a forma como a petroquímica conduziu as negociações.
"As pessoas tinham que deixar suas casas e refazer suas vidas, e aceitaram os acordos porque precisavam do dinheiro logo", diz Ricardo Melro, da Defensoria Pública de Alagoas, que prepara uma ação judicial para rever os termos impostos pela Braskem nas negociações.
Um acordo firmado pela empresa com o Ministério Público Federal e outros órgãos para a desocupação da região, que a obrigou a indenizar milhares de pessoas que viviam em cinco bairros, estabeleceu princípios gerais para o processo. Coube à Braskem definir os detalhes.
Melro é um dos signatários do acordo, e a Defensoria de Alagoas representou centenas de vítimas em negociações individuais com a petroquímica depois. O Ministério Público de Alagoas e a Defensoria Pública da União também participaram do acordo, assinado em dezembro de 2019.
O alvo principal da Defensoria agora é o valor estipulado pela Braskem para os danos morais, R$ 40 mil por imóvel, independentemente do número de moradores e do contexto familiar. Famílias como a de Nascimento tiveram que repartir valor igual ao que foi pago a casais sem filhos.
Pessoas que moravam na região pagando aluguel tiveram que dividir os danos morais com os proprietários dos imóveis, meio a meio. "Criaram-se situações esdrúxulas, de total desrespeito à dignidade humana", afirma o advogado Carlos Lima, que participou de centenas de acordos.
Para a Defensoria, o tabelamento contraria decisões de tribunais superiores. Em 2023, por exemplo, o Supremo Tribunal Federal decidiu que a fixação de parâmetros para indenizações na legislação trabalhista não impede juízes de definir valores superiores em casos individuais.
Além disso, a Defensoria argumenta que as negociações com a Braskem se deram em condições desiguais. "As pessoas estavam em situação de grande vulnerabilidade", diz Melro. "Recorrer à Justiça não era uma opção, porque significaria esperar anos por uma definição."
A petroquímica afirma ter pago até agora R$ 3,9 bilhões para moradores e comerciantes desalojados de 14,5 mil imóveis. O total inclui as indenizações e auxílios concedidos para mudança e aluguéis. Das 19,1 mil propostas de acordo apresentadas, 18,7 mil foram aceitas.
"Os acordos individuais são facultativos, e qualquer um pode buscar compensação na Justiça", diz a procuradora da República Roberta Bomfim, negociadora e signatária de quatro acordos coletivos com a Braskem. "É fácil apontar falhas hoje, mas não vejo o que faria de diferente."
O acordo que tratou da desocupação das áreas de risco previu compensação de danos materiais e morais para proprietários e moradores, além dos prejuízos sofridos pelos que exerciam atividades econômicas na região, mas não definiu parâmetros para os valores.
Para a encosta do Mutange, área que era ocupada por muitas habitações precárias, o acordo fixou o valor das indenizações em R$ 81,5 mil por imóvel. Para as demais áreas de risco, definiu-se apenas que os valores deveriam contemplar o terreno, as construções e eventuais benfeitorias.
A Braskem afirma ter adotado como referência para as negociações o valor de mercado de bairros de padrão equivalente ao que as áreas desocupadas tinham antes do estrago, mas sempre se recusou a fornecer maiores detalhes, segundo advogados que participaram dos acordos.
A propriedade dos imóveis desocupados foi transferida para a Braskem, que já iniciou sua demolição. A petroquímica poderá explorar comercialmente a área no futuro se comprovar o fim da instabilidade do subsolo da região, e se houver autorização da legislação municipal.
O programa de compensação financeira começou a ser executado dois meses antes do início da pandemia de Covid-19, que tornou mais vulneráveis as famílias dos bairros mais pobres e acirrou tensões. A maioria das negociações foi conduzida remotamente, por videoconferência.
"As propostas da empresa ficaram em geral muito aquém dos valores de mercado que os imóveis tinham", diz o advogado Breno Dantas, que participou de centenas de acordos com a Braskem. "Quando as pessoas foram buscar outro lugar para viver, estava tudo muito caro."
A desocupação e as indenizações causaram um aumento repentino da demanda por moradia em Maceió, inflacionando o mercado. Segundo o índice FipeZap, os preços dos imóveis residenciais subiram 72% desde 2019, a maior alta observada em 16 capitais pesquisadas.
Pessoas que tinham negócios nas áreas desocupadas perderam a clientela e não conseguiram retomar atividades em outros bairros. "Elas receberam indenizações, mas ninguém teve ajuda para se reorganizar", diz a economista Natallya Levino, da Universidade Federal de Alagoas.
Cálculos feitos pelo empresário Alexandre de Moraes Sampaio, presidente da Associação dos Empreendedores e Vítimas da Mineração em Maceió, sugerem que as indenizações devidas pela Braskem teriam sido muito maiores se padrões internacionais tivessem sido seguidos.
Baseado em critérios propostos pela Corte Interamericana de Direitos Humanos, pela organização não governamental Cáritas e pela Fundação Getúlio Vargas para casos similares, ele estimou que o total alcançaria R$ 30 bilhões, duas vezes o que a Braskem pretende gastar.
A empresa separou em seu balanço R$ 14 bilhões para lidar com o estrago em Maceió. Além dos R$ 4 bilhões desembolsados até aqui com indenizações, ela se comprometeu com as autoridades a gastar R$ 6 bilhões para fechar as minas de sal, monitorar as áreas de risco e reparar danos.
"Aprendemos muito com os desastres ambientais dos últimos anos, mas muitas lições parecem ter sido ignoradas em Maceió", diz a professora Maria Cecília de Araújo Asperti, coordenadora de um grupo de especialistas da Escola de Direito da Fundação Getúlio Vargas em São Paulo.
Sua equipe assessorou o Ministério Público Federal e o Ministério Público de Minas Gerais no processo de reparação dos danos causados pelo rompimento da barragem de Mariana (MG), que matou 19 pessoas em 2015 e afetou vários municípios na bacia do rio Doce.
Em janeiro, a Justiça Federal condenou a mineradora Samarco e suas controladoras, a Vale e a BHP, a pagar R$ 47,6 bilhões por danos morais coletivos. As empresas devem recorrer. Elas destinaram R$ 34,7 bilhões para ações de reparação nos últimos anos, incluindo indenizações.
A FGV propôs uma metodologia para definir as indenizações individuais, considerando várias dimensões na avaliação das perdas sofridas pelas vítimas do desastre e fixando parâmetros mínimos para cálculo dos danos. Há dezenas de milhares de casos em discussão na Justiça.
"Não se pode tomar medidas definitivas como as que foram executadas em Maceió sem um diagnóstico amplo do problema", diz Asperti. "Indenizações podem ser antecipadas em caso de urgência, mas devem ser revistas quando houver maior compreensão dos danos a reparar."
Braskem diz que maioria aceitou acordo
Em nota enviada por sua assessoria de imprensa, a Braskem afirmou que os elevados índices de adesão aos acordos de indenização propostos pela empresa "comprovam a efetividade" do seu programa, que definiu como uma "alternativa de solução consensuada que segue o devido processo legal".
Até o fim de janeiro, segundo as estatísticas da empresa, 99,8% dos interessados receberam propostas de compensação da Braskem e 94,5% do valor total previsto para as indenizações propostas já havia sido pago.
A empresa ressaltou que o programa é de adesão voluntária e que os participantes que aderiram foram todos acompanhados por advogados ou defensores públicos. Segundo a Braskem, 99% aceitaram as propostas apesar da possibilidade de recorrer à Justiça para questionar os valores.
A companhia afirmou que os valores pagos a título de danos materiais foram calculados de acordo com o valor de imóveis semelhantes, "com as mesmas dimensões e que estejam situados em bairros que possuem as mesmas características".
Sobre a fixação do valor pago a título de dano moral, a Braskem disse apenas que realizou estudos que buscaram "entender a jurisprudência sobre danos morais em geral e a relativa a processos análogos" ao caso de Maceió.
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