78 pessoas, 10 anos e 3 países: o caminho até a prisão de Robinho
Ao menos 78 pessoas, em três países diferentes, entre juízes, promotores, policiais, advogados, ministros, funcionários públicos e testemunhas, participaram ativamente do processo que resultou na prisão de Robinho por estupro coletivo.
Esses nomes aparecem nas quatro sentenças que condenaram e confirmaram a pena do ex-jogador: três delas na Itália e uma no Brasil.
A lista mostra como as autoridades e a cúpula do Judiciário desses países se mobilizaram em torno da acusação a um dos jogadores de futebol mais conhecidos do país.
Os italianos também consultaram durante a investigação dois advogados na Inglaterra para apurar informações sobre uma acusação antiga contra Robinho.
O ex-jogador foi preso em casa nesta quinta-feira (21), em Santos. Ele participou de audiência de custódia e foi levado ao presídio de Tremembé (SP), conhecido por abrigar famosos.
O caminho até a prisão foi longo. Foram cerca de 7.500 páginas produzidas em mais de dez anos de processo na Itália.
O que significa o caso Robinho
A complexidade do caso se refletiu em um debate acalorado na última quarta-feira (20), em Brasília, quando o STJ (Superior Tribunal de Justiça) confirmou a validade da sentença no Brasil por 9 votos a 2.
E ontem, o ministro Luiz Fux, do STF (Supremo Tribunal Federal), negou um pedido de habeas corpus feito pela defesa.
Não é comum que um processo de estupro envolva tantos membros do Judiciário e tantas instituições, o que exigiu um esforço de cooperação internacional poucas vezes visto.
Em Brasília, o caso Robinho é considerado um símbolo do esforço do Judiciário em se mostrar sensível ao combate da violência contra a mulher.
Nos bastidores, ministros do STJ se diziam indignados com o fato de Robinho estar livre, participando de eventos sociais em Santos (SP), mesmo condenado.
O debate sobre a legalidade da decisão deve se intensificar no STF, que espera receber recursos da defesa de Robinho.
A tese da defesa é que Robinho deve ser processado novamente no Brasil, com nova investigação, a ser produzida pela Justiça brasileira.
"Esse é um dos pontos que me parecem fundamentais, porque a mim me parece que o direito do brasileiro é ser processado aqui", disse José Eduardo Alckmin, o experiente advogado criminalista que é primo do vice-presidente da República, Geraldo Alckmin.
A construção do processo
Robinho e o amigo Ricardo Falco foram julgados na Itália por nove juízes, incluindo os três da Corte de Cassação que deram a sentença final.
Na fase de investigação, dois magistrados concederam autorizações para medidas como os grampos que resultaram nas principais provas contra os amigos.
Seis testemunhas foram convocadas a depor por cinco membros do Ministério Público, entre promotores, procuradores e assistentes de promotoria, que se revezaram nas três instâncias.
Outros cinco especialistas deram pareceres técnicos sobre aspectos genéticos e toxicológicos importantes para a investigação.
Robinho foi ouvido durante o inquérito, quando admitiu que a vítima praticou nele sexo oral por cerca de 5 a 10 minutos na boate Sio Café, em Milão.
Em entrevista à TV Record no último domingo (17), ele negou participação no estupro da mulher albanesa, o que é desmentido por áudios divulgados pelo UOL.
As gravações foram reveladas no podcast UOL Esporte Histórias - Os Grampos de Robinho em 2023. O STJ seguiu com a tramitação do processo no mesmo dia da divulgação dos áudios.
Carlo Nordio e Marta Cartabia, ministros da Justiça na Itália, assinaram ofícios ao ministério brasileiro pedindo a transferência da pena, após a sentença virar definitiva.
Em Brasília, dois procuradores da República assinaram pareceres concordando com a prisão no Brasil. O presidente Lula também declarou apoio público à punição.
Robinho teve ampla oportunidade de defesa durante todo esse tempo: contou com cinco advogados na Itália e contratou outros sete quando o caso chegou a Brasília.
A Itália pediu sua extradição em outubro de 2022 e, no ano seguinte, diante da negativa — por lei, o Brasil não extradita seus cidadãos —, pediu a transferência da pena.
Horas após o pedido ser aceito, Alckmin começou a articular a nova estratégia de defesa, que consiste em enviar uma série de recursos contra a homologação da sentença italiana.
Robinho grampeado
Robinho passou a quinta-feira (21) no litoral de São Paulo, onde vive, enquanto os tribunais da Justiça federal se comunicavam para executar a decisão do STJ.
A Polícia Federal informou à noite que fez a prisão em um apartamento do jogador.
Foi a segunda vez que a polícia bateu na porta da casa de Robinho.
Em 2014, policiais de Milão o informaram da investigação e apreenderam em sua casa equipamentos como celulares, tablets e computadores. Foram encontradas mensagens e fotos do dia do crime.
Os investigadores grampearam durante quatro meses daquele ano os celulares e o carro de Robinho, na expectativa de ouvir o que ele comentava com os amigos sobre o crime.
Robinho, Ricardo Falco e outros quatro homens falam o que fizeram na boate de Milão. Essas conversas tornaram-se as principais provas do caso.
Dos dribles à prisão
A prisão de Robinho é mais um capítulo melancólico da carreira de um jogador que surgiu como profissional em 2002 representando o futebol-arte brasileiro.
Robinho foi um dos expoentes do Santos campeão brasileiro daquele ano, com seus dribles rápidos e surpreendentes.
Foi contratado aos 21 anos por US$ 50 milhões pelo Real Madrid. Depois passou por Manchester City, Milan, Atlético-MG, um time da China e outro da Turquia. Defendeu a seleção brasileira em duas Copas do Mundo, em 2006 e 2010.
Robinho nega ter cometido o estupro coletivo e se diz arrependido apenas por ter traído sua esposa.
Afirma que suas falas admitindo o crime aos amigos foram tiradas de contexto e que foi vítima de tentativas de extorsão e de racismo na Itália.
Acúpula do Judiciário de Brasil e Itália trabalhou durante 11 anos, até a sua prisão.
Mas a condenação só foi possível pela iniciativa da mulher albanesa, até hoje anônima, que na época do crime tinha 23 anos e a coragem de denunciar uma celebridade do futebol.
Ouça todos os episódios de UOL Esporte Histórias - Os grampos de Robinho
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