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Polícia Militar de São Paulo teve infiltração comunista na ditadura militar

A resistência contra a ditadura contou com a participação de PMs. Entre os opositores ao regime havia um grupo de PMs comunistas, atuante desde antes do golpe militar e perseguido nos anos de chumbo que vieram a seguir.

Um dos momentos mais dramáticos para o grupo foi a morte, em agosto de 1975, do tenente-coronel da PM José Ferreira de Almeida, 64. Torturado e morto numa cela do DOI-Codi, Almeida era um dos cabeças do movimento comunista na corporação.

Assim como o jornalista Vladimir Herzog, Almeida foi fotografado morto na cela com uma corda no pescoço, numa simulação de suicídio.

As mortes fizeram parte de uma macabra série de "suicidados por enforcamento". Antes, o estudante Alexandre Vannuchi Leme, 22, já havia sido assassinado de maneira semelhante. Depois dos três, foi a vez do metalúrgico Manoel Fiel Filho, 49.

Segundo-tenente José Ferreira de Almeida (esq.), morto em 8 de agosto de 1975; e jornalista Vladimir Herzog (dir.), morto em 25 de outubro de 1975. Ambos no DOI-Codi, em São Paulo
Segundo-tenente José Ferreira de Almeida (esq.), morto em 8 de agosto de 1975; e jornalista Vladimir Herzog (dir.), morto em 25 de outubro de 1975. Ambos no DOI-Codi, em São Paulo Imagem: Arquivo/DOPS

Ação de base na PM

Ligado ao Setor Militar, grupo comunista alinhado ao PCB (Partido Comunista Brasileiro), José Ferreira de Almeida fez parte da Guarda Civil até 1970. Nesse ano, o estado de São Paulo unificou o órgão à Força Pública, criando assim a Polícia Militar. Almeida foi, então, integrado às fileiras da nova corporação.

A missão da Força Pública era proteger o Brasil de agressores desde os tempos do Brasil Império. Com o surgimento da Polícia Militar, a tropa passou a se dedicar a preservar a ordem pública, o que na época significava proteger o Estado militarizado.

A missão de Almeida dentro do grupo de policiais comunistas era convocar outros policiais. Em 1964, ele contatou militantes de outros estados e os recebeu em sua casa para aulas de guerrilha, por exemplo.

Almeida ainda passou a ser responsável pela distribuição de um jornal chamado Voz Operária.

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'Vendilhões da Pátria'

Sessenta e três policiais militares, entre praças e oficiais, foram acusados de "infiltração comunista".

A ditadura entendia que o Setor Militar tentava realizar algo parecido ao levante de 1932, quando agentes de segurança paulistas confrontaram o governo de Getúlio Vargas.

Nos registros do DOPS (Departamento de Ordem Política e Social) e do Arquivo Nacional há fichas e investigações contra o grupo.

Todos os PMs listados nesses documentos foram expulsos da corporação e presos. Alguns deles, anos depois, retornaram às fileiras por meio do sistema judiciário.

Documento confidencial da ditadura sobre investigação de infiltração comunista na PM de SP
Documento confidencial da ditadura sobre investigação de infiltração comunista na PM de SP Imagem: Arquivo/DOPS
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Vendilhões da Pátria. Excrescência de que se liberta a gloriosa Corporação de Tobias de Aguiar. Traidores várias vezes: do Brasil, da Corporação e dos companheiros de farda. Comportam-se indignamente e devem ser tratados com o merecido rigor, para que não sirvam de exemplo para seus pares. Agiram na clandestinidade, subvertendo a disciplina e a hierarquia, conspirando contra o regime estabelecido, enquanto seus iguais lutavam dedicadamente.
Texto escrito por militares sobre PMs comunistas

Enquanto reprimia o que chamava de "infiltração comunista dentro da PM", a ditadura fez de tudo para deixar o caso em sigilo, sob a justificativa de que esses policiais não poderiam ser exemplos positivos aos demais.

Quando a ditadura caiu, na década de 1980, os PMs que sobreviveram pediram suas reintegrações à corporação para terem direito à aposentadoria.

A Comissão Nacional da Verdade, instaurada em 2011, identificou ainda outros policiais que agiram contra a ditadura. Foram 237, por todo o Brasil.

As reuniões de PMs com o PCB

Renato Oliveira da Motta era membro do Comitê Central do PCB e foi acusado de ser o responsável por fazer a ponte entre o partido e os PMs comunistas.

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Na investigação das Forças Armadas foi destacada a importância do bairro de São Miguel Paulista, na zona leste de São Paulo, na integração dos PMs ao PCB.

O partido realizou ali diversas reuniões, incluindo ensinamentos sobre luta armada feitos por Carlos Marighella (1911-1969). Entre os alunos havia policiais.

Alguns desses encontros foram realizados na casa do segundo-sargento Frutuoso Luiz Martins, levado ao DOI-Codi em julho de 1975. Ele foi liberado um mês depois e, por um ano, foi obrigado a se apresentar aos militares semanalmente.

Esses encontros também eram frequentados pelo tenente-coronel Vicente Silvestre. Como José Ferreira de Almeida, ele também era da Guarda Civil antes da criação da Polícia Militar.

A ditadura o classificou como "doutrinador do Partido Comunista", cuja intenção, segundo os documentos, seria "constituir um poderoso Exército paralelo às Forças Armadas, que, contra ela, poderá, futuramente, se voltar".

Em 1975, Silvestre foi conduzido ao DOI-Codi para prestar esclarecimentos. Acabou expulso da PM. Depois, foi indiciado e preso, num processo que se arrastou até o início dos anos 1980, entre solturas e novas condenações.

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Ele requisitou seu retorno às fileiras da PM em 1983 para conseguir se aposentar como policial. O ex-presidente Michel Temer, à época procurador-geral do estado, o apoiou. Silvestre retornou à PM em 1986 e foi promovido a coronel.

Documento do Serviço Nacional de Informação sobre investigação de PMs de SP comunistas
Documento do Serviço Nacional de Informação sobre investigação de PMs de SP comunistas Imagem: Arquivo/DOPS

Policiais antifascistas

Segundo os inquéritos e processos da época, os policiais se definiam como "policiais antifascistas", lutando contra um regime de exceção no país.

Hoje, o termo hoje está associado a policiais civis, militares, federais, rodoviários e penais que defendem uma política de segurança pública humanizada.

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