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Enel fica entre multas milionárias e ameaça de fim de concessão

Presente em São Paulo, no Rio e no Ceará, a Enel encara a possibilidade de perda da concessão paulista após apagões nos últimos meses e pedido de abertura de processo administrativo pelo ministro Alexandre Silveira (Minas e Energia).

Raio-X

Silveira embasa o seu pedido citando dois apagões em São Paulo. O primeiro foi em 3 novembro de 2023, quando, após forte chuva, 2,1 milhões de clientes ficaram sem energia na cidade.

O restabelecimento total demorou. Numa faculdade da zona leste, estudantes chegaram a iniciar a prova do Enem em um prédio sem energia. Três dias depois do apagão, comerciantes de bairros da zona sul ainda contabilizavam prejuízos com alimentos vencidos. O episódio impulsionou a abertura de uma CPI na Alesp (Assembleia Legislativa de São Paulo).

O outro caso mencionado pelo ministro ocorreu em 18 de março de 2024. A queda de energia atingiu, por dias, bairros do centro da capital paulista. A Santa Casa de Misericórdia precisou recorrer a geradores e adiou atendimentos. A rua 25 de Março também foi afetada e, consequentemente, centenas de lojistas. Houve relatos de moradores que ficaram cinco dias sem luz.

O ministro das Minas e Energia disse que vai espremer "até a última gota" das distribuidoras para melhorar os serviços em renovações de concessões. E, diante desse cenário, o diretor-geral da Aneel (Agência Nacional de Energia Elétrica), Sandoval Feitosa, citou a possibilidade de intervenção na Enel, em entrevista ao jornal O Globo.

Se avaliarmos que a empresa permanece inerte, permanece sem atuar de forma diligente, podemos sim aumentar o nível das penalidades chegando, conforme previsto em resolução, em recomendações de intervenção na empresa, ou eventualmente elaboração de um relatório de falhas e transgressões
Sandoval Feitosa, diretor-geral da Aneel

Nova falha no fornecimento de energia pela Enel, causa apagão nas ruas do entorno da 25 de Março, no centro de São Paulo
Nova falha no fornecimento de energia pela Enel, causa apagão nas ruas do entorno da 25 de Março, no centro de São Paulo Imagem: Willian Moreira/Ato Press/Folhapress

A Prefeitura de São Paulo também fez coro contra a Enel e pediu rescisão de concessão. O pedido do município foi encaminhado ao Tribunal de Contas da União (TCU) e à Aneel. Se as falhas forem confirmadas, após processo administrativo, a agência reguladora tem o poder de recomendar a rescisão do contrato da Enel ao Ministério de Minas e Energia, que pode decidir pelo fim da concessão.

À espera de podas de árvore desde 2020. A Prefeitura informou que há 4.028 solicitações de poda de árvores à espera de providências da concessionária no município. As mais antigas são de setembro de 2020. De 2024, existem 3.334 pedidos de manejo aguardando resposta. Por outro lado, a empresa diz que 99,6% dos pedidos com a prefeitura estão dentro do prazo, que é de 90 dias.

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Esses episódios também aumentaram a lista de cobranças da Enel SP. Por causa do apagão de novembro, a empresa foi multada em R$ 165,8 milhões pela Aneel (Agência Nacional de Energia Elétrica), acumulando R$ 320,8 milhões em multas desde 2018. Até o momento, pagou quase R$ 60 milhões e recorre dos demais valores.

O Procon multou a Enel em R$ 12,9 milhões, recentemente, por infrações ao Código de Defesa do Consumidor. O órgão cita, além de apagões, cobranças indevidas e problemas no atendimento. A empresa disse ter sido notificada e que responderá no prazo.

Prefeito diz que procurou executivos de madrugada. O prefeito Ricardo Nunes afirmou ao UOL que já ligou diversas vezes, inclusive de madrugada, para executivos da Enel tentando resolver algum problema urgente de iluminação cuja solução tenha sido prometida pela companhia, mas não entregue.

Histórico

A Enel atua em SP desde 2018, quando comprou a Eletropaulo. Ao todo, atua em 24 municípios e atende mais de 7 milhões de clientes. O contrato vai até 2028. Nesse mesmo ano vencerá a concessão da Enel Ceará, que opera em todo o estado. No Rio de Janeiro, a Enel atua em 66 cidades, e a concessão vai até 2026.

Nas três localidades, a empresa italiana acumula reclamações e falhas. As três unidades aparecem na parte baixa de ranking de continuidade de fornecimento de energia da Aneel. Das 29 concessionárias com mais de 400 mil consumidores, a Enel RJ e a Enel SP aparecem empatadas em 21ª posição e a Enel CE em 18ª.

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Desde 2018, a Enel SP aparece entre as dez empresas que mais receberam reclamações pelo Procon. O seu pior ano foi 2020, na pandemia de covid-19, quando suspendeu leitura presencial. Faturamentos incorretos apareceram entre os problemas, segundo Luiz Orsatti Filho, diretor executivo do Procon, na CPI da Enel. Procurada, a empresa diz que houve queda no número de reclamações individuais e que "todas recebem tratativas e são respondidas no prazo".

O lucro da Enel SP saltou de R$ 777 milhões, em 2019, para R$ 1,3 bilhão, em 2023. Apesar do aumento no número de clientes, a empresa reduziu o número de funcionários. A Enel diz, porém, que a redução não atingiu os profissionais que atuam em campo e que pretende aumentar o contingente.

Apagões em áreas da Enel também motivaram ações da Senacon (Secretaria Nacional do Consumidor). O órgão do Ministério da Justiça abriu processos administrativos com penas de multa em São Paulo e no Rio, além da Light (também no Rio). O valor pode chegar a R$ 13 milhões por processo.

No Rio, o processo contra a Enel tem relação ao apagão em Niterói, em 18 de novembro de 2023, após forte chuva. Também incluiu ocorrências em Maricá, São Gonçalo e Petrópolis.

Outro processo administrativo contra a Enel no Rio foi aberto pelo Ministério Público Estadual. O MP-RJ questiona a demora nos reparos em Niterói.

No Ceará, foi aberta CPI na Assembleia Legislativa, no ano passado, para investigar supostas irregularidades da Enel. A empresa foi multada em R$ 14,9 milhões pela Arce (Agência Reguladora do Ceará). A causa foi a falha em procedimentos contra consumidores.

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Em 2022, a Enel deixou o estado de Goiás ao ser vendida para Equatorial Energia. O governador Ronaldo Caiado (União Brasil) anunciou entusiasmado a saída da empresa e disse que ela não cumpria contrato. A Enel afirmou que a venda foi estratégia do Grupo para buscar um equilíbrio de portfólio e que nos seis anos em Goiás investiu R$ 7 bilhões. A Equatorial GO ficou em último lugar, entre concessionárias de grande porte no país, no ranking de continuidade de fornecimento de energia de 2023 da Aneel.

O consumidor era surpreendido já com multa na casa sem saber o que tinha acontecido, sem ser informado, sem ter direito de acompanhar inspeção do medidor.
Dickson Araújo, coordenador de energia da Arce (Agência Reguladora do Ceará)

As empresas não se prepararam [para mudanças climáticas]. Muito pelo contrário, a partir do momento que assumiram a concessão, passaram a demitir equipes especializadas, as de emergência, terceirizaram serviços estratégicos.
Wadih Damous, secretário da Senacon

Próximos passos

A empresa encara agora a possibilidade de ter sua concessão suspensa em São Paulo. Essa medida é citada em ofício do ministro Alexandre Silveira, enviado à Aneel.

A solução é considerada extrema. Segundo o advogado Matheus Cannizza, do escritório Diamantino Advogados Associados, para que seja aplicada "é necessário que haja processo com ampla instrução e direito de defesa", afirma. "Não é algo comum de se ver e pode ser que a administração consiga neutralizar esses inadimplementos de forma a não acabar a relação contratual."

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Especialista atribui crise no setor à falta de investimento a longo prazo e de qualificação de mão de obra. "Não é uma particularidade da Enel. Vemos episódios sucessivos na Light [no RJ], em Goiás. Em Porto Alegre foi um caos", diz Clarice Ferraz, diretora do Instituto Ilumina, ONG cuja proposta é fiscalizar os rumos do setor elétrico.

Fiscalização da Aneel é criticada. Clarice questiona os indicadores de qualidade, que consideram números de apagões e tempo de restabelecimento de energia. "A Aneel dá um desconto para a distribuidora. Ela retira eventos que ocorreram em dias de clima extremo ou atípico", explica. "Entre o que nós sofremos com queda de energia e o que a distribuidora tem que prestar contas, há um gap enorme."

Tem que ter um plano nacional seríssimo de mão de obra no setor elétrico, de formação, modernização. Vai ter que enterrar rede em lugares mais densamente povoados, como São Paulo. É uma tecnicidade muito maior, e não tem gente suficiente para fazer isso.
Clarice Ferraz, diretora do Instituto Ilumina

O que diz a Enel

A companhia diz que cumpre com todas as obrigações contratuais. Afirma que tem investido no fortalecimento e na modernização da estrutura da rede e automação. Também em ampliação dos canais de comunicação com os clientes.

A concessionária também diz se solidarizar com consumidores atingidos. Afirma ainda que prosseguirá com investimentos — fala em mais de R$ 5,9 bilhões investidos no Rio e R$ 6,7 bilhões no Ceará, entre 2018 e 2023. Em ambas localidades, também diz que houve diminuição na duração e quantidade de interrupções de energia.

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Em São Paulo, desde 2018, quando assumiu a concessão, já foram investidos R$ 8,36 bilhões, com média de cerca de R$ 1,4 bilhão por ano, quase o dobro da média anual de R$ 800 milhões realizada pelo controlador anterior. Para o período 2024-2026, em sua operação no Brasil, a Enel investirá US$ 3,6 bilhões (R$ 18 bilhões), cerca de 80% em distribuição de energia, a fim de melhorar a resiliência do sistema elétrico.
Nota da Enel

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