Infinity: investidores querem processar bancos por fundo que colapsou
Imagine que você investiu num fundo de renda fixa de liquidez diária por indicação de plataformas renomadas com a expectativa de rendimento de 170% do CDI e, de repente, o dinheiro sumiu.
Foi o que aconteceu com quem investiu nos fundos da gestora Infinity Asset, que despencaram cerca de 85% em 2023.
A empresa era dirigida por David Fernandez. Em dezembro último, ele teve sua licença retirada pela CVM (Comissão de Valores Mobiliários) por cinco anos por causa de outro processo, iniciado em 2018.
O caso mais recente, o crash da Infinity, tramita em três superintendências da mesma autarquia.
Investidores agora querem processar instituições que distribuíram o fundo, entre eles bancos gigantes como BTG Pactual, Santander e Modal, comprado pela XP.
Isso porque, dizem os investidores ouvidos pelo UOL, os fundos da Infinity foram ofertados como investimento conservador, isto é, de baixo risco.
Entretanto, descobriu-se depois que o fundo realizava outras operações que implicavam alto risco.
Advogados especializados ouvidos pela reportagem dizem que a reclamação dos investidores faz sentido, mas que é preciso considerar algum grau de risco seja lá qual for a modalidade do fundo.
Apesar desses problemas, Fernandez segue no mercado financeiro como sócio da ICP Ventures (empresa envolvida no caso Infinity) e da One Capital (assessoria financeira aberta ano passado).
O empresário não respondeu aos pedidos de entrevista da reportagem.
Onde está o dinheiro?
Até setembro de 2022, a Infinity Asset tinha quase R$ 1 bilhão em três fundos: Infinity Select (cerca de R$ 710 milhões), o carro-chefe, Lotus (R$ 146 milhões) e Tiger (R$ 138 milhões).
Mas, em dezembro de 2022, a Infinity Asset perdeu o selo da Anbima (Associação Brasileira das Entidades dos Mercados Financeiro e de Capitais), que identificou "falhas no processo de acompanhamento dos riscos de crédito das operações" e "falhas na administração de potenciais conflitos de interesses".
Muitos clientes decidiram sacar o dinheiro que tinham, mas outros ficaram.
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Quero receberAté que, em fevereiro de 2023, a administradora fechou os fundos, o que congelou os resgates.
A gestora Vanquish Asset assumiu os antigos fundos e, segundo informou nas assembleias, está esperando a ICP Venture (consultoria da própria Infinity e também dirigida por Fernandez) pagar o que deve — mais de R$ 270 milhões.
Os investidores que ficaram esperavam resgatar o dinheiro em maio de 2023. Não aconteceu.
O fundo foi fechado novamente. Após assembleias, ficou definido que o pagamento aos investidores seria feito em fevereiro de 2024, mas isso não ocorreu.
"Onde está o dinheiro?", pergunta o engenheiro Cláudio Carraro, 59, um dos fundadores da Abradefi (Associação Brasileira de Defesa dos Direitos dos Cotistas de Fundos de Investimentos), que reúne 150 dos cerca de 5 mil investidores da Infinity.
"Sei que parece só um número quando a gente diz '5 mil investidores'", diz Carraro, professor convidado da FGV-Rio. "Mas, por trás de cada código desse processo tem uma história."
Segundo a Abradefi, o perfil dos investidores é diverso: há quem investiu na casa de R$ 2 mil, R$ 200 mil e mais de R$ 2 milhões.
'Low vol'
Carraro conta que aplicou no Infinity seguindo recomendação do Modal, hoje XP. Até agora ele não recebeu nada pelo seu investimento.
Ele e outros investidores participaram das assembleias sobre o caso. Trocaram contatos e migraram para um grupo de WhatsApp, que se transformou depois num grupo maior, a Abradefi.
Junto à associação, eles buscaram a CVM (Comissão de Valores Mobiliários) e o MPF (Ministério Público Federal) para tratar do assunto — a CVM abriu três processos e o MPF pediu inquérito policial para investigar crime financeiro.
Ainda sem resposta dos órgãos, decidiram entrar com uma ação responsabilizando as instituições que distribuíram o fundo.
Isso porque, segundo eles, bancos como BTG Pactual, Santander e Modal incentivaram consultorias credenciadas a levar o Infinity para clientes.
O Modal, por exemplo, adicionou o fundo à carteira de recomendações e fez campanha para impulsioná-lo, relata um assessor de investimentos que atua no mercado há 20 anos.
Aberto a pessoas físicas e pessoas jurídicas, com investimento mínimo de R$ 100 e liquidez diária, o fundo era visto como "low vol", diz o assessor: tinha bom histórico e baixa volatilidade, pois, teoricamente, era composto por 95% de títulos públicos e 5% de outras operações com garantia.
Fundos de renda fixa são considerados "o básico do básico", uma modalidade de investimento com baixo risco no mercado. Só que, no caso do Infinity, mais de 70% foram operações "box", sem garantia (72,59%, segundo relatório da auditoria independente Audipec).
Outro assessor, de outra agência, confirma as informações.
"Foi uma bomba. Perdi tudo de uma hora para a outra", conta Daniela Martins, 46, de Gravataí (RS).
Ela diz que está difícil obter informações até para a declaração do imposto de renda.
"Não consigo entender até hoje o que aconteceu", diz o fluminense Daniel Carvalho, 58, radicado em Florianópolis, que investiu em dois fundos da Infinity.
Num deles, aplicou uma reserva de emergência para saúde de R$ 100 mil: teve linfoma, fez transplante de medula, ficou imunodeprimido e quis guardar o dinheiro num investimento seguro para o futuro.
Só um dos remédios de que ele hoje precisa custa cerca de R$ 15 mil.
"O que mais me deixa impressionado é que ninguém foi responsabilizado."
Segundo investidores ouvidos pelo UOL, eles só aderiram ao Infinity porque confiaram nas avaliações das corretoras e nas recomendações dos bancos.
Assessores da Modal me ofereceram o Infinity Select. Tirei o pouco do que tinha e migrei. Sempre fui investidora de poupança (altamente conservadora). Setembro de 2022, tirei todo meu dinheiro da poupança, dinheiro de anos de trabalho, e joguei quase todo no Infinity Select. Minha intenção era comprar um terreno para construir minha casa.
Associada da Abradefi
Escolhi esse fundo por ter uma boa rentabilidade na época, para uma renda fixa. A Modal fez propaganda dele no aplicativo. Fui enganado e coloquei todo o dinheiro da minha demissão, para que ele rendesse bem nesse período tão conturbado. Associado da Abradefi
Investi com a Avenir e o BTG. Pedi orientação para fundos conservadores sem chance de perda. [...] Sou sozinha, autônoma [...]. Sempre que posso faço investimentos, minha única possibilidade de aposentadoria. Não tenho mais nada! A Avenir diversificou meu investimento, onde uma parte foi para a Infinity Select. Hoje não sei se confio em mais nada e nem ninguém.Associada da Abradefi
"Difícil acreditar que bancos e corretoras não tinham ciência de investigações na CVM e da reputação do controlador. Se não tinham, faltou diligência. Se tinham, faltou transparência e zelo com o dinheiro do cliente", aponta o engenheiro paulistano Eduardo Lazarini, 48, presidente da Abradefi.
Para o advogado Gabriel de Britto Silva, diretor jurídico do Ibraci (Instituto Brasileiro de Cidadania), é preciso analisar até que ponto as instituições podem ter responsabilidade. "O pequeno investidor se pauta na alta reputação e relevância de uma instituição."
"É fundamental que todo investidor esteja ciente de que, em qualquer modalidade de investimento, existe um grau de risco envolvido", pondera Douglas Galiazzo, professor do curso de direito da Estácio.
"Caso ocorra algum prejuízo, é importante ressaltar que o investidor tem o direito de buscar amparo na Justiça, a fim de verificar a responsabilidade pela administração do valor investido", completa.
Procurado, o BTG Pactual não respondeu. O Modal, hoje XP, diz que não comenta o assunto.
A Toro, plataforma do Santander, diz que distribui diversos fundos e "nunca recomendou ou colocou nas carteiras sugeridas os fundos da gestora Infinity".
"Clientes que porventura tenham adquirido cotas do fundo pela plataforma têm recebido todo nosso suporte e informações atualizadas sobre os fatos envolvendo a gestora", completa a assessoria.
Ponto fraco
Registrada na CVM desde 2018, a Infinity tinha, segundo relatório de monitoramento de rating ao qual o UOL teve acesso, cerca de R$ 1 bilhão sob gestão em setembro de 2022.
O ponto fraco do fundo, diz o documento, era a "relativa centralização decisória na figura do principal sócio", David Fernandez.
Fernandez era, na verdade, alvo de um processo administrativo na CVM desde 2018.
Uma investigação foi instaurada por suspeitas de irregularidades nas operações de Fernandez em seis fundos Infinity entre 2014 e 2018.
Em janeiro de 2021, um parecer do comitê do CVM constatou que Fernandez fez operações flexíveis sem garantia, não cumpriu o regulamento e não agiu "com lealdade em relação aos interesses dos cotistas dos fundos".
Fernandez foi convocado para prestar depoimento na CPI das Pirâmides Financeiras, em Brasília, mas não compareceu.
No relatório final, publicado em outubro de 2023, os parlamentares pediram a investigação de movimentações financeiras entre a Infinity, seu gestor e seus clientes.
Fernandez continuou operando, pois o julgamento do caso só foi concluído em dezembro de 2023.
O colegiado da CVM decidiu, por unanimidade, inabilitar Fernandez por 5 anos e condená-lo ao pagamento de R$ 2 milhões de multa.
A Infinity também ficou impedida de operar e deve pagar outros R$ 2 milhões de multa.
O caso mais recente, o crash de 2023, tramita em três superintendências da CVM.
Procurada, a CVM diz que não comenta casos específicos. O MPF diz que o inquérito está tramitando na Polícia Federal.
Além da Infinity, Fernandez é sócio da ICP Ventures (empresa envolvida no caso Infinity) e da One Capital (assessoria financeira nova).
Aberta em abril de 2023, a One Capital diz, no site oficial, que é "uma boutique de assessoria financeira estratégica e taylor made para a necessidade de cada cliente, atuando como um hub de soluções e oportunidades".
"Após anos acumulando cases de sucesso no mercado financeiro, os sócios resolveram somar forças para oferecer ao mercado estratégias personalizadas e assertivas com criatividade, responsabilidade e transparência."
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