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Crescimento do patrimônio dos Brazão inclui suspeitas de grilagem

Dona de 162 imóveis no Rio que valem pelo menos R$ 120 milhões em valores atualizados, a família Brazão enriqueceu na política do Rio em meio às suspeitas de envolvimento com grilagem de terras na zona oeste da cidade.

Além da acusação pelo assassinato da vereadora Marielle Franco e do motorista Anderson Gomes, o STF também aceitou a denúncia contra os irmãos Domingos e Chiquinho Brazão por organização criminosa para a grilagem de terras com o apoio de milícias.

As defesas dos dois irmãos negam o envolvimento com a apropriação ilegal de terras.

Segundo registros públicos verificados pelo UOL, Domingos Brazão registrou a compra de 50% de um terreno de 20 mil metros quadrados em Jacarepaguá em 13 de julho de 2023.

Os vendedores são um casal formado por um eletricista e uma dona de casa, que teriam obtido o imóvel por usucapião menos de três meses antes da formalização do negócio com Domingos Brazão.

Brazão afirmou ao cartório ter pago R$ 110 mil pela fração de metade da área — quantia tão incompatível com o valor do imóvel que o cartório registrou o negócio por R$ 7 milhões para efeito de cobrança de taxas e emolumentos.

No Rio, há suspeita da Polícia Federal de que ações judiciais de usucapião, movidas em nomes de laranjas, facilitem a regularização de terras griladas. Esses prepostos são instalados nessas terras e simulam uma ocupação.

Depois, quando obtêm uma decisão (mesmo que provisória) de usucapião, o registro é rapidamente registrado em cartório, geralmente com uma averbação de "compra e venda" tendo o verdadeiro grileiro como "comprador".

O cartório do 9º Ofício de Registro de Imóveis do Rio, onde estão registradas as propriedades da família Brazão sob suspeita de grilagem, citado pelo delator Ronnie Lessa como facilitador de registros irregulares, tornou-se alvo de uma investigação interna da Corregedoria Geral de Justiça do Estado do Rio (órgão do Tribunal de Justiça).

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Em nota enviada ao UOL, 9º Ofício de Registro de Imóveis do Rio afirmou que está "inteira e ativamente à disposição das autoridades para investigação de quaisquer práticas criminosas".

Registro em nome de grileiros

Com uma declaração de usucapião em nome dos laranjas, o imóvel acaba sendo registrado em nome de grileiros por meio de operações de compra e venda.

Este foi o roteiro da grilagem do terreno de 20 mil metros em Jacarepaguá, segundo a denúncia da Procuradoria-Geral da República contra os irmãos.

Segundo a PGR, o imóvel, antes do primeiro registro, encontrava-se sob a posse de Pasquale Mauro, considerado um dos maiores grileiros da região.

É um aliado que Domingos condecorou com a Medalha Tiradentes, a mais importante comenda da Assembleia Legislativa do Rio, em 2003.

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Escreveu a PGR na acusação: "Assim se conclui a história: o terreno permaneceu, por décadas, sob a posse do 'grileiro', foi usucapido por pessoa de reduzida capacidade econômica e posteriormente transferido a Domingos Inácio Brazão, aliado político do possuidor original, a preço módico, em claro ajuste entre os participantes".

Não foi o único lote extenso de terras que foi parar no patrimônio do chefe do clã Brazão com suspeitas de irregularidades nos registros de terra.

Em maio de 2018, a Superplan, empresa pertencente a Domingos Brazão, adquiriu uma fração de 13% de um terreno de 16 mil metros quadrados também a partir de uma declaração de usucapião.

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Imagem: Arte/UOL

Oposição de Marielle à grilagem de terras

A oposição de Marielle ao domínio das milícias na zona oeste do Rio foi apontada pela investigação da Polícia Federal como o motivo da ordem dos Brazão para matá-la.

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Segundo a PGR (Procuradoria-Geral da República), Chiquinho Brazão foi autor de pelo menos dois projetos na Câmara dos Vereadores que pretendiam facilitar a regularização da propriedade e o loteamento de lotes desocupados e sem edificações. Marielle era contra esses projetos.

Para se contrapor, defendeu a destinação de verbas da prefeitura para infraestrutura urbana da zona oeste, e, atendendo a associações de moradores, apresentou um projeto para destinar imóveis irregulares a famílias com renda mensal de até três salários mínimos — o projeto foi sancionado em junho de 2019.

"Marielle se tornou, portanto, a principal opositora e o mais ativo símbolo da resistência aos interesses econômicos dos irmãos. Matá-la significava eliminar de vez o obstáculo e, ao mesmo tempo, dissuadir outros políticos do grupo de oposição a imitar-lhe a postura", escreveu a PGR, na denúncia contra os acusados pelo assassinato da vereadora.

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Imagem: Arte/UOL

Gardênia Azul

Em sua delação, o assassino confesso de Marielle e do motorista Anderson Gomes, o ex-policial militar Ronnie Lessa, disse que Domingos Brazão lhe prometeu uma área próxima ao shopping UpTown, na avenida Ayrton Senna, na região do Gardênia Azul, para explorar um loteamento.

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Os Brazão não são donos de nada ali, pelo menos não no papel. A área prometida por Brazão a Lessa, conforme a versão do delator, coincidiria com uma área conhecida no passado como Fazenda Engenho D'Água.

Ali, numa área contígua do mesmo terreno original, fica também um terreno de 20 mil m², onde foi erguido um galpão de 6.000 m².

Formalmente, o imóvel, que abriga um varejista, está em nome da Ordem dos Agostinianos Recoletos, ligada a uma ordem de religiosos da Igreja Católica.

O inquilino é a Fluzão Construção, uma loja de departamentos que vende de tijolos a acabamentos.

O dono da Fluzão é Sandro Carneiro de Pádua, uma pessoa de origem humilde que formalmente virou empresário em 2011, quando trabalhava no gabinete de Domingos na Assembleia Legislativa do Rio.

Na época, Sandro ocupava o cargo de pior remuneração do gabinete. O CCDAL-9, código que a burocracia dá à função de auxiliar administrativo exercido pelo antigo funcionário, paga atualmente R$ 2.350,21 por mês. Ele ocupou o cargo entre outubro de 2010 e junho de 2012.

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Imagem: Arte/UOL

O que dizem os envolvidos

Em resposta à denúncia da PGR, enviada ao STF no início de junho, a defesa de Chiquinho Brazão, conduzida pelo advogado Cléber Lopes de Oliveira, disse que é "absolutamente falsa a afirmativa" de que seu cliente tenha defendido a regularização de empreendimentos imobiliários em terrenos de ocupação irregular.

Segundo o documento, as falas de Ronnie Lessa segundo as quais os irmãos Brazão prometeram terrenos a ele em troca da morte de Marielle "nunca passaram de mera ilação" que nunca foi comprovada.

O advogado Roberto Brzezinski, que defende Domingos Brazão, defendeu tese parecida em sua resposta à denúncia.

Segundo ele, a única fonte da informação de que Domingos tinha interesse em projetos de regularização de ocupações irregulares é a delação premiada de Ronnie Lessa, "que busca obter benefícios penais em troca de informações mentirosas que não foram minimamente comprovadas".

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Leandro David, advogado do dono da Fluzão, nega que seu cliente tenha negócios ou seja testa de ferro de Domingos Brazão.

"Meu cliente não tem relação empresarial, contratual, negocial com Domingos Brazão. E nem tem imóvel que Domingos Brazão seja proprietário", disse ao UOL.

"A relação que meu cliente teve com Domingos Brazão está no passado. Trabalhou no gabinete, mas não tem mais relação. Não existe mais nenhum link entre eles", afirmou.

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