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Governo mira valorização do salário mínimo para zerar a fome em 2026

O número de pessoas que passam fome no Brasil caiu para 8,7 milhões de pessoas em 2023, segundo o governo federal — uma redução de 16% em relação a 2018, último ano em que foi feito um levantamento oficial. A promessa do governo Lula (PT) é de que o Brasil saia do Mapa da Fome da ONU até 2026.

O que aconteceu

Os dados são da PNAD (Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios) Contínua, do IBGE, e se referem ao último trimestre de 2023. Segundo o instituto, 4,1% dos domicílios do país passam por insegurança alimentar grave. Isso representa aproximadamente 3,2 milhões de moradias, cerca de 8,7 milhões de pessoas.

Durante a gestão Jair Bolsonaro (PL), o levantamento não foi realizado. Até março deste ano, como o UOL mostrou, o governo federal não sabia nem quantas pessoas ao todo passavam fome no Brasil e usava o dado de 33 milhões de pessoas da Rede Penssan (Rede Brasileira de Pesquisa em Soberania e Segurança Alimentar), como referência.

Isolamento durante a pandemia de covid fez a fome explodir. O dado da Penssan foi divulgado em junho de 2022 e marcou a falta de ação do governo Bolsonaro para lidar com o assunto. A fome naquele período cresceu especialmente pela pandemia de covid-19 quando a política de isolamento tirou as pessoas das ruas. Segundo a Penssan, o número de famintos quase dobrou de 2021 para 2022.

O governo Lula não tem meta anual. O único compromisso, já assumido publicamente pelo governo Lula (PT), e reiterado recentemente pelo presidente, é tirar o Brasil do Mapa da Fome da FAO, orgão da ONU para Alimentação e a Agricultura até 2026. O país deixou o quadro em 2014, durante o governo Dilma Rousseff (PT), mas voltou em 2022.

Os dados da PNAD usam como método a EBIA (Escala Brasileira de Insegurança Alimentar e Nutricional). Este é o mesmo método utilizado pelo IBGE desde que começou a realizar o levantamento, em 2004. Foram feitas outras três atualizações: 2009, 2013 e 2018.

O que diz o levantamento

Segundo o MDS (Ministério do Desenvolvimento Social), a segurança alimentar aumentou 9 pontos percentuais. Já a fome caiu meio ponto percentual.

Domicílios com pessoas em situação de segurança alimentar: de 63,3% em 2018 para 72,4% em 2023

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Domicílios com pessoas em situações de fome: de 4,6% em 2018 para 4,1% em 2023

Pessoas em situação de fome: de 10,3 milhões em 2018 para 8,7 milhões em 2023

A desigualdade entre áreas urbana e rural diminuiu. Em 2018, 4,1% dos domicílios urbanos estavam em insegurança alimentar grave, ante 7,1% dos rurais. Agora, são 3,9% contra 5,5%, respectivamente.

Norte e Nordeste seguem com piores índices. As duas regiões apresentam, respectivamente, 7,7% e 6,2% de lares em situação de fome. Sul, Sudeste e Centro-Oeste ficaram abaixo da média nacional, mas apresentaram quedas menores em comparação com 2018. "O que sugere que os locais que apresentam níveis mais baixos de insegurança alimentar grave podem representar desafios diferentes para as políticas de combate à fome", diz o MDS.

O que explica o resultado

Governo e especialistas ouvido pelo UOL apontam para um conjunto de iniciativas, centradas no programa Brasil sem Fome. Lançado em 2023, o plano articula políticas públicas e programas sociais federais com base em três eixos: acesso à renda e redução da pobreza; alimentação saudável da produção ao consumo; e mobilização para o combate à fome,

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São mais de 80 iniciativas nos três planos de gestão. Destacam-se as seguintes diretrizes:

  1. Política de valorização do salário mínimo. O aumento real do mínimo foi uma das principais promessas de campanha de Lula: para 2024, subiu a base de R$ 1.320 para R$ 1.412, reajuste de 6,86%, acima da inflação do período.
  2. Fortalecimento e reestruturação do Bolsa Família. O governo estabeleceu pagamento mínimo de R$ 600 por família, com adicional de R$ 150 por criança de zero a seis anos, R$ 50 para gestantes e para a faixa etária de sete a 18 anos e R$ 50 para quem amamenta, e assim contemplar bebês com até seis meses de idade. Também retomou exigências de frequência na escola, vacinação, entre outras condições, para a manutenção do pagamento.
  3. Aumento dos repasses para a merenda escolar. O governo promoveu revisões que variam entre 28% e 39%, de creches ao ensino médio, por meio do Programa Nacional de Alimentação Escolar, o que impacta 40 milhões de alunos da rede pública. O último reajuste havia sido feito em 2017, no governo Michel Temer (MDB).
  4. Criação do Programa de Aquisição de Alimentos. A lei, assinada em abril, estabelece que pelo menos 30% das compras públicas de alimentos sejam feitas via agricultura familiar e sejam voltadas a projetos de combate à fome.
  5. Recriação do Consea (Conselho Nacional de Segurança Alimentar e Nutricional). Em fevereiro, o governo reativou o conselho vinculado à sociedade civil, considerado um dos responsáveis por ajudar o Brasil a sair do Mapa da Fome em 2014. Ele havia sido desativado por Bolsonaro em 2019.

Quais são os próximos passos do governo

O principal desafio apontado pelo governo é mapear os "bolsões de fome" e articular políticas específicas para cada região. Sob o argumento de que a insegurança alimentar não tem diminuído de maneira uniforme, é preciso pensar em planos que lidem com realidades locais, como casos de seca, população ribeirinha ou periferia de grandes cidades. Isso em articulação com estados e municípios.

Foi criado o Protocolo Brasil Sem Fome. Segundo o MDS, o plano é uma estratégia de mapeamento das pessoas em situação de insegurança alimentar grave com base nos dados do SUS (Sistema Único de Saúde), do SUAS (Sistema Único de Assistência Social) e do SISAN (Sistema Nacional de Segurança Alimentar e Nutricional). Com o mapeamento, é possível criar políticas e serviços de garantia de renda e de acesso a alimentos específicos.

O protocolo já começou a operar em capitais e grandes cidades. "Embora os índices de insegurança alimentar grave sejam menores nelas em termos relativos, elas concentram em termos absolutos a maior parte da população com fome no país", explicou o MDS.

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O que disseram

A gente está assumindo publicamente o compromisso de que ao terminar o meu mandato, no dia 31 de dezembro [de 2026], a gente não vai ter mais ninguém passando fome por falta de comida nesse país.
Presidente Lula, em março

Os números do IBGE para 2023 são um indicativo de que o país está na direção correta. Eles mostram que o Brasil construiu e aperfeiçoou ao longo dos últimos vinte anos uma estratégia emergencial eficiente de combate à fome e que, apesar do retrocesso dos indicadores no período recente, o país foi capaz de reativar rapidamente essa estratégia e reduzir de modo significativo a insegurança alimentar grave.
Ministério do Desenvolvimento Social, ao UOL

Essas medidas [do Plano Brasil Sem Fome] compõem um conjunto de políticas públicas, investimentos e esforços coordenados para promover o acesso à renda, à cidadania e à alimentação adequada para toda a população brasileira. Queremos e vamos novamente tirar o Brasil do Mapa da Fome.
Wellington Dias, ministro do Desenvolvimento Social, em abril

As recentes melhorias no mercado de trabalho e da renda média, mais a ampliação das políticas públicas, ajudam no enfrentamento da insegurança alimentar, mas a vitória final sobre a fome no Brasil depende do crescimento econômico, gerador de empregos e renda suficientes para os gastos com a alimentação adequada e outras despesas básicas.
Cícero Péricles, economista da Ufal, que pesquisa sobre pobreza

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