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Três escritórios concentram quase 70% das recuperações judiciais de Minas

Três escritórios famosos concentram quase 70% dos casos de recuperação judicial (RJ) em Minas Gerais: os dos advogados Dídimo Inocêncio de Paula, Otávio de Paoli Balbino e Taciani Acerbi Campagnaro Colnago Cabral.

Eles foram indicados como administradores judiciais (AJs) em 115 de 166 casos de RJ deferidos pela Justiça no estado entre 2020 e 2024.

Inocêncio, como é conhecido no mercado, é desembargador aposentado do TJ-MG (Tribunal de Justiça de Minas Gerais). Balbino é filho da desembargadora Marcia de Paoli Balbino. Colnago é casada com o juiz Thiago Colnago Cabral.

Todo processo de recuperação judicial ou de falência é fiscalizado por um AJ que, por lei, é escolhido pelo tribunal que analisa os pedidos feitos pelas empresas. As remunerações deles podem chegar à casa dos milhões de reais.

Hoje, há cerca de 30 escritórios habilitados no Portal de Auxiliares da Justiça do TJ-MG.

Dois dos quatro maiores escritórios de auditoria do mundo (Ernst & Young, Deloitte, PWC e KPMG) estão habilitados no estado, segundo a lista de auxiliares divulgada neste mês: Deloitte e KPMG.

Segundo levantamento inédito do UOL a partir de processos públicos, Colnago foi indicada 49 vezes por juízes diferentes de cidades diferentes, enquanto Balbino assumiu 42 casos, e Inocêncio, 27.

Na sequência da lista dos mais nomeados estão os escritórios de Juliana Morais, com sete nomeações, e Érika Santiago, com quatro.

O levantamento desconsiderou processos arquivados, extintos, improcedentes, indeferidos, de incompetência declarada, indicação de AJ pendente ou com informações indisponíveis.

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Imagem: Arte/UOL

O UOL procurou todos os escritórios citados, mas apenas os de Colnago e Balbino responderam.

O escritório de Colnago ressaltou que atua em seis estados (Minas Gerais, Bahia, Espírito Santo, Santa Catarina, Piauí e Maranhão) e apontou sua estrutura e foco em falências e RJs, "destacando-se ainda por seguir regras de transparência, legalidade, ética e compliance".

"O escritório atribui todas as suas nomeações à qualificação e à expertise dos serviços prestados por sua equipe, sobretudo porque tal ramo do direito tem poucos profissionais dedicados e especializados no país", acrescentou.

Balbino não quis se manifestar sobre o número de nomeações.

"Em relação aos, pelo menos, 15 maiores e midiáticos processos de recuperação judicial e de falência que tramitam em Belo Horizonte, a nomeação da Paoli Balbino & Balbino ocorreu apenas em dois casos, quais sejam: Samarco Mineração S/A e Grupo 123 Milhas", escreveu em uma nota no início de junho, para outra reportagem.

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"Importante mencionar que as nomeações vieram de juízes diferentes e em varas diferentes, nas quais os magistrados deixam claro o sistema de nomeações em rodízio, de forma a contemplar todos os profissionais regularmente cadastrados nos sistemas de auxiliares do Tribunal de Justiça de Minas Gerais."

Procurado, o TJ-MG informa que não tem política institucional de indicações. "Os administradores são designados por decisão de cada juiz, considerando o caso concreto. Portanto, os critérios de designação são de cada magistrado", afirma.

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'Uma caixa-preta'

Após inspeção da corregedoria do CNJ (Conselho Nacional de Justiça) em novembro de 2023, o ministro Luis Felipe Salomão pediu para o TJ-MG verificar se as nomeações estão seguindo a resolução 393 do conselho.

A norma diz que juízes devem ter "critério equitativo" nas nomeações, "não podendo ser escolhido o mesmo profissional, simultaneamente, em mais de quatro recuperações judiciais, ou extrajudiciais, e de quatro falências" num ano.

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A prática é conhecida como "rodízio" por quem vive o dia a dia da área: um juiz deveria revezar e não concentrar indicações em um escritório.

O Executivo enviou ao Congresso um projeto de lei para atualizar as regras de RJs e falências. A relatoria incluiu ajustes, entre elas os critérios de indicação que constam no CNJ, para tentar impedir práticas suspeitas.

O PL alterado acrescentou pontos relacionados a nepotismo: fica proibida a contratação direta ou indireta de familiares de até 3º grau do próprio administrador ou dos magistrados e membros do Ministério Público.

Segundo o projeto, também ficaria impedido "quem tiver relação de parentesco ou afinidade até o 3º grau com o devedor [no caso, a empresa em RJ ou falência], os seus administradores, controladores ou representantes legais ou deles for amigo, inimigo ou dependente".

A deputada federal Dani Cunha (União-RJ), relatora do PL, criticou duramente em março a situação das RJs e falências hoje, definida por ela em discurso como "uma caixa-preta, desfrutada por uma seleta classe".

Conselho Nacional de Justiça (CNJ)
Conselho Nacional de Justiça (CNJ) Imagem: Gil Ferreira/Agência CNJ
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'Clubinho' dentro da lei

Segundo a lei atual, não há ilegalidade nas nomeações de Inocêncio, Balbino e Colnago — advogados consultados pelo UOL afirmam que, se o juiz deve escolher um AJ em quem confia para exercer a função, é natural que nomes se tornem recorrentes.

Administradores judiciais ouvidos pela reportagem, no entanto, também criticam a concentração de grandes casos em apenas três escritórios no estado, liderados por advogados ligados a magistrados mineiros.

É isso que os críticos consideram um "clubinho".

Quando um novo pedido de recuperação judicial de milhões ou bilhões pinga nos tribunais mineiros, conta uma fonte, já se vislumbra nos bastidores qual AJ dos principais escritórios será nomeado.

Distrito de Bento Rodrigues (MG), após rompimento de barragem da Samarco, em 2015
Distrito de Bento Rodrigues (MG), após rompimento de barragem da Samarco, em 2015 Imagem: REUTERS/Ricardo Moraes
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Os supercasos

Minas Gerais concentra os maiores casos em valor (Samarco, com R$ 50 bilhões de dívida) e em volume (123milhas, com 800 mil credores).

Dídimo Inocêncio de Paula e Otávio de Paoli Balbino, junto a outros escritórios, foram indicados para os dois supercasos milionários: na Samarco, foram nomeados pelo juiz Adilon Claver de Resende; na 123milhas, pela juíza Cláudia Helena Batista.

O MPMG (Ministério Público de Minas Gerais) precisou intervir em ambos.

Na Samarco, o órgão pediu a redução dos honorários dos AJs — inicialmente, era R$ 500 milhões, no fim ficou em R$ 50 milhões.

Na 123milhas, a Justiça determinou R$ 64 milhões de honorários, mas o MPMG recorreu, e o valor foi reduzido para R$ 34,5 milhões. A promotoria e a defesa da 123milhas pedem para reduzir ainda mais.

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Inocêncio também foi escolhido para o caso de R$ 2 bilhões da Coteminas, que inclui as empresas Ammo Varejo e Springs Global, esta última parceira da Shein no Brasil.

Indicada pelo juiz Adilon Cláver de Resende, a advogada Taciani Acerbi Campagnaro Colnago Cabral assumiu o supercaso do Cruzeiro, que tem uma dívida de R$ 537 milhões — os honorários estão na casa de 4% (R$ 21,4 milhões).

Colnago também foi nomeada para os casos das empresas Iefe Agro (R$ 473 milhões) e Araporã Bioenergia (R$ 236 milhões).

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Imagem: Danilo Verpa/Folhapress

O imbróglio 123milhas

Um impasse na escolha dos administradores judiciais travou os casos da 123milhas e da MaxMilhas (agência do grupo 123 que também pediu recuperação).

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Primeiro, a juíza Cláudia Helena Batista nomeou Inocêncio, Balbino e outro escritório, Brizola & Japur, para o caso da 123milhas e da HotMilhas (outra empresa do grupo).

Depois, o desembargador Alexandre Carvalho avaliou um pedido de análise — laudo de constatação prévia — feito pelo Banco do Brasil, um dos maiores credores do caso.

A consultoria KPMG e o escritório da advogada Juliana Morais foram designados para fazer a análise.

Conforme o UOL revelou, o laudo identificou que a 123milhas operou no vermelho por três anos seguidos (2020, 2021 e 2022).

O caso ficou suspenso e, em setembro de 2023, a MaxMilhas e a Lance Hotéis (outra empresa do grupo) também precisaram pedir RJ.

A juíza nomeou novamente Inocêncio, Balbino e Brizola & Japur como AJs, com um acréscimo de quase R$ 8 milhões de honorários para eles.

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Enquanto a MaxMilhas entrava na berlinda, o desembargador Alexandre Carvalho atendeu a um pedido do Banco do Brasil e substituiu os AJs: sairiam Inocêncio e Brizola & Japur, ficariam Balbino, KPMG e Morais.

O desembargador Adriano Mesquita concordou. O desembargador Moacyr Lobato, entretanto, discordou de Carvalho e defendeu a posição da juíza, a volta de Inocêncio e Brizola & Japur. Prevalece a decisão de Carvalho.

Lobato é pai do advogado Victor Hugo Santiago Lobato, que integra o escritório da especialista Joice Ruiz Bernier, AJ Ruiz, nomeado pela juíza Cláudia Helena Batista em outro caso milionário: o da concessionária Cardiesel.

No fim de maio, nove meses depois do início do caso 123milhas, foi finalmente publicado o site oficial para que os clientes possam cobrar os valores devidos. Quase 16 mil credores já mandaram os dados para o site.

O Banco do Brasil recorreu ao TJ-MG questionando a necessidade de novos AJs para a MaxMilhas, visto que o caso maior (a 123milhas) já está consolidado com Balbino, KPMG e Morais.

No agravo de 11 de junho, ao qual o UOL teve acesso, o Banco do Brasil também questionou os honorários de 4% atribuídos aos novos AJs na MaxMilhas — "percentuais irrazoáveis e injustificáveis", nas palavras do banco.

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O UOL analisou 37 recuperações judiciais e falências de empresas, cujas dívidas, individualmente, ultrapassam R$ 100 milhões — entre elas, as de 123milhas/MaxMilhas, Cardiesel, Cruzeiro e Samarco. No conjunto, as dívidas ultrapassam R$ 250 bilhões.

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