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Falência de usina dos Bumlai tem acordo secreto e administrador milionário

Sete anos após falir, a Usina São Fernando, em Dourados (MS), atravessa um impasse: enquanto deve cerca de R$ 2 bilhões, um administrador judicial recebeu milhões de honorários e, até agora, ex-funcionários não receberam nada de verbas rescisórias.

Foi feito um acordo entre o administrador e a usina, mas não se sabe quais são os termos, pois o documento está sob segredo de Justiça — os credores pediram, mas não tiveram acesso.

Patrimônio da família do empresário José Carlos Bumlai, o empreendimento passou entre 2013 e 2017 por uma recuperação judicial (RJ) que virou falência.

Quando isso ocorre, os bens da companhia são leiloados para quitar as dívidas com os credores — todos a quem a usina deve dinheiro, como bancos e ex-funcionários.

Mas, até agora, nenhum credor recebeu.

O único a receber foi o escritório do administrador judicial (AJ) responsável pelo caso, Vinicius Coutinho, que faturou R$ 15 milhões.

Coutinho foi indicado para a função pelo então juiz Jonas Hass Silva Júnior. Segundo a legislação, cabe ao magistrado do caso escolher um AJ para fiscalizar a recuperação judicial.

Segundo o processo, ao qual o UOL teve acesso, é possível que o arrecadado nos leilões seja insuficiente para pagar a todos.

Há, por exemplo, a estimativa que ex-funcionários recebam a rescisão apenas a partir de 2029.

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Os autos mostram que diversos credores criticaram os honorários antecipados do AJ. Coutinho disse à reportagem que o juiz anterior autorizou a antecipação do seu pagamento.

Na decisão de 2017, à qual a reportagem teve acesso, o magistrado diz que Coutinho — que foi AJ na recuperação e na falência da usina — se dedicou e fez um "excelente trabalho", considerando a complexidade do caso, a contratação de profissionais e o risco envolvido.

Mas advogados que questionam o adiantamento criticam o cálculo que definiu o valor a ser pago a Coutinho.

Segundo eles, o AJ considerou que deveria receber 5% de R$ 400 milhões, valor que a Pedra Agroindustrial, empresa que comprou a São Fernando, se comprometeu a pagar até 2041.

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Imagem: Arte/UOL

O que diz a lei

A lei determina que a remuneração do AJ é de até 5% do valor da dívida da empresa, e quem bate o martelo sobre o valor é o juiz do caso.

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Dentro dessa lógica, a parte de Coutinho ficaria na casa de R$ 20 milhões — o valor seria completado em 17 anos, quando a antiga usina receberia o dinheiro para então quitar todas as dívidas.

Bancos públicos, entre eles o BNDES (Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social), têm cerca de R$ 600 milhões a receber. O Fisco, mais de R$ 229 milhões. Ex-funcionários, R$ 53 milhões.

Sob a justificativa de evitar "um mal maior", o desembargador Paulo Alberto de Oliveira decidiu, em abril, suspender os pagamentos a Coutinho.

O magistrado considerou que, como o AJ já recebeu mais de R$ 15 milhões, deixar de receber as parcelas restantes até dezembro (R$ 427 mil, no total) não lhe prejudicaria financeiramente.

Coutinho frisa que o seu escritório mobilizou mais de 20 funcionários para o caso, além de liderar funcionários da usina.

Segundo ele, a usina foi reestruturada, regularizou licenças, quitou dívidas e gerou um resultado positivo de R$ 80 milhões. O AJ diz que também conseguiu vender a usina pelo valor nominal de R$ 661 milhões, em 2022.

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"Administrei não só a massa falida, mas uma usina de açúcar, álcool e energia em atividade, com mais de 1.500 funcionários, cumprindo com todas suas obrigações, seja com fornecedores, trabalhadores, impostos", afirma.

Usina da família Bumlai em Dourados, Mato Grosso do Sul
Usina da família Bumlai em Dourados, Mato Grosso do Sul Imagem: EXM Partners/Divulgação

Usina 'blindada'

São Fernando foi construída em 2008 com R$ 300 milhões do BNDES. José Carlos Bumlai foi um dos alvos da Lava Jato, condenado a 9 anos por corrupção passiva, e amigo do presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT).

A usina faliu em junho de 2017. Seis anos depois, em maio de 2023, uma investigação particular a pedido de credores revelou que Bumlai "blindou" o patrimônio para não pagar a dívida da empresa, revelou a Folha de S.Paulo.

A família teria desviado recursos da usina para si e simulado vendas de fazendas para esconder o patrimônio, aponta a investigação.

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Coutinho relata ao UOL que, por volta de 2021, surgiu a possibilidade de fazer um acordo junto à família dos antigos sócios da usina, que ainda não foi homologado. Esse acordo está sob sigilo.

"Um escritório de São Paulo participou da proposta de acordo, mas exigiu R$ 60 milhões de honorários, pagos antecipadamente, antes de qualquer credor, e eu não concordei. Rescindi o contrato com eles em maio de 2023. De lá para cá, o escritório está me atacando, nos autos e na imprensa", diz.

Não se sabe quais são os termos do acordo, pois a Justiça informa que o documento é sigiloso — os credores pediram, mas não tiveram acesso.

1.dez.2015 - O pecuarista José Carlos Bumlai, preso pela Operação Lava Jato, comparece à CPI do BNDES na Câmara dos Deputados, em Brasília
1.dez.2015 - O pecuarista José Carlos Bumlai, preso pela Operação Lava Jato, comparece à CPI do BNDES na Câmara dos Deputados, em Brasília Imagem: Dida Sampaio/Estadão Conteúdo

"Neste ano, nós pedimos a retirada do sigilo, para que os credores tomassem ciência de todo o imbróglio e todas as tratativas com o escritório de São Paulo", afirma Coutinho.

Advogados envolvidos no processo pedem a suspeição do juiz César de Souza Lima, alegando que o magistrado estaria favorecendo o AJ, inclusive privilegiando-o e deixando de lado os credores.

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Lima estaria, segundo a petição protocolada por advogados, agindo para "blindar a milionária remuneração" do AJ e sendo "conivente" com a demora no pagamento dos credores.

Procurado via assessoria de imprensa do TJMS (Tribunal de Justiça de Estado do Mato Grosso do Sul), o juiz César de Souza Lima não se manifestou.

O UOL analisou 37 recuperações judiciais e falências de empresas cujas dívidas, individualmente, ultrapassam R$ 100 milhões — a da São Fernando foi uma delas. No conjunto, as dívidas ultrapassam R$ 250 bilhões.

* Após a publicação, o empresário Guilherme Bumlai procurou a reportagem e disse desconhecer o acordo entre o AJ, a usina e qualquer advogado. A família nega veementemente as acusações da investigação citada na reportagem, e destaca que José Carlos Bumlai "foi" alvo da Lava Jato e que a condenação foi anulada pelo STJ.

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