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Administrador judicial assumiu caso 10 dias após ser proibido pela Justiça

Brasil Trustee, um escritório de Campinas (SP) especializado em administração judicial (AJ), está no centro de uma disputa jurídica no milionário mercado de recuperações judiciais (RJs) e falências.

De um lado, a Brasil Trustee acusou indícios de fraude em empresas como a marca de laticínios Shefa. De outro, foi acusada de "fabricar" falências para passar empresas a investidores e foi destituída de um caso.

Dez dias depois da destituição, o escritório foi nomeado para outra RJ.

Segundo a lei de recuperações judiciais e falências, AJs destituídos ficam proibidos de atuar por cinco anos. A Brasil Trustee está recorrendo.

O TJ-SP (Tribunal de Justiça de São Paulo) informou ao UOL que, no momento da nomeação, "a situação do administrador judicial perante o Portal de Auxiliares da Justiça estava regular".

O que aconteceu

Sulamericana Industrial é uma fábrica de papel com dívidas de mais de R$ 100 milhões que pediu recuperação judicial em 2022.

A juíza Adriana Barrea, de Mogi Mirim (SP), nomeou a Brasil Trustee como AJ para fiscalizar as operações da empresa nesse processo, que suspende por seis meses cobranças de dívidas e ações de credores.

Conforme determina a lei, cabe ao juiz do caso a indicação.

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A Brasil Trustee acusou irregularidades nas contas e pediu o afastamento dos sócios da Sulamericana à Justiça, que concordou. A informação está no processo ao qual o UOL teve acesso.

Sócios refutaram as acusações e a Sulamericana questionou a cobrança de mais de R$ 377 mil de honorários dos administradores, referentes a julho, agosto e setembro de 2022, com um prazo de cinco dias para pagamento.

A Sulamericana argumentou que se trata de um valor que, segundo o tamanho da empresa e da recuperação judicial, "foge da realidade jurisprudencial".

Após analisar os documentos, a juíza destituiu a Brasil Trustee em 24 de maio.

Substituir um administrador judicial é comum e não prevê penalidade para o escritório. Destituir, sim.

Mas, em 3 de junho, o juiz Paulo Roberto Zaidan Maluf, de São José do Rio Preto (SP), nomeou a Brasil Trustee para o caso da Cláudia Confecções, fabricante de uniformes que atende, entre outros clientes, empresas de segurança privada sob a marca Pruden Fardas.

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Maluf não se manifesta fora dos autos, informa a assessoria de imprensa do TJSP, por impedimento da Lei Orgânica da Magistratura.

O advogado Filipe Mangerona, sócio da Brasil Trustee, afirma que a juíza se "equivocou" ao usar a palavra "destituição".

Mangerona diz que o escritório entrou com recurso e não vê impedimento legal para continuar as atividades como AJ.

"Na hipótese do Poder Judiciário entender, em última instância, em sentido diverso, certamente declinaremos do encargo assumido", afirma ao UOL.

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Imagem: Arte/UOL

O que está por trás do caso

Na decisão que derrubou a Brasil Trustee do caso Sulamericana, a juíza grifou que pediu providências à corregedoria, pois já havia sido feito um pedido de providências ao CNJ (Conselho Nacional de Justiça).

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Ela se refere a um relatório de advogados que cita o caso da Shefa, de Amparo (SP), que tem uma dívida de mais de R$ 200 milhões e que também tem a Brasil Trustee como AJ.

O documento acusa a Brasil Trustee de "conduzir" empresas em recuperação judicial à falência para "vendê-las a investidores ou liquidar seus ativos".

Segundo documento acessado pelo UOL, o AJ agiria junto à gestora judicial B2Grow com um modus operandi: informar incidentes, destituir os administradores oficiais da empresa em recuperação, indicar gestores de sua confiança, blindar a atuação de advogados de defesa e, por fim, empurrar a empresa à falência.

Durante o processo, também diz o documento, o administrador cobraria honorários elevados, o que seria uma "sangria com sequelas".

"Enquanto aguardam a Justiça, essas empresas enfrentam perdas financeiras e comerciais, agravadas pela morosidade do Judiciário. Isso é comparável a uma pessoa sendo asfixiada: se o socorro demorar, mesmo que não haja morte, as consequências serão danos cerebrais irreversíveis", diz o relatório destinado ao CNJ.

Procurado, o CNJ diz que não pode comenta porque o caso será avaliado pelo plenário da casa.

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Nesta quinta (13), a Shefa incluiu nos autos que vai pagar os honorários — desistindo então do pedido de providências ao CNJ.

Congresso na OAB de Campinas, que teve participação de sócios da Brasil Trustee
Congresso na OAB de Campinas, que teve participação de sócios da Brasil Trustee Imagem: Reprodução

O que diz a Brasil Trustee

A Brasil Trustee apontou indícios de fraude tanto no caso da Shefa quanto no caso da Sulamericana.

Mangerona conta que, dos 41 casos ativos atualmente, o escritório identificou indícios "veementes" de fraudes em 13 deles (30%).

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Na Sulamericana, o AJ afirma que identificou, entre outros, desvios de R$ 370 mil, pagamentos de pró-labore de R$ 914 mil para um dos sócios fora das declarações oficiais e pagamentos de R$ 12 milhões sem nota fiscal.

O caso da Sulamericana Industrial, no qual, dentre outras fraudes, até empréstimos para pessoa falecida apuramos e indicamos ao Judiciário. É comum que os empresários e/ou os respectivos advogados busquem tumultuar o processo (e até o mercado da insolvência) com informações distorcidas da realidade, atacando-nos
Filipe Mangerona sócio da Brasil Trustee

Outra fraude que a Brasil Trustee afirma ter identificado foi a venda de ações da Shefa, às vésperas da recuperação judicial, para "laranjas" da empresa BS Factoring pelo valor simbólico de R$ 1.

A BS Factoring também é credora da Shefa. Segundo o administrador judicial, a jogada tinha por objetivo permitir que a BS Factoring pudesse votar na assembleia o que fosse melhor para a Shefa e não necessariamente para os demais credores.

Mangerona diz que protocolou um embargo no STJ dizendo que a Brasil Trustee está se esforçando para agilizar o pagamento para os credores.

Segundo ele, a Shefa incluiu uma "cláusula absurda": pedir os dados bancários de cada um deles.

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Só que nem todos os credores são informados dessa exigência, diz o advogado, porque nem todos participam ativamente do processo — no caso da Shefa, são apenas 11,92%.

Embora as empresas já tenham os dados, critica Mangerona, elas acrescentam essa imposição pois, na prática, muitos não vão saber que precisam informar os dados novamente, ficando de fora sem receber nada.

"Imagina, credor trabalhista, que a empresa pagava salário mensalmente, como não tem os dados bancários?", pergunta.

Acusações contra a Brasil Trustee têm sido frequentes, diz o sócio: "Somos atacados pelos que utilizam os processos de recuperação para cometer fraudes [...] por ser nosso trabalho exercer a fiscalização desses processos".

Mangerona diz que, nesses casos, magistrados, promotores e procuradores endossaram o parecer do seu escritório, "o que resultou no afastamento dos fraudadores".

Roberto Neaime, CEO da gestora judicial B2Grow, também nega qualquer "modus operandi" ou negócio acertado com a Brasil Trustee: "É uma narrativa fantasiosa, que não faz sentido", diz ao UOL.

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Neaime cita que, de 30 casos ativos de gestão judicial, oito estão com eles — "em 50% deles, ainda não recebi um real".

Segundo o gestor, o papel é entrar na empresa e geri-la com informação e transparência, para fazer justiça no processo.

"Há administradores judiciais que não fazem a fiscalização como deveria ser feita, o que dificulta encontrar eventuais fraudes nos processos. Se há fraude, os diretores da empresa são afastados e assume um gestor judicial, nomeado pelo juiz", frisa.

"O mercado de recuperação judicial no Brasil é milionário. Você tem diversos players: advogados, administradores judiciais e uma série de consultorias."

Procuradas pela reportagem, a Sulamericana e a Shefa não responderam.

O UOL analisou 37 recuperações judiciais e falências de empresas, cujas dívidas, individualmente, ultrapassam R$ 100 milhões — entre elas, as da Shefa e da Sulamericana. No conjunto, as dívidas ultrapassam R$ 250 bilhões.

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* Após a publicação, o advogado Otto Gübel, que representava a Sulamericana, procurou a reportagem para repudiar as declarações de Filipe Mangerona, sócio da Brasil Trustee. "A manifestação desarrazoada da empresa investigada é um ataque frontal contra o exercício da advocacia. O advogado tem o dever de defender seu cliente, dentro da legalidade", escreveu. Gübel também informou que vai levar o caso à OAB (Ordem dos Advogados do Brasil).

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