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Direita ou esquerda? Cursos ensinam candidato a se descobrir e pedir voto

Cursos de formação política têm ajudado candidatos a vereador a organizar uma campanha profissional, saber no que vão trabalhar caso se elejam e se situar politicamente entre a esquerda e a direita.

Candidato que se denomina conservador ou progressista e, durante as aulas, descobre ser o contrário "é o que mais tem", afirma Marcelo Vitorino, fundador do curso online Eu Vereador, voltado a candidatos com poucos recursos.

"Às vezes, recebo candidatos de partidos liberais falando de serviços públicos", conta.

Nesses casos, ele orienta o aluno a rever o ponto de vista ou procurar outra sigla.

"Se defende Bolsa Família, já tem um pé grande na social-democracia", ensina Vitorino.

Os cursos são uma fonte de renda a mais para profissionais que trabalham com marketing eleitoral.

No caso dos gratuitos, é uma maneira de levar para o Legislativo pessoas alinhadas aos mesmos princípios políticos de seus formadores, não necessariamente partidários.

Quando promovidos por políticos — caso do curso Caixa Preta, do deputado federal Nikolas Ferreira (PL/MG) — há a declarada intenção de aumentar a presença de aliados no parlamento.

Nas eleições de 2020, 13 mil candidatos se inscreveram no curso de Vitorino. Metade assistiu às aulas e cerca de 2.800 se elegeram.

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Para as eleições de outubro há 5.400 inscritos. O programa, com 12 horas de aula, custa entre R$ 147 e R$ 197, valor médio do mercado.

Cursos com professores famosos tendem a ser mais caros, como o de Nikolas Ferreira, que custa R$ 497.

Marcelo Vitorino, fundador do curso online Eu Vereador, voltado a candidatos com poucos recursos
Marcelo Vitorino, fundador do curso online Eu Vereador, voltado a candidatos com poucos recursos Imagem: Marcelo Vitoriano

Sem extremistas

No RenovaBR, maior escola de formação política do Brasil, o curso é gratuito, mas para assistir às 90 horas de aula é preciso passar por um processo seletivo.

O "vestibular" exclui automaticamente "extremistas de esquerda e direita", segundo Rodrigo Cobra, diretor-executivo.

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Candidato contrário à eleição livre, por exemplo, é eliminado — o mesmo ocorre com quem diz que mulheres não devem ter direitos iguais aos dos homens.

Ele afirma não ser raro que, durante a formação, alunos descubram mais afinidades com partidos diferentes daqueles pelos quais haviam planejado se candidatar — e então troquem de sigla.

Em março, o RenovaBR fez dois eventos com partidos políticos para que os alunos conhecessem as siglas. Esses espaços são chamados de "feirões".

Para o primeiro, foram 11 partidos e 600 alunos. Para o segundo, 10 siglas e 400 potenciais candidatos.

"São momentos para eles conhecerem as lideranças e entenderem como os partidos funcionam", diz Cobra.

Para as eleições deste ano, 30 mil pessoas manifestaram interesse na formação do RenovaBR — 2.103 foram selecionadas.

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Buraco de rua

Uma particularidade das eleições para vereador é o fato de envolver questões concretas da comunidade e, portanto, menos ideológicas, dizem professores de cursos para candidatos ouvidos pelo UOL.

"Buraco de rua não é de esquerda e nem de direita", concorda Vitorino.

"Às vezes, a sintonia não é partidária, não diz respeito a ser conservador ou liberal, mas envolve o cotidiano", explica João Henrique Faria, professor de comunicação e marketing político da PUC-MG.

Fellipe Corrêa (Cidadania), vereador por Cuiabá, que fez o curso Eu Vereador
Fellipe Corrêa (Cidadania), vereador por Cuiabá, que fez o curso Eu Vereador Imagem: Divulgação

Fellipe Corrêa, vereador em Cuiabá, disputou as eleições a vereador por um partido de centro, o Cidadania, após fazer o curso Eu Vereador.

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Ele ficou na suplência e, com a saída do titular para a Assembleia Legislativa, assumiu a vaga.

Agora está no PL, de direita, devido a um "contexto local", explica. Ele entrou no partido para apoiar a candidatura derrotada do deputado federal Abilio Brunini para a prefeitura.

'Candidato a miss'

Explicar a candidatos o que faz um vereador — cujo trabalho é restrito à cidade pela qual foi eleito — é outra tarefa a que cursos se propõem.

"Temos o que eu chamo de 'candidato a miss': ele quer resolver da fome na África ao câncer", afirma Vitorino. "Se o prefeito é o síndico, o vereador é o zelador."

Em suas formações para candidatos, Faria orienta candidatos a terem, no máximo, cinco bandeiras.

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"Quem tem público definido gasta menos na campanha", ensina.

Três pares de sapatos

Para uma capital, um candidato gasta pelo menos R$ 30 mil para ter chances de vitória, segundo Faria. Numa cidade pequena, "se fizer tudo direitinho", até R$ 5.000, diz Vitorino.

Fazer "tudo direitinho" significa pedir voto nas redes sociais — tomando cuidado para não cometer crime eleitoral, como disparo em massa de conteúdo —, mas sem descuidar do corpo a corpo com o eleitor.

"Não pode abandonar os três pares de sapatos, as caminhadas, as idas à feira e aos pontos de ônibus", ensina Faria

Nas eleições de 2020, 518.485 candidatos concorreram a um assento nas câmaras municipais — uma proporção de 8,92 candidatos por vaga.

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Há cerca de 58 mil vagas a serem preenchidas nas eleições de outubro. O número exato será divulgado pelo Tribunal Superior Eleitoral em 20 de julho.

Karla Coser (PT), que se elegeu vereadora em Vitória após realizar curso
Karla Coser (PT), que se elegeu vereadora em Vitória após realizar curso Imagem: Divulgação

A eleição mais difícil

Cursos de formação têm apostado nas novas regras eleitorais para atrair mais candidatos a vereador — gente que quer dar os primeiros passos na política ou cobiça um salário que, nas capitais, é de em média R$ 18.200.

Vitória é a capital que paga menos aos vereadores — R$ 8.966. Recife é onde se ganha mais — R$ 25.306.

Esta será a primeira eleição municipal após a reforma eleitoral de 2021.

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Dentre as disputas para o Legislativo, a de vereador é "a mais difícil de todas", segundo João Henrique Faria.

"É uma disputa que ocorre no mesmo espaço geográfico", explica. Quase sempre há mais de um candidato por bairro, família e outros grupos de convivência.

Karla Coser se elegeu vereadora pelo PT de Vitória (ES) após participar do curso do RenovaBR. Concorreu com ex-colegas de trabalho e "amigos próximos que tinham candidaturas no mesmo campo".

"No RenovaBR, eu era quase uma estranha no ninho. Muitos acham que a formação é mais liberal. Mas lá aprendi estratégias de comunicação e marketing que foram importantes para a eleição", diz.

Efeito Tiririca

Se a eleição para vereador já era desafiadora, a reforma eleitoral tornou-a dificílima, dizem consultores ouvidos pelo UOL.

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Nas eleições municipais de 2020, a lei permitia que cada partido ou coligação registrasse até 150% do número de lugares a preencher.

O teto, agora, é de 100% das vagas mais um.

Outra novidade são as federações, reuniões de partidos que funcionam como um só e duram o tempo do mandato (ao contrário das coligações, formadas para as eleições).

Assim, antes de convencer os eleitores, candidatos precisam convencer seus partidos ou federações de que são viáveis eleitoralmente.

A redução da permissão de candidaturas — a expectativa é de 30% a menos do que em 2020 — tem levado pretensos vereadores a procurar treinamentos para se validar junto às lideranças partidárias, afirma Cobra, do RenovaBR.

"O cenário está mais competitivo", concorda Marcelo Vitorino, do Eu Vereador.

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Ele diz que candidatos estarão mais preparados politicamente, o que "diminui o peso do efeito Tiririca" — para ele, uma consequência positiva da reforma eleitoral.

Vitorino se refere aos candidatos folclóricos que se candidatam sem conhecimento da política.

O humorista Tiririca (PL) foi eleito para a Câmara Federal pela primeira vez em 2010 dizendo não saber o que fazia um deputado. Foi o mais votado do Brasil. Está no quarto mandato.

Tiririca (PL), deputado federal por São Paulo desde 2011
Tiririca (PL), deputado federal por São Paulo desde 2011 Imagem: Nilson Bastian/Câmara dos Deputados

Laura Astrolabio, advogada e cofundadora da organização Tenda das Candidatas, não concorda com a análise. A Tenda capacita gratuitamente lideranças feministas para a política.

Para ela, a redução das candidaturas tornará ainda mais difícil para mulheres negras, quilombolas e indígenas terem apoio dos partidos ou federações para candidaturas competitivas.

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Também não crê em privilégio de candidaturas mais qualificadas. As mulheres que passam pela formação da Tenda, diz, têm formação contínua e, mesmo assim, são preteridas nos partidos.

"Dentre nossas alunas, não tem nenhuma ignorante política", diz.

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